Nota: 1- Gostaria que lessem esse texto antes de lerem a segunda parte de “As picuinhas musicais dos jovens/velhos chapecoenses”- Acredito que o texto se fará mais compreensível nos seus pontos nodais. 2- Eu espero que esse texto seja curto (risos). 3- Não pude deixar de escrever esse texto, tomem ele como uma resposta a mim mesmo para minhas lamentações presentes no texto “Todos meus conhecidos tem sido campeões em tudo...” que esta nos textos do mês de setembro no presente blog. 4- Se possível, gostaria que lessem esse texto escutando (se não tiverem, coloquem tocar no youtube) a canção “Dumb”, do Nirvana. Recomendo também, a leitura da tradução da letra (caso a compreensão do inglês não for suficiente). 5- Chega de ladainha, né?
.....Então eu estava escorado na parede de um barracão abandonado, às 22:00hrs, próximo ao ponto de ônibus urbano da rua da academia Sport Center, academia essa que a uns dez anos eu iniciei meu treinamento em judô – Agora é só um lugar para se bombar o corpo a fim de sentir menos vergonha dele (embora a vergonha do corpo seja apenas mais uma das ideias fincadas na nossa cabeça pela grande mídia da causa da boa –pseudo- saúde). O que eu fazia lá? Fumava um cigarro, pensava, esperava a lotação com moedas contadas no bolso a fim de voltar para casa. Sobre o que eu pensava? Pensava sobre a arte, em específico sobre a música. Eu estava escorado em um portão de lata todo destruído. No chão havia dois sacos de lixos esparramados – um do meu lado direito e outro do meu lado esquerdo- (estava contracenando com a paisagem), no ponto da lotação, escorados, estavam alguns jovens e duas senhoras. Um dos jovens usava tênis allstar puído, jeans e uma flanela. Ele tropeçou e os outros riram. Eu ri também (foi aí que eu o notei). Aquela roupa, do tipo que eu usava no ensino médio... Estilo grunge. Uma moda acessível! Aquilo chegou até ali, Setembro de 2010, uma cidadezinha provinciana do interior tentando fazer pose de grande cidade. E eu, uma hora esperando o maldito ônibus Urbano. Uma saveiro passou vagarosamente, com o som extremamente alto, completamente distorcido – imaginei dentro do carro-, os garotos sentados no ponto de ônibus riram, ouvi alguém dizer: mas que babaca... E mais risos. Eu com umas moedas enroladas em um papel – que rasguei de um convite para uma apresentação de rock em um bar- a fim de não esparramá-las. Fumando o último cigarro de uma carteira que meu ex-professor de filosofia sentiu de me dar. Cinco reais e vinte e cinco centavos no bolso da mochila em frangalhos. Eu, vinte e três anos. Se você me perguntar alguma coisa sobre Nietzsche eu sei te responder! Se você quiser saber sobre o teatro grego, sobre as divindades gregas, especificamente sobre Dioniso (ou Dionísio, ou Baco), teremos assunto para uma noite. Se você me perguntar sobre a história da música, falaremos por alguns dias. Se me perguntar sobre Kurt Cobain ou Jim Morrison, creio que falaremos por um mês... Agora se você perguntar sobre mim... Haverá um longo silêncio – há silêncio agora enquanto escrevo sobre mim. A rua escura e suja, folhas de jornal bailando com o vento. E eu li no jornal um cara dizer que as pessoas saem de casa para se divertir, ouvir músicas que eles já conheciam, que não havia sentido fazer música própria... Eu ri. Quando deixaremos de ser presunçosos e estipular o que as pessoas querem ou não querem ouvir? Como é que você pode dizer que as pessoas querem ouvir música que já conhecem se você nem apresenta para elas coisas novas, novas preposições, novas possibilidades, novas formas de encarar sentimentos, novas angústias e novos sorrisos? Uma senhora arcada passou por mim puxando uma mala na mão direita (com rodinhas que emperravam por causa da sujeira das ruas) e com uma sacola na mão esquerda. Um olhar triste e desconfiado para mim. Seriam meus magníficos 110 kg distribuídos em 1,85 M. ou talvez meus cabelos espessos e revoltos no vento. Minha vestimenta negra da ponta do pé até o último fio de cabelo. Minha barba por fazer, ou melhor, ainda, seriam meus olhos vermelhos como sangue (a minha amada ceratocone que tanto amo... Que tanto arde nos meus olhos...)? Se eu fosse jornalista eu perguntaria: E aí meu amigo, essa senhora sofrida saiu para se divertir? Talvez ela esteja esperando uma música do The doors toda esculhambada... Ah, me poupe! “As pessoas querem...” O que é que nós temos na cabeça quando dizemos isso e proferimos uma sentença? Minhocas? O mais engraçado é que você pode substituir as reticências por aquilo que o cara que profere a frase esta fazendo. O que é que eu tenho a ver com o que as pessoas querem? Virei uma mercadoria? Não sou mais um ser humano? Não faço mais uso da arte para criar uma nova comunhão? Agora eu vou dizer para as pessoas (olhei para os garotos no ponto de ônibus): VOCÊS QUEREM O QUE EU TENHO AQUI PARA VOCÊS MEUS AMORES, VOCÊS SÃO LINDOS, MAS QUE LINDOS QUE VOCÊS SÃO!!! Tirei mais uma baforada do cigarro e ri no meu silêncio. Quanta falcatrua eu vejo por aí! Quanta tolice! Quando os artistas contemporâneos começaram a dizer que lata de sopa era obra de arte – nada novo para os índios navajos ou os que já habitavam aqui no Brasil (no sentido da comoção) – aparentemente faltou para alguns aspiras a artistas lerem o resto de todo o trecho... “Desde que esse elemento seja uma síntese e carregue todo o sangue do seu coração”. Se eu fizesse música para convencer os outros a ouvir estaria ferrado! Alguém poderia estar rindo agora e dizer: Também, com as músicas que você faz... uma droga! Eu replicaria: Faça uma você também! Experimenta cara! É outra coisa, consegue me entender? Quer uma analogia? Vou parir uma para você: Imagine que você quer transar com a sua namorada, mas você não sabe se ela vai gostar (se excitar) de ver você pelado, aí você chama o ex-namorado dela, porque ele você tem certeza que ela vai querer – ora, ela já quis... Provável que vá querer novamente! HAHAHAHA – Não é mais ou menos isso, ou eu extrapolei agora? Faz assim, de vagarinho você mostra a bunda – e o ex lá-, ai você mostra um pouco da barriga – e o ex lá -, você mostra aos pouquinhos – e o ex rindo da sua cara e lá...- Acaba o show e o ex gozou e agora é você que esta lá, escondido, encolhido, porque não tinha certeza se ela queria ou não ver você nu. Mas e o que sei eu? Vinte e três anos e cinco reais e vinte cinto centavos enrolados em um pedaço de papel para não perder as moedas. “Eu não sou como eles, mas posso fingir” acabei de ouvir Kurt recitar. Não estou com o som ligado, sabem, mas ele recitou aqui na minha cabeça. Nenhum de vocês vai poder chegar perto disso, nem vocês e nem eu! Isso era dele – continua sendo dele- e ele se foi, não é mesmo? Mas estamos vendo aqui em Chapecó (e região) uma carência de criatividade, de fazer parte da grande tradição cultural – que extravasa com a cultura - que é a arte, por isso o recurso mais usado é a reprodução. Presenciei um cara dizer para mim: O Black Sabbath tocava uma hora de Black sabbath, nós tocamos três horas de Black sabbath, entende?, nós tocamos mais do que o Black sabbath. AHAHAHAHAHA... Eu teria coragem para expor quem disse isso, mas não vou fazer pelo único e grande motivo que isso me causa pena! E se me causa pena eu acho covardia expor ele. Como é que essa gente embarca nessa? Eu me perguntei. A minha hipótese é simples: Os artistas tinham tradicionalmente o papel de apresentar suas obras para uma sociedade – mas não faziam isso pela sociedade em si, faziam a fim de renovar a cultura aniquilando a cultura estabelecida (Não confundam isso com atos anarquistas, são atos políticos sim! Mas não filiados a um tipo especifico de política) – mas como essa forma de fazer arte (ou melhor: A FORMA DE FAZER ARTE) caducou com os simuladores de arte – gente que simula ser artista!- plagiando os artistas estamos, agora, dando voltas. Vejam bem, aí caímos nesse círculo vicioso: Os simuladores de artistas ficam plagiando os artistas e os artistas se retiram de cena e restam apenas esses simuladores (pseudo-artistas). Eu queria ver os covers de Black sabbath plagiar o Ozzy agora, velho, enrugado, falando um monte de besteira- HAHAHA-, desculpem a ironia, é força do hábito. Se restam só simuladores a cultura não se renova, ela fica patinando, estagnada, e os problemas das mudanças dessa cultura perduram (pois a cultura não muda e assim não caem por terra antigos moralismos). Tem quem ache que isso não é grave, mas eu sou dos que acham que isso é grave! Chegamos à democracia neoliberal, e aqui, tudo é válido, todos podem fazer o que bem quiserem. Se um cara subir no palco e disser no microfone: Aí galera, quero que todos vocês vão se foder! É, se foder, vão tomar no cu! Eu não sei mais se vão aplaudir e rir, achar aquilo bacana ou se vão vaiar. Vejam, nos bailes funks brasileiro, os caras chamam as mulheres de cadelas e elas gostam (?), inclusive se vocês não se lembram eu os faço relembrar, um programa da tarde dominical insistiu por seis meses em mostrar caras falando essas coisas para mulheres e a câmera fazia um mergulho por baixo da saia de bailarinas para mostrar o mais próximo possível da vagina delas – Uma amiga psicóloga me contou ontem que isso continua a acontecer. Pergunto: Isso tudo tem ou não tem a ver com o que se tem feito enquanto arte nos últimos tempos? De fato, outra amiga, em uma boate, certa vez foi dizer para o segurança que um cara estava tocando nela. Ele respondeu: Você poderia não ter vindo de saia... E riu. Ora, o que é que esta mais correto: as mulheres usarem uma armadilha pega-urso (aquelas dos desenhos do pica-pau) por baixo da saia ou ensinar os homens a respeitar as mulheres? Me atrevo a chamar para uma discussão qualquer artista (e não artista) que disser que arte não tem um dever político/cultural e é apenas expressão. Na última bienal que fui, em Porto Alegre, assisti o registro de uma performance que consistia em um homem introduzindo a bandeira do Brasil no ânus (?). Em primeiro lugar, não me chocou, em segundo não me causou nenhum tipo de sentimento e nem se quer me fez pensar em algo... Foi somente aquilo – e estava lá, na bienal de Porto Alegre-, enquanto estava sentado em um banco na frente do Masp (que descobri que era uma obra) eu via ônibus saídos de Chapecó (da escola de arte, da unochapecó) trazendo jovens pretensos artistas para verem aquilo. Eu pensei: É isso a arte hoje? É para isso que estamos rumando? Alguém poderá me repreender dizendo: Sim, mas não causou nada em você, poderá causar em outras pessoas! Aí, eu responderia: Na boa, esquece um pouco os manuais de arte contemporânea que lhe socam guela abaixo. Estes possuem mais fugas para a arte do que proposições! Na referida bienal eu ouvi um registro poético de 1986 onde o artista dizia: “O que interessa na arte não é arte...” (o nome da obra é “interesere”). Hoje, quando lembro dessa frase eu ainda sinto um calafrio. Mas e agora, vocês acham que ser artista é ficar reproduzindo essa frase? Eu nem se quer sabia se queria ou não ouvir isso que ouvi... Mas ouvi. E olha que saí de casa para me divertir - hahahaha. Se vocês puderem assistir o documentário do Gastão Moreira “Botinada”, a história do punk no Brasil, verão uma coisa muito interessante; embora os músicos que acham que instrução musical é tudo digam: a vá, os punks eram uns analfabetos musicais! Os punks diziam somente o seguinte: Nós queríamos fazer a música que queríamos fazer e não tinha na época. Não queríamos ficar estudando música dez anos se com o que tínhamos já conseguíamos fazer e nos expressar suficientemente! Podia ser uma merda de uma barulheira, mas eles criaram aquilo... Vejo que o mais sujo e iletrado dos punks já colocam 90% do que esta sendo feito hoje em Chapecó no bolso. Quando alguém fala em Dionísio eu começo a rir, pois a criação artística provém de Apolo, os dionisíacos não criavam, não encenavam, eles viviam e se despedaçavam nessa vivência. Eu li em uma entrevista um cara falar que usava elementos dionisíacos na sua música... Eu ri muito disso! Nem se quer sobreviveria se usasse um pingo de elementos dionisíacos no palco! Nem Jim Morrison era dionisíaco – como adoram falar, um grande jargão clichê-, ele tentava manipular elementos dionisíacos – isso é a tragédia grega, mas a tragédia grega é apolínea, não dionisíaca. O que sugiro? Sugiro aos artistas lerem um pouco mais a respeito do que realmente estão fazendo e não ficar procurando frases de efeito para dar entrevistas – sugiro isso aos jornalistas também.
.....Giorgio Agamben no seu livro “Profanações”, parafraseando Michel Foucault, diz algo que vou traduzir mais ou menos assim: O que interessa saber se Albert King (Blues) usava cueca de seda ou calcinha fio dental? Isso não muda o seu blues! O artista, você compreende no gesto de sua arte e não na sua história individual! O que me interessa se Nietzsche tinha bigode, se Rimbaud era homossexual, ou se Van Gogh tinha um dente de ouro? Isso muda o que eles criaram? Na academia – falo agora da filosofia que estou cursando – filósofos marxistas não leem Heideggar porque ele foi Nazista... Que atraso isso significa para um filósofo! Mal posso expressar! Tem gente que não lê Kant porque Cioran impossibilitou à metafísica... Que grosseria! Difícil entender essas últimas frases, não é? E já pensou se eu digo que vocês são todos uns idiotas por não compreenderem isso? Hahahaha! Certamente eu seria mais idiota ainda! A diferença esta no seguinte: Eu me propus a fazer filosofia, então eu entendo de filosofia! O que eu espero é que quem se propôs a fazer arte entenda do que esta falando e fazendo! Ninguém desconstrói nada sem entender como a coisa é construída – grande aprendizado que tive de pintores abstratos! Portanto meus amigos, plagiadores, simuladores, são plagiadores e simuladores, não artistas! “Contenham as lágrimas”...
.....E eis que o ônibus aparece. Entulhado! Eu deixo que ele passe dessa vez... Decido esperar o próximo – cruzando os dedos para que apareça um próximo, afinal, eu saí para me divertir – quero aquilo que é previsível, não quero ser surpreendido!- (Risos). Mentira, eu decidi não pegar esse ônibus logo que vi que recuperei as palavras (encontrei as pessoas). Uma noite eu me debrucei na janela do meu quarto e olhei para a cidade. Vi que no céu se tapavam os horizontes tetos de fábricas. Conceituei fábricas e cheguei nas pessoas... Que gesto veio depois disso... Que gesto!
r.A. Ironicamente digo: Não negue o seio quando chegar a sua vez!
=> Agora vamos a continuação das picuinhas...
6 comentários:
guri, tu é um perigo para a minha cabeça. obrigada, vou considerar.
estou aqui pensando... e se eu considerar tudo o que um filósofo considera ao escrever um texto, será que conseguiria termina-lo a tempo, dentro de uma rotina desconhecida pelos filósofos? e se não conseguir, não seria hora de procurar outros meios para escrever dessa forma? seria certo um jornalista ser apenas um meio da informação ou deveria falar bem quando acha que deve falar bem e mal quando julgar que deva? normalmente, na situação em que estou, falo o lado bom ou simplesmente me torno o meio das fontes. minha língua é afiada. acho que tenho medo dela, por isso a deixo guardada.
Ficou perfeito em questões de identificações... Acho muito interessante como as pessoas leem e absorvem o que as tocam...
Muito interessante garoto das moedas...
ei ei.. há perigo na esquina..
tombo aos simuladores!!
considerem que a mediocridade do mundo está alimentada nesse tipo de coisa, nessa 'arte'. se a arte não servir para mover algo do mundo, ela deve ruir de vez.. e já não é mais arte, mas uma forma de manter o discurso com foco num ego de auto-satisfação pequeno burguês.. alguns precisam provar que ainda tem potência, nem que ela seja uma potência de nada.. e usam esse discurso de arte para tal.. um horror-show, uma piada, um fim de festa, uma farça.. novos/velhos mortos por si mesmos, fazendo de conta que ainda reagem..
Tentam provar que tem potência...
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