sábado, 3 de julho de 2010

O QUE É A SODOMA H.?

Nota: Esse texto é incompreensível para integrantes de bandas covers do Led Zéppelinho, AC/Meu saco/DC, Black Sabobão, Iron M(P)eidei, Deep Poodle, ou quem pense que isso é o que se deve fazer com a música hoje. Sertanejos universitários (ou na pré-escola ainda) e saveirentos furiosos do cabelinho de gel, certamente não têm o endereço desse blog, e se conseguirem de alguma forma, mesmo não sabendo o que significa a palavra incompreensível, logo saberão.
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=> O restante, que Deus os ajude, para todo sempre, amém.
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.......Com quinze anos, depois de muito ouvir rock e outras coisas mais e achar que esse tipo de música era a salvação para um garoto desajeitado, após encontrar uma revista que falava sobre Nirvana, achei que eu também poderia dar a minha contribuição para a música. Por um ano deixei que minha família arrancasse meu couro (morava no interior) enquanto mendigava um violão e eis que na metade de meus dezesseis anos veio o tão sonhado presente! Aquela coisa que tão pronto me caiu nas mãos tão pronto me dediquei! No início (como morava no interior, onde ninguém ouvia rock) sofri para caramba! Não conseguia entender como é que aquela coisa funcionava. Era um violão barato que mesmo que eu pedisse para alguém afinar para mim, assim que eu conseguia tocar umas duas músicas, aos trancos e barrancos, o violão já estava desafinado... Aí me dediquei a aprender a afiná-lo (continuo me dedicando a isso ainda)... Demorei para reconhecer os sons, era um instrumento ruim! Á propósito, nunca comprem um violão Malaga! Outro problema era que tudo que eu tinha para ouvir era um aparelho velho; junto com ele veio apenas discos com trilhas sonoras de novela - e um amado disco coletânea dos Beatles- onde pouca coisa era o que eu realmente desejava ouvir, mas lá, perdido entre as faixas dos discos eu encontrava Men at work, Queen, Nazareth, Creedence, e uma banda que imagino que sou o único que gosta na cidade: Vanity Fare, que provavelmente era as faixas que eu mais repetia e fazia o esforço de tirar aquelas músicas no meu tosco violão. O céu mesmo foi quando consegui comprar um aparelho de som onde podia gravar músicas da rádio e tocar CDs (que eu comprava, obviamente nos camelos ou vez que outra que cruzava um bazar). Aí eu tinha algumas coisas que passava horas ouvindo e sugando: Red hot chilli pepers, nirvana, ramones e por ai vai. De músicas nacionais eu gostava de algumas poucas, tinha lá comigo que eu poderia fazê-las e achava as letras obvias demais. Mas como todo adolescente eu tinha um disco do Raul Seixas- hehehe! E foi nesses meados que consegui comprar minha primeira guitarra. Meu pai disse: você não precisa ligar esse troço em uma caixa de som? E eu respondi afirmativamente, mas eu não tinha dinheiro suficiente para comprar uma caixa e nos meus cálculos eu levaria muito tempo para conseguir comprar uma. Uma manhã, com um dinheiro sobrando meu pai comprou-me um cubo multi-uso (que inclusive tenho até hoje) e uma pedaleira mixuruca que simulava efeitos. Acho que foi um dos momentos mais felizes da minha vida! Eu tinha uma guitarra de quinta categoria (comprei usada) e um cubo mixuruca e uma pedaleira mixuruca! E minha vida, naquele tempo era aquilo! Quando chegava os fins de semana eu atirava o material escolar em um canto e tocava o máximo que meu corpo pudesse agüentar! Um dia um ex colega da escola de judô (treinei judô dos sete anos de idade até os dezesseis) me parou na rua e começamos a falar de música. Ele me deu a boa notícia que estava aprendendo a tocar bateria e que queria montar uma banda. Foi assim que passamos um sábado tocando uma versão tosca de nothing else matters do Metallica e nos sentimos alguma coisa o resto da semana (Tem bandas na cidade que tocam versões piores e tem gente que ainda paga para ouvir isso - e os músicos se sentem alguma coisa por décadas)! Chamamos para o baixo um cara que vimos tocando em uma banda evangélica na escola e assim começamos a maluquice que é ter uma banda. Demos o nome à banda Hole Smoke, sugestão de outros caras cabeludos que iam ver nossos ensaios - nem sabíamos o que aquilo significava, o inglês básico que adquiri em dois anos ouvindo rock americano me dizia que aquilo significava fumaça sagrada. Mas tarde descobri que isso simbolizava maconha, ai rejeitei o nome, hahahaha- (nada contra usuários de maconha, mas meu gosto requintado denunciava que chamar uma banda de “fumaça de maconha” não tinha muito a ver com as mensagens que queríamos passar) e por aí foi até que surgiu a oportunidade de tocar na escola.
.......Na escola mentimos que éramos uma banda tranqüila de músicas pops. O pavor dos professores quando nos viram tocar Smell Like a Teen Spirit do Nirvana foi indescritível (a escola não era uma escola no centro, onde hoje em dia nem que você finque um pau no cu de um aluno ele se sensibiliza)! Uma semana, depois na escola, os jovens estavam usando camisas de bandas e se emprestando revistas de rock compradas em bancas de jornal! Os jovens da escola em que tocamos já não aceitavam as imposições, montaram um grêmio estudantil onde se via pôsteres de rock nas paredes e na condição de, ou ter um computador na sala do grêmio ou um aparelho de som, escolheram o aparelho de som onde se ouvia rock o dia inteiro! Fui convidado para participar do grêmio estudantil na função de diretor social - Ainda hoje não sei o que isso significa, mas enfim, eu gostava de dizer que era diretor social, no sentido que dei ao cargo, significava que eu podia ficar com as gurias na sala do grêmio-. Outras festas apareceram e devido o pequeno espaço do refeitório - nos apresentávamos em um refeitório - os shows passaram a ser feitos no ginásio de esportes! O mais interessante para mim era quando as pessoas vinham me dizer que nunca viram algo tão diferente como ramones e nirvana! Que simplesmente sentiam vontade de pular e gritar quando nos ouviam tocar essas músicas. A escola se situava em um lugar entre duas agroindústrias (e continua lá, firme e forte, cheirando penas queimas e focinhos de porco queimados), os jovens de séries mais adiantadas ou estavam trabalhando em uma indústria ou na outra, como seus pais. Para eles aquilo que fazíamos na escola era uma espécie de catarse. O punk rock e toda sua política anárquica e combate aos estereótipos lhes servia como uma luva! Transformavam todas as frustrações acumuladas em criatividade, investiam suas energias em ouvir ou tocar música, liam livros na biblioteca porque não queriam ser os alienados que as músicas de punk tanto criticavam. Alguns professores conservadores me criticavam por usar camisetas pretas e calças jeans rasgadas no joelho, sempre que possível levantavam a hipótese de que eu era usuário de drogas. Um problema que eu tinha nos olhos - usava lentes de contato que me irritavam os olhos e por isso eles freqüentemente estavam vermelhos (ainda uso essas malditas lentes)- era motivo para eu ser visto como uma péssima influência. Também tomei por hábito usar uma corrente amarrada nas calças como os punks usavam e isso, para os professores conservadores que me referi a pouco, interpretavam como uma imposição de violência - junto com meu porte avantajado de lutador-, mas eu e meus colegas riamos disso! A respeito de drogas, eu via alguns amigos e colegas usando e não sentia a menor vontade de usá-las (Por favor, peço agora a um estudante de psicologia da Unochapecó que pare de me pedir Ledinha quando me encontrar - se ler isso-, eu não sei fumar maconha e não fumo porque o cheiro me causa náusea)! Mesmo tendo sido o rock e o punk alguns dos movimentos que mais usaram drogas na história da música, tendo desenvolvido meu próprio pensamento, eu sabia a perda de tempo que era ser usuário de drogas nessa velha tentativa de fuga ou de parecer mais legal ou aceito em um grupo. Estas compreensões que eu tinha sobre as drogas eu apresentava para os amigos a minha volta e lembro-me de que nesse período a escola tinha raros casos com drogas. Eu e meus amigos - juntamente com os membros da banda que eram ex- alunos da escola- riamos prontamente de qualquer um que cogitasse usar drogas, o que, como membros de uma banda e, digamos, formadores de opinião entre os jovens e agitadores culturais que éramos, desmerecia a aproximação com as drogas. Enfim, sabíamos como rebater os professores conservadores com boas risadas! Alguns professores ressentidos forjaram com alunos -que também não gostavam muito de nós- associações de alunos que nos criticavam ou tentavam barrar todos nossos projetos de música, arte, campeonatos de esportes, etc... Mas sendo eles sempre minoria e desprovidos da mesma criatividade que possuíamos, acabaram ficando entregues a seus próprios resmungos, enquanto inserimos na escola um grupo de teatro e outro de dança ( os professores de teatro e dança eram alunos da escola que faziam parte do grêmio e que foram, naquele tempo, meus melhores amigos. O que dava aula de dança era homossexual e estar envolvido nesse grupo fazia com que se sentisse protegido, estávamos - os membros do grêmio- prontos para afastar qualquer ideologia homofóbica, racista ou sexista! Conceitos esses que aprendemos com o velho rock n’ roll).
.......Com a chegada do fim de minha estadia na escola e achando que aproveitaria esse meu período de turbulência pensante em uma universidade, me inscrevi no vestibular de filosofia. Como é sabido, vigor de pensamento não é o maior atrativo da cidade de Chapecó, por isso a turma de filosofia quase não fechou! Mas no fim das contas lá estava eu, como um cachorro assustado, freqüentando um espaço imenso, cheio de outros problemas - mas vou me restringir nesse escrito a falar só de música, portanto esse papo fica para outro momento- e assim, lá, com meus dezoito/dezenove anos. estava eu.
........O contato com a escola, que fiz parte, aos poucos foi se perdendo. A banda que tinha (que nesse momento se chamava Platteau e gravou um single não lançado para venda, apenas no rádio - esse single, deve constar, foi executado ao mesmo tempo na rádio local e por um amigo em uma rádio de Portugal- sendo melhor recebido em Portugal do que aqui : engraçado, não é?) se desintegrou por incompatibilidades da vida dos integrantes. Primeiro saiu o baixista (ainda um grande e nobre amigo) o que me apresentou a ideia de mudar a configuração da banda para guitarra e bateria, essa configuração aos poucos foi se adequando a nova proposta (eu nunca tinha ouvido falar de bandas que tivessem essa configuração até aqui - para ver minha ingenuidade musical) e assim fizemos poucas apresentações até eu me deparar com as limitações dessa cidade no que diz respeito a incentivo musical. Vendo que não tinham incentivos para o cenário (que no fundo finge que é um cenário) musical, sugeri o fim da Platteau. Ainda me recordo do dia, o baterista que acabara de se “casar” (juntar-se, seria o termo mais apropriado) estava alimentando os cães em sua casa e quando terminei de dizer que propunha o fim da banda ele me respondeu: eu ia lhe sugerir a mesma coisa! Imagino que contemos algumas lágrimas naquele momento, mas as coisas têm que seguir de alguma forma - imagino que a maior parte dos músicos dessa cidade ainda não derramaram uma lágrima pela música, o que me faz duvidar do caráter deles até hoje- pois assim é que é!
.......Durante algum tempo me restringi à leitura e estudar música nos dias entediantes. Meus dias foram preenchidos principalmente por Schopenhauer, Nietzsche, Freud, Fante, Bukowski, Pessoa, Little Waters, Otis Rush, Rimbaud, Foucault, Bakunin, Bey, Agamben, Lacan, Sartre, Heidegger, Reyes, Cioran, Gogh, Goya, Free Box vermelho, Café, Cerveja, Tomates, Mulheres, Beuys, Fluxus, Ratos de porão, Replicantes, Camisa de Vênus, Howlin Wolf, Age of empires, Tolkien, Três empregos, cinema, bares, Duas trocas de lentes e novos exames de ceratocone, Radiohead, Fluoxetina por um tempo - até achar inútil-, Caminhadas noturnas, Escritos que joguei fora, Pelbart, Pumpkins, Rancière, Aulas na universidade (essas são as coisas que me recordo no momento) e algumas músicas compostas e armazenadas na cabeça.
.......Foi por aí que um amigo de infância (André Romanoski - que provavelmente tem uma história musical tão longa como a minha- “um sem vergonha de um baterista”), depois de um improviso de guitarra e bateria, fruto de uma brincadeira sem projeto chamada Sodoma (onde tocávamos punks e coisas que estávamos afim, com a presença de outro amigo chamado Jader, - na verdade uma desculpa para nos encontrarmos e bebermos e desabafarmos) aceitou de adotarmos as músicas da Platteau e outras novas que eu havia composto e montar a Sodoma H. (“H” de hematófago- animais que se alimentam de sangue). A configuração ficou guitarra, vocal, bateria (nesse momento eu já sabia que existiam outras bandas de formatos semelhantes que obviamente fui estudá-las) - pelo menos até a banda sobreviver-, o projeto foi discutido exaustivamente, lançamos fora a maior parte das músicas que não passavam de desabafos e ladainhas. Estudamos o máximo possível para juntar uma sonoridade grunge, punk, blues com outras coisas que nós mesmos inventamos e nem se quer conseguimos nomear. Lapidamos isso para não cair naquela ladainha de bandas ditas contemporâneas que fazem uma verdadeira salada de coisas para engrandecer e dizer por ai que tem milhões de elementos. Intensificamos o sentido não sincronizado (que para quem não sabe é isso que tem a ver com contemporâneo na música e não colagens de cinema, teatro, literatura: basta lembrar de Richard Wagner, na música clássica moderna) ao mesmo tempo em que olhamos para o escuro de nos mesmos e nosso tempo, enfim, tocamos até sumir e dar lugar a uma única coisa: Um poema! Aos que já viram a Sodoma H. agindo, bem, saberão quando isso acontece... Nos livramos do saudosismo do rock, pratica visível em bandas que nem se consegue distinguir os “covers” das músicas próprias - isso quando tem músicas próprias para mostrar, ha um grupo que se apresenta sem nem ter músicas próprias, contraditório? Paguem e vejam se tiverem um tempinho para perder!- e apostamos apenas nisso, no poema.
.......Para encerrar agora - imagino que grande parte já torrou o saco de ler tanto, mas garanto-lhes que foi intensional- o motivo para mim ter lhes contado toda essa história é que as vezes sinto que algumas pessoas esquecem que somos algo que rasga em farrapos as limitações. Coloquei uma parte de minha história particular nesse texto para que esses que esquecem - ou talvez não saibam ainda o que somos, ou o que, quem, eu sou- de nossas pretensões não pensem que não estamos atentos a forma como nos olham ou como nos julgam. Digo principalmente a outros projetos ou bandas ou saudosismos do rock, que não pensem que não sabemos o que vocês estão fazendo e como estão fazendo. E vou finalizar como o velho Buk no “O capitão saiu e os marinheiros tomaram conta do navio”, prestem atenção! Na primeira vez que a Sodoma H. foi se apresentar recebi um “conselho” de um integrante da extinta banda (não há problemas em citá-la, não é falta de ética e tome no... quem pensa que é) Diabo à Quatro . Esse sujeito me disse: “_Vocês tem que tocar um som para a galera curtir. As pessoas não saem de casa para pensar, saem para se entreter, se divertir! Esse negócio de mudar o mundo não dá em nada, não tá com nada!” Tempos depois eu vi essa banda tocando em uma festa da psicologia, letras e artes visuais (a tchurma bacharelado) da unochapecó - É óbvio que não foram às melhores turmas da unochapecó- e os achei horríveis! Não tinham nenhuma proposta tal qual aqueles acadêmicos que ali estavam reunidos (sim, nem eu tinha proposta aquela noite) Naquela época eu me limitei a fazer o que sabia fazer na Sodoma H. e não respondi esse cidadão, mas agora -hehehe- eu respondo: FODA-SE CARA! Continuamos sendo a SODOMA H. e continuamos fazendo as pessoas pensar e sentir! E vocês já eram!
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É muito bom poder dizer isso! Hehehehehe!
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r.A.- VOCALISTA E GUITARRISTA DA BANDA SODOMA H. (Escrevi gritando)
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ps: Para quem não leu até o fim, perdeu esse maravilhoso final!