segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Molière não era um monge?




......Sentado dentro de uma lanchonete tive um insight sobre a condição do mundo: um apocalipse zumbi! Só que a trilha sonora é pagode e ao invés de uma fotografia melancólica, como de costume em filmes góticos, um carnaval de cores. E talvez no lugar de zumbis, se arrastam fantasias da Disneylândia! Mas sem dúvidas, o miolo é de morto-vivo. No lugar de rifles e pistolas, você tem de sacar do coldre olhares de “caí fora!” e frases de ironia debochada. De qualquer forma, a gente sobrevive porque não tem certeza se do outro lado da vida a cerveja é tão gelada!  Eu ouço o mundo e ele me diz “poxa vida, eu estou cansado”- e escora a cabeça com a mão trêmula. Aqui está um homem que entende os lamentos do mundo, que sabe por que de vez em outra ele se sacode feito cachorro para se livrar das sarnas e das pulgas. Ele está com febre enquanto uma grande parte do povo bebe a poção dos ursinhos Gummi e sai saltitando sorridente atrás de algum trio elétrico imaginário. Você não está entendendo do que eu estou falando? Ok. Vou começar outra vez.
......39 graus em São Paulo. Se eu tivesse dormido de verdade, poderíamos dizer que acabei de despertar. Mas na verdade estava  arrastando meu enorme e gordo corpo dentro de casa como se fosse uma lesma preta que alguém atirou sal. Molhava o rosto no banheiro a cada meia hora. Vinha de sete dias de folga, sete dias de festa. Você sabe como é uma ressaca em uma tarde no deserto? Na pia da cozinha, os restos de comida estavam tentando reconstruir a torre de babel. Olhei para as louças e disse:_ vocês ainda estão aí?- Fiz cara de indignado, mas elas não se ofenderam. Parecia que estavam se divertindo da maneira delas. “Se virem que o papai tá doente”. Abri a geladeira para não pegar nada e acabei por sentar no chão e contemplar uma cebola que descansava sob um pires. Alguém empurrou um envelope por baixo da porta do apartamento. Da cozinha consegui me esticar e pegar o envelope no corredor. “Prezado sr. Adriano Maranello Jr. Compareça na faculdade de Belas Artes para  entrevista de emprego na tarde de Quinta-feira (23/11) às 16:30 horas. Trazer documentos”. Achei engraçado... nunca vi “noite” às 16 horas. Tinha uma assinatura que não consegui ler. Deduzi que quem foi assinar a carta deve ter escorregado numa casca de banana e voado por sobre o papel. Era isso ou sofria de convulsões.
......Brandi o punho cheio de ódio para o chuveiro. Posicionava a chave em “desligado”, mas a água estava boa para um cafezinho. Pensei em tachos de ferro fervendo água para pelar suínos recém abatidos. Comparada com a água do chuveiro os suínos estavam bebendo drinks na beira da piscina – na ilha de Caras. Me sequei pensando no inferno com um monte de diabinhas acenando para mim.  
_como faço para chegar em Vila Mariana?- perguntei para o guarda do metrô. Um senhor magricela com uniforme preto e botinas. Disse e sorriu com um bigodinho safado encharcado de suor:_é só pegar o metrô sentido Vila Mariana, he he he!
_...é que marquei com umas garotas para fazer uma festinha numa piscina de sorvete. Vamos rolar no sorvete nesse calor! Vamos nos agarrar de maneira tarada e se esfregar no sorvete! Vai ser uma loucura! Imagine o senhor, garotas jovens e sexys, passando sorvete pelo corpo, todas assanhadas e nenhuma afim de engraçadinhos! Pense o senhor aí, trabalhando nesse calorão até as seis... é uma pena! As horas não passando... o calor distorcendo o olhar... às horas não passando, a botina apertando o pé encima de um velho calo...garotas sexys rolando no sorvete e as horas com minutos eternos... tenha uma boa e looooooonga tarde!
......O metrô que comumente é cheio, estava vazio. Poucos gatos pingados se abanando e correndo como baratas tontas. Todos atormentados pelo calor. O metal dos trilhos rangia como uma multidão de almas clamando desesperadas pelo fim. Tive de consultar o mapa do metrô para saber em que rua sair quando chegasse à estação. Peguei no bolso do calção uma folha de caderno que sempre trago junto para possíveis anotações inúteis. Meu cérebro é velho, ele precisa disso. Às vezes esqueço até do meu nome. Anotei cuidadosamente o mapa das ruas em que teria que descer para chegar até a tal faculdade. Garotas no sorvete, digo, Belas Artes – não deixa de ser. Embaixo da terra é úmido e um vento frio sopra dos túneis. A porta do vagão se abre e eu corro para debaixo do ar condicionado. Minha mente que é doente, sempre imagina como é cair no vão do vagão e ser destripado. O metrô vai rapidamente de uma estação a outra e um senhor de terno e com uma pastinha de couro tem a mesma ideia que eu e corre para esfriar a careca embaixo do ar. Deve estar fritando naquele terno, pensei. Vejo o reflexo do meu rosto no vidro. Escorre suor. Passo a mão no rosto e enxugo no calção. Ficam as marcas dos meus dedos grossos e minha mão pesada no jeans. Uma voz feminina fala dentro de umas caixinhas de som “próxima esta-ção...Vila Tzchzzz...Desem-bar-que-pelo-tczhshshz-do...rem”. Morreu, só pode. Deve ter fritado dentro de alguma salinha. Encontrarão um cadáver de mulher agarrada a um microfone. Perdemos uma camarada!
......Preciso da rua General sei lá do que. Consulto minhas anotações e está uma droga úmida por causa do suor dentro do bolso. Ando de um lado para outro no sol escaldante. O lugar é certamente vila Mariana: Deduzi sozinho pelo simples motivo de cruzar um letreiro gigante escrito “bem vindo a...” – o resto você sabe. Uma longa avenida de quatro pistas. Saio próximo a um terminal de ônibus. O terminal que consigo ver parcialmente -porque a outra parte está oculta atrás de um prédio alto-, está abarrotado de carrinhos de picolé e sorvete. Alguém mais doente do que eu grita “olha o milho verde”. É, um milho verde cai muito bem neste inferno! A calçada cinza, brilha até fazer meus olhos doerem. Do chão brota um mormaço que sinto nas canelas. Paro. Um negro de dois metros de altura, careca e de tênis de jogar basquete esta comendo salgadinho de bacon do meu lado. DE BACON! Estamos esperando o sinal de trânsito abrir para atravessar a enorme avenida. “crec,crec,crec,crec,crec”. Se você jogasse um ovo cru no asfalto ele nem fritaria, possivelmente explodiria! O cara olha para mim com a boca cheia de salgadinho e sorri. Viro minha cabeça em sua direção como se fosse à menina do filme O exorcista.
_isso aí deve estar uma maravilha! – digo. – Ele oferece. Recuso chacoalhando as mãos em sinal de absurdo. Ele continua sorrindo. “crec,crec,crec,crec,crec,crec”. Penso em lhe perguntar se conhece a rua que procuro, mas o sinal abre e ele atravessa correndo na faixa. Feliz. Saltitante. Com a boca cheia de salgadinho de bacon. Esse cara aí se odeia!
......Ganho o outro lado da avenida. Pelo menos os prédios altos fazem sombra na calçada. Aperto os olhos para ver a hora em um relógio fixo no alto de um prédio e percebo que esqueci meus óculos. No meu lado esquerdo, estacionado, um táxi. A) peço informação e se o taxista se recusar b) preciso pagar uma corrida mesmo estando umas cinco quadras da faculdade. Estico meu pescoço grosso pela janela do táxi.
_por gentileza... uma informação. O senhor sabe onde fica a faculdade de Belas Artes?
...... Um japonês com cabelos grisalhos, boca meio murcha e meio sorridente começa a me explicar com uma voz aguda. “sabe essa rua aqui à esquerda?” – Sei – “então garoto pega a esquerda e segue rua reto. Cruza um sinal”. – Sei- “rua maluca, tudo curva. Cheia de entradas e saídas. Seguir reto”. – Sei- “seguir reto até final da rua. Pegar esquerda no alto. Seguir reto esquerda e dobrar direita mais uma vez. Ver faculdade no esquina da direita” – Sei...- Sei bosta nenhuma! Entro a esquerda na rua que atravessa a avenida e apuro o passo. Japonês maluco... agora sei porque vocês espatifavam seus aviões contra os navios na segunda guerra! Provavelmente recrutaram taxistas! “Pega direita e segue ligeiro até ver navio, hay?”.
......Sigo pela rua. Os edifícios altos dão lugar para mansões de luxo. Mansões de luxo com amplo jardim em frente e sempre um cachorrão cagando na calçada interna e mostrando os dentes para você. O calor faz o cheiro do cocô do cachorro se misturar ao mormaço do asfalto. A rua deserta. O sol implacável! Nenhuma sombra. Caminho meio quilómetro entre mansões e ruas vazias e becos vazios. Nada de esquerda no alto. Só ladeiras. Saio em uma rua de esquina e começo a ver um grande aglomerado de pessoas. Parece ser um pub. Um casarão com uma enorme vidraça na frente e dos lados. Muitas mesas de madeira com sombrinhas sobre elas. Todas as mesas estão lotadas de gente rindo e conversando alto. São acadêmicos, certamente! Como sei? Pelas roupas. “Limpos-sujos”. Deixe lhe explicar como isso funciona.
......Limpos-sujos são sujeitos com cabelo desgrenhado, emprastado, maloqueiro, mas cheirando creme – dá para sentir o cheiro de longe! Tênis rasgado ou tingido, meio gasto, mas importado e caro. Não entendo muito de tênis. Apenas tenho uma estranha impressão de que servem para proteger o seu pé. Mas quando as pessoas olham para você e olham para o tênis e voltam a olhar para você novamente com um sorriso idiota no canto da boca mais idiota ainda, você entende que esses sujeitos estão usando tênis caros. Calças com aparência de suja, mas fedendo amaciante! Óculos escuro para escorar o cabelo. Mochilas com aparência de acampamento, mas murcha porque só tem um i-pod e uns chaveiros de pindurico. Livro no sovaco – Caio F., Clarice Lispector ou manifesto do partido comunista, Rimbaud por ele mesmo, biografia do Chê Guevara, e os mais ousados: Nietzsche – qualquer um com a foto bem grande do Nietzsche bigodudo e com cara de enlouquecido. Nos braços, tatuagem, geralmente tribal. Nas orelhas, alargadores da cor dos teletubies. Cara de quem não dormiu, mas a ausência de olheiras não mente! Cigarro na forquilha do dedo, mas não fumam, é só um adorno. Pulseiras – muitas e coloridas, aceitável para menininhas de onze anos. Camiseta de alguma banda de rock com o diabo por símbolo ou flanela (quando não a velha estampa do Chê Guevara, comprada em algum shopping). Óculos da vovó, mas sem lente de grau. E principalmente: rindo em câmera lenta com a boca escancarada e olhando para todos os lados para ver se alguém notou sua felicidade...quando riem, é como se uma torrente escura jorrasse de suas bocas e se lançasse sobre você como uma pestilência... no final do riso um “podes crê”. As “mina” de calção e de botas, ou saia de hippie e brinco de artesanato. E todo mundo caminha como se fosse a Lady Gaga – sem exceções! Ninguém manca, ninguém arrasta os pés, ninguém assoa o nariz ou coça o ouvido. Todos possuem corpos demasiadamente confortáveis! São tipo almofadas embaixo do ventilador! Se eu disser que as mulheres se vestem de putas, mas ficam bravas se te pegam olhando para lugares desnudos, você provavelmente vai dizer: como assim colega? Queria que as mulheres usassem burca? Então faz de conta que eu não disse isso e segue a vida.
...... Tai, achei a faculdade!
......Quanto mais penetrava na rua da faculdade, mais pubs, lanchonetes e bares. Lotados. Mesas na calçada, acadêmicos passando a tarde toda em volta de um litro de coca, feitos moscas no estrume – e os mais ousados, do lado de uma cerveja litrão! – só que o brilho nos olhos deles não me engana, eles queriam estar tomando todinho! Uma cerveja sobre a mesa para dezenove caras sujos-limpos! O importante é a conversa com a galera, só que não. Eles não conversam. Eles relatam seus pequenos dramas de como não conseguiram escrever uma redação ou como seus pais não lhes entendem! 
“Podes crêr?” – Podi creeeeeemalandro! “Um cara maltratou um cachorrinho...mas que covardia! Que barbárie! Podi crê? Podissssssssssscreeeeeeeeeeeeeeemalandro”. Isso tudo e um violão. Sempre o maldito violão! Nada contra violões, adoro violão! Mas assim não.
......Paro embaixo do sombreiro de um restaurante para fumar um cigarro e refletir mais um pouco sobre tudo que vi em menos de três quadras da faculdade. Existe um tratado sociológico sobre esse povo todo das faculdades? – Pior é que não! Reflito entre baforadas do meu cigarro e pingos de suor, sobre alguns detalhes interessantes. Fora os assuntos intelectuais e os jovens jogados no chão – alguém disse para os adolescentes que se atirar ao chão faz bem para o style -, também existe a oposição aos “limpos-sujos” e estes são os “fortinho-voz de mulher- garotão putão” ! Acredite, é uma verdadeira luta de classes! Para eles, aparentemente, os “limpos-sujos” são a classe: Mamãe quero ser mendigo! Os fortinhos, na oposição, tratam de malhar para ficar com braço de Popeye e perna de Olívia Palito – inclusive a voz deles lembra a Olivia Palito. A ideia deles é, como eles dizem: “pegar molieres e comer bocetas” – sim, eles falam desse jeito porque a bomba atrofiou a parte do cérebro responsável pela gramática. Isto os deixa em grau de igualdade mental para com os “limpos-sujos”, já que nestes a maconha destruiu a parte do cérebro responsável pela coerência gramatical – sóóóóóóóóóóóóó! Nos dois casos os alicerces são um outro tipo – praticamente um objetivo: “Mulheres Tatu”. Mulher Tatu, para quem não é iniciado no assunto (Aqui só entra quem souber geometria), nada mais é do que um tipo de mulher que se tiver um homem deitado no chão de bruços, ela cava um buraco para deitar embaixo! Este tipo – não diagnosticado pela sociologia séria- migra dos fortinhos para os limpos-sujos e eles, os limpos-sujos e os fortinhos, pensam que elas fazem isso porque ou são fortinhos ou limpos sujos, mas na verdade tudo que elas querem é cavar! Fim do cigarro.
......Sigo andando. Passo pelo primeiro pub. Contorno umas mesas para não ter que andar pelo asfalto. Todos me olham. Devo estar cagado, é isso! Atravesso a rua e já estou em frente a uma lanchonete. Ali que está o violão! E um litro de coca-cola. “Virando as costas para a américa latina”. Ouço o vigésimo  “Pode crêr?”. Alguma coisa em mim se contorce. Algo em mim se arrepia! Sigo andando. Mais um bar. Todos em silêncio. Uma musiquinha indiana, bem baixinha, no fundo. Deve ser a galera que bate palma para o sol. Escuto meia conversa: “já ouviu aquele disco dos mamutis, tudo foi feito pelo meu pau de óculos? – já sim, podi creeeeeeeeeeemalando”. Oh não, penso. Não mereço isso! Sou um cara legal – pergunte ao finado Kurt se tem dúvidas quanto a isso -, essa gente faz o seus ouvidos sangrarem!
......Na frente da faculdade – Jesus me chicoteie! A coisa estava bem pior do que eu imaginava. Tinha de tudo um pouco e um violão. Duvido que você consiga imaginar alguma coisa que não tinha ali no meio! Tinha de curupira à robocop! Um cara batia num tambor, outro bebia sangue de cabra, outro ainda estava num debate consigo mesmo- e estava perdendo, inclusive. Tinha um que meditava e outros três que mascavam a zorba do cara que meditava. Me chamou a atenção uma garota que conversava com um coelhinho de pelúcia: “meu amor, o Roberval é só um ladrãozinho de chocolate, eu não te traí com um canivete, deus está na sol e no lombo da mula”. Pulemos esse parágrafo, sim?
......Abri caminho entre os acadêmicos. Por incrível que pareça, estava apenas 30 minutos atrasado. Um cara perto da porta da faculdade, sentado sobre um tapete marrom com as siglas “FBA” olha para mim. Com a mão na porta eu paro e o encaro. Sujeito raquítico, cabeludo – mas o cabelinho teve visitinha com hora marcada no cabeleireiro -, camisa preta com estampa de uma aranha branca no centro. Noto que o cara está sentando em cima de um skate – lixando o rabo? Permanecemos ali, nos encarando. Começo a me sentir meio ridículo e forço a porta para entrar.
_você é capitalista brow!- Diz o cara e maneia a cabeça para ajeitar o cabelinho e o cérebro pegar no tranco. Coça o nariz grande. – você é capitalista e contribui todos os dias para engordar o monstro que é o sistema, brow! Você é alienado cara, você precisa abrir a sua mente, brow.
_é.- Respondo. Empurro o skate com o pé e nem me viro para ver o “brow” se arrastando uns metros pelo tapete. Não posso acreditar que esse tipo de coisa me dirige a palavra. São esses caras que deixam o mundo doente, mas juram que vão melhorá-lo. Não consigo imaginar esse tipo de gente pagando as contas numa fila do banco. Não consigo visualizar um cara desses lavando a própria roupa ou cuidando de um filho. É impossível acreditar que essa gente que repete essas palavras consigam limpar a bunda sozinhos depois de cagar – provavelmente cagam e gritam “manhé, vem me limpar porque o sistema é foda!” e aí saem tudo meio cagado para fazer o movimento. Mas eles repetem um mantra como se fossem sapos preguiçosos numa lagoa esperando a comida entrar dentro de suas bocas. Não tem nada a ver com o cabelo, com o skate ou com a camisa. Estou pouco ligando para essas coisas, mas as merdas que essa gente diz... revela o quão oco é o crânio!
......Me dirijo até um balcão de informações. Logo na entrada, do lado esquerdo, funciona dentro da faculdade um café. Olho uma turma bem vestida e presumo serem professores ou algo pior. A faculdade é maior pelo lado de dentro do que aparentava pela fachada. Toda marrom por fora e branco reluzente por dentro. Sim, parecia um kinder-ovo com bosta no lugar da surpresa. Mas até que cheirava bem – a faculdade no caso, não a bosta.
...... Uma garota bem vestida, olhos claros, cabelo vermelho e brincos de pérolas (certamente falsas) me pergunta no que ela pode me ajudar. Penso em várias coisas no que ela poderia me ajudar. Poderia ir no mercado para mim e no açougue. Poderia escrever meus contos enquanto eu dito, poderia rachar o aluguel comigo, talvez. Poderia sussurrar calmamente no meu ouvido, em domingos entediantes, que tudo vai melhorar. Com aquela voz de atendente de telemarketing e aquele perfume de rosas, eu acreditaria por um momento. “Muito bem querida, você está certa, você tem razão em tudo, eu exagero demais. O mundo não é tão ruim e as pessoas não são tão burras quanto presumo. Tudo isso é uma provação divina ou melhor, é uma contribuição para que eu me torne uma pessoa mais dócil e preocupada com o drama existencial alheio” – eu diria. Depois andaríamos de pés descalços sobre uma grama verde ladeada por árvores em um bosque ao pôr do sol. Só faltou um lago e uns patinhos nadando dentro dele para mim imaginar! Mas fui interrompido...
_sr. no que posso lhe ajudar? – Desta vez sua voz perdeu o tom adocicado. Parecia mais uma velha pedagoga!
_Vim para uma entrevista de emprego. Deixaram essa carta embaixo da minha porta – alcancei-lhe a carta.- acho que assinei um formulário para um cargo de professor de literatura e leitura comparada...
_...hum...deixe-me consultar o sistema, por favor, aguarde – respondeu sorrindo e fez um biquinho muito sensual. Provavelmente treinou esse sorriso na frente do espelho (do motel...). Deve ter arrebentado a alma de muitos homens com esse sorriso, algumas mulheres também... hoje em dia, vai saber!
......Fico repassando na minha cabeça uma canção do Stone Temple Pilots. Crackerman, para ser mais preciso. Minha mente foi treinada para “modos de espera”. É como uma espécie de intervalo. Toca uma música e fico repassando alguma coisa que me foi dita. Neste caso, fiquei pensando sobre a palavra “sistema”. Agora que a atendente vai consultar o sistema, será que vai aparecer uma foto minha com uma camiseta do Exploited e os dizeres “fuck the sistem”? Fico pensando o que eu faria no lugar dela. Abriria uma página que estava minimizada no computador. Iria dizer: “aguarde mais um pouquinho” e continuaria jogando super Mário. Já estava no refrão de crackerman quando ela disse:
_não! O senhor foi chamado para uma entrevista para a vaga de segurança do campus.
......Olhei para os lados. Mais a frente havia uma catraca digital que os alunos passavam seus cartões para entrar. Junto desta catraca estavam dois seguranças parados dentro dos seus ternos. Um deles futucava o nariz, outro coçava o saco. Dois gorilões malucos com cara de nada! “O sistema é foda, parceiro”. Pensei neles me chamando de colega. “Novato, você vai passar revista nos gordinhos – ha ha ha!”.
_acho que estamos mergulhando em um equivoco! Eu não posso ser segurança, ainda mais de uma faculdade de playboys que torram o dinheiro dos pais e pensam que o centro do mundo são seus umbigos sujos! – resmunguei baixo por cima do balcão.
_também há a vaga para limpeza do campus.- Devolveu ela, com aquele sorrisinho meigo. “Você já ficou com algum segurança do campus?”. Ela fez sinal que não com a cabeça e sorriu gentilmente.
_acho que está tudo acabado entre nós, querida!- disse com um sorriso amargo e refiz o caminho por onde entrei.
......Empurrei a porta e saí para a frente da faculdade. Como lá dentro o ambiente era climatizado, recebi uma corrente de mormaço que fez meu corpo tremer. O pessoal de antes ainda estava ali na frente fazendo tudo que é tipo de babaquice, mas agora haviam mais pessoas fazendo mais babaquice por ali e um violão. Se destacava, desta vez, uma gordinha com roupa de hippie. Ela atirava uma bolinha branca para um cachorro enorme que saia correndo e babando para tudo que é lado, apanhava a bolinha e devolvia para a sua dona. Uma multidão aplaudia com cara de lobotomizados. O sujeito do skate se aproximou de mim com uma flor e estendeu. “Faça paz, não faça guerra”, disse ele. Peguei a flor e ele sorriu. Enfiei a flor na boca e mastiguei - engoli. O sujeito chorou e um cara veio correndo com uma máquina fotográfica caríssima e registrou o momento. “Vai ficar bom para uma exposição”, disse ele. Ergui o punho e ameacei dar-lhe uma chapuletada na focinheira. Correu gritando “liberdade de imprensa, chega de opressão”. Esse mundo está mais frouxo do que cueca de borracheiro, resmunguei para mim. Não vai dar para salvá-lo... ele vai ter que apodrecer mesmo.
......Acendi um cigarro e fui subindo pela rua. O sol parecia menos nervoso agora, mas o chão e as paredes ardiam em brasa por terem recebido todo aquele calor. Comecei olhar aquelas pessoas todas e fazer uma analogia com a aldeia dos Smurfs. Talvez eu fosse o cara mau que invade a aldeia para capturar os Smurfs, só que nesse caso, eu não queria capturar nenhum deles. Estava interessado na cerveja que eles escondiam no freezer daqueles pubs – e não tomavam. Como deve ser a vida dessa gente que a maior crise existencial é ter de tomar fanta porque a coca-cola perdeu o gás? Discutindo guerras do outro lado do mundo sem se dar conta do que acontece do lado dos seus apartamentos? Não deve ser tão bom assim ter uma vida financiada pelo papai e pela mamãe, discutir as divergências entre o comunismo e o anarquismo com as contas já pagas, falando de sistema capitalista e vendendo o rabo para instituições particulares, frequentando feiras de livro marginal só para fazer pose de porra louca para os coleguinhas de vida ganha, acender um baseado para dizer: olha como eu sou rebeldinho! Viver uma vida elogiando o próprio rabo fedorento é não ter consciência nenhuma sobre o mundo! Amanhã vai ser esse monte de merda aí que vai construir o projeto da minha casa e quando abrir meu jornal, vai ser esse monte de merda aí que fabricará as notícias. Quando artistas de verdade, com sangue nos olhos, quiserem expor, terão que competir com essa fabriqueta de bosta e muitas vezes perderão porque não tem grana para comprar uma exposição – mas não perderão a arte, e isso é o que importa. E ainda tem os que fazem elogio de entrar nesse jogo com “certa malícia”, esses tinham que levar um murro no meio da cara! Eu conheço essa história de entrar no jogo com certa malícia, esses que dizem isso passam as horas vagas coçando o cu num serrote e depois fundam coletivos! Melhor parar de me importar com esses pompomzinhos e sentar para me refrescar um pouco, concluí. Porque no fundo, esse lixo todo só faz sentido para outro monte de lixo! Prestigiar, como dizem, essa corja de frouxos é assoviar o abc pelo rabo e bater palma imitando uma foca, achando ser grande coisa.
......Como não tenho certeza se a cerveja do outro lado da vida é tão gelada quanto deste lado – e o que importa é o lado de cá -, sentei dentro de uma lanchonete e mandei vir uma gelada. Quando entrei, numa mesa no fundo, estava uma multidão que sentava em outras mesas. Encarei-os com um olhar de “quero que caiam fora daqui” – funcionou! Primeiro me senti absurdamente idiota por ter vindo até esse lado da cidade. Depois sorri com a boca cheia de cerveja enquanto pensava em várias piadas que presenciei deste lado. “Cinco mangos por uma long neck? Que hora as putas sobem na mesa para fazer o strip?” – disse para o atendente. Ele riu. Eles sempre riem. Corte os pulsos em um bar ou aponte uma pistola para o atendente, ele ri que se mija!
_cobramos caro porque esses playboys babacas não consomem e o aluguel do ponto é caro! – Respondeu o atendente da lanchonete mal abrindo a boca. Era um velho de boina azul e um bigode branco manchado de amarelo por causa do habito de soltar a fumaça do cigarro pelo nariz.
_A gente bebe para afogar reclamações inúteis, amigo. – respondi arrancando o rótulo da cerveja. “Aí está um dos meus” – disse ele. “Um profissional” – Acrescentou. Os alcoólatras formam uma irmandade como os maçons. A diferença está no toque secreto, que na verdade é um comentário irônico e debochado sobre tudo.
......“Notei que você não é daqui” – disse e prosseguiu: “sua camisa, tem gola e bolso na frente”. Resumindo: camisa de careta! Podi crê!
_esqueci de colocar minha carteira de trabalho e um pente no bolso da frente! – Devolvi. “Você é um cara legal” – Falou quando conseguiu conter o riso. As outras duas cervejas foram por conta da casa.
......Dois caras conversavam do lado de fora. Fortinhos com a voz da Olívia Palito. “Brow, meu negócio não é estudar, meu negócio é molieres e bocetas, podi crê?”. Bati com a garrafa no vidro que nos apartava- bati para chamar-lhes a atenção. “Molière não era um monge?” – Gritei para os caras do lado de fora . Fitaram meus olhos como se eu fosse algum tipo de retardado. Quanto a mim, olhei de volta como se eles é que fossem os maiores retardados que vi na vida. Ficamos quites. Levantaram e saíram. Paguei minhas cervejas e voltei cambaleando para casa. Mas antes, durante meu último gole, tive um insight sobre a condição do mundo. Definitivamente é muito bom saber que nascemos todos apartados... para sempre.
......Agora você entendeu do que eu estou falando? Espero que sim, pois não há mais tempo nem saco para começar outra vez.


r.A.


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Da convicção ao fanatísmo...





......Um dia um amigo disse não ter mais fôlego nem para um haikai, achei um exagero, mas me calei pensando sobre isso. Hoje constato que não é um exagero... e que realmente quem leva as palavras a sério tende a passar por isso. Outro dia outro amigo me disse em uma conversa de corredor que perdeu seus motivos para escrever... Tentei persuadi-lo a prosseguir e ao mesmo tempo em que ele me disse “não quero”, percebi que estava persuadindo a mim mesmo – no fundo, nos dois casos persuadira a mim mesmo. Assim compreendo que ser professor é algo que requer uma afiada crítica a si mesmo! – Produzir, definitivamente não é o “canal”. Obrigar os outros a produzir quando não desejam é um imperativo de idiotas!
......Agora, depois de uma senhora golada de conhaque, ouvindo apenas o som da chuva enquanto aceito minha insônia de três dias, penso estar fisiologicamente equipado para escrever algumas linhas a sério sobre o assunto.
......Para mim, o sucesso de um idiota está intimamente vinculado a capacidade de falar com convicção! – esse pensamento também está vinculado a uma discussão com outro amigo, um filósofo. Os fanáticos adoram quem fala com convicção! Elegem como “os seus”. É fácil ilustrar isso com exemplos humanos, basta pensar no nazismo.  A “quase” insuportável experiência de encarar a dúvida, de titubear entre incertezas que partem em mil pedaços o espírito, é a mãe e pai do fanático. O fanático e o convicto partilham do mesmo temor da incerteza... sintoma do percurso pela modernidade – eu diria.
......Me parece que Nietzsche situado na passagem moderno – contemporâneo estava dizendo: olha cambada, vocês perderam a capacidade de crer nas certezas. Depois disso, terão que convir que será necessário alimentar o vigor de pensamento sem se entregar a preguiça! Pois isso será uma luta diária. Mas quem ouviu? Foi preciso 150 anos para aparecer um que outro “gato pingado”. Nietzsche deixou a bola quicando para aparecer outro e chutar para o gol. E apareceu, de maneira quase inacreditável, mas apareceu. Foi preciso outro que levasse as palavras a sério e estivesse fisiologicamente tão fodido quanto Nietzsche – e só encarasse a filosofia como exercício para a vida que algumas vezes deve ser abandonada (a filosofia), pois é apenas “formação”, para tascar esse chute impiedoso...- e falo de Cioran.
......Cioran pegou no ato a idiotice do fanatismo. Essa idiotice, encarnada nas células, diz que no fundo – bem profundamente – o fanático põem em movimento ideias neutras, mas desesperado, as põem em movimento valendo-se da obsessão! “Morrendo convicto de algo, também mata em nome da mesma convicção”. É aí que começam “as farsas sangrentas”.
...... Idiota, por definição, é aquele que não consegue ir para além de si mesmo. Mas! Há um outro tipo de idiotice não diagnosticada. O idiota perigoso, o mais perigoso, eu diria. O idiota que não consegue ir para além da massa. Invés de dizer “eu”, ele diz “nós”. Porém, quando diz “nós”, em momento algum está dizendo grupo, está dizendo “eu” convicto, afirmando minhas convicções a fim de persuadir “vocês”. Não dissociando o “eu” – e minhas taras – do “vocês” – e suas possíveis singularidades. Esse tipo de idiota se apresenta de maneira muito clara quando falsamente compondo um grupo. Ele larga suas convicções – psicologicamente falando, bastante psicopata- sabendo que os ingênuos irão acatar porque imbuídos do “gen” do fanatismo. E justifica essa ação negando a si mesmo e dizendo: não! Veja bem, é uma decisão de um coletivo! Ele ganha esse coletivo com microfísicas estratégias, que vão da lisonja até a justificação pseudo-histórica-social. Um filósofo saca esse tipo na primeira aparição! Mas a massa, não. É seduzida por palavras e gestos que fingem ser coerentes para quem não se atem aos detalhes. É perigoso porque requer uma sensibilidade muito singular de quem o ouve e vê, requer um nível de compreensão da idiotice não diagnosticada. Se você quer um exemplo claro eu lhe proporciono, é o idiota que jura amor eterno pelo social e diz: vão! Vão à luta! – mas você ouve um “vamos”. É que o seu ouvido está entupido, talvez...
......Eu sei disso porque como disse no primeiro parágrafo, fui esse tipo de idiota. Mas a autocrítica de mim mesmo, minha rigorosa razão não me permite passar ileso a “eu” mesmo. Racionalmente, de forma argumentativa, é muito fácil fazer isso. Basta evitar a falta de coerência consigo mesmo. Isso não está no plano lógico geral, está no plano lógico pessoal. No fundo somos muito patéticos quando nos valemos unicamente da gramática! Existe um olhar muito mais profundo quando nos atemos a ser “secretários de nossas próprias angústias”. Um secretário sabe quando o seu chefe está de blefe! Porque ele é parte interessada no ócio – lembrando Cioran, desta vez.
......Mas agora, apresentado os conceitos, é preciso apresentar uma interpretação – no meu caso, nunca uma convicção – já que estamos falando filosoficamente à sério. Se você me perguntasse sobre os limites entre a convicção e o fanatismo, eu responderia da seguinte forma:
...... “Convicto é o bunda mole, tanga frouxa, maricona medrosa, que precisa convencer os outros para alimentar a farsa enquanto ideia daquilo que sempre necessitará dos outros para alimentar enquanto tara degenerada, capricho de quem elogia o coletivo enquanto estratégia: porque sente nojo no fundo. Fanático é o pateta sem rigor para consigo mesmo que incapaz de encarar uma incerteza – como o convicto – abraça um imperativo de massa afim de dar algum sentido para sua vida fisiologicamente hiperativa, porém, carente de sentido - uma vez que a vida é um exercício de mudar constantemente de sentido e isso requer uma maturidade estética – enquanto perspectiva. O limite é a reação de complementariedade que usa como cimento o RECALQUE”.
......Quanto a isso, eu diria até onde meu intelecto alcança, que falta definitivamente uma compreensão sócio-histórica sobre a humanidade, o que quer dizer que não somos plenamente moldados segundo relações sociais e nem segundo princípios individuais (menos ainda por “determinações históricas”). Quem afirma “um” em detrimento de “outro”, só pode ser um ingénuo ou um mal intencionado. Portanto escolha! E se, até os grandes da tradição lógica no quesito linguagem – e cito Wittgenstein entre esses – abandonaram essa “punhetagem” lógica em relação à coerência se deram conta que posicionamento coerente em relação à linguagem “caducou”, já temos conteúdo suficiente para não sermos um tipo ou outro de idiotas. Aqui cabe uma nota: Muita gente acha que Wittgenstein foi um gênio da linguagem (inclusive eu), mas ao chegar a constatar que a linguagem é definida por “jogos de linguagem” – corrigindo sua filosofia anterior que dizia serem “figurações do caso”-, não fez mais do que os sofistas na antiguidade.
......Sinceramente, Cioran e Nietzsche apenas endossaram seus conceitos por interpretações históricas (genealogia da moral, genealogia do fanatismo)! Porque a história enquanto tradição não foi “macho” o suficiente para afirmar. Ficou na posição ridícula de afundar no seu próprio pântano! Se você pensar em Walter Benjamim nesse momento, eu largo mão de você! Seu fresco. Mereceria uma surra nesse momento! Foucault a gente guarda para discutir no bar!- mas não espere gentileza da minha parte.
......Por fim, estou grato a série de pensamentos que chegaram até mim por meio de amigos bem delimitados, bem poucos- eu diria. Foi um prazer filosofar novamente com a mente em brasa. No mais, temos muito o que pensar se quisermos – amigos.

r.A. – Fisólofo. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"T" de tédio ou Outras portas









......Algumas pessoas – a maioria, imagino – se esquiva com todas as forças do tédio. Acho que não sabem dar valor a esta experiência de nada. É certo que se você sair por aí, logo se empolgará com algo e logo esse vazio lhe dará a impressão de ser preenchido. Basta você ir aos lugares certos. Eu, por exemplo, passei algumas horas olhando para a manta de São Jerônimo pintada por Caravaggio e de madrugada ainda estava pensando em Caravaggio morrendo aos 38 anos com o peso na consciência de ter matado um cara em um duelo. Mas um pouco depois disso, estava novamente tendo acesso ao nada pelo viés do tédio. Mas qual o sentido de contemplar esse nada?
......Em primeiro lugar, acredito que o tédio nos dá a verdadeira dimensão do tempo – como dizia o filósofo Cioran, uma experiência do absoluto no tempo. É mais ou menos o mesmo tom do silêncio. Quero dizer, uma vez que você aprecie o silêncio fica difícil achar que qualquer som possa penetrá-lo. Há pessoas – a maioria, imagino novamente – que não suportam o silêncio! Precisam estar o tempo todo ouvindo algo, falando algo. Depois do silêncio, até o barulho de uma colher caindo parece fornecer uma melodia. A maioria das coisas que as pessoas dizem violenta o silêncio! Melhor seria o assovio do vento – para mim, pelo menos. Já o tédio é entendido em um sentido demasiadamente pejorativo! Esta, geralmente, vinculado ao não haver nada para fazer... não diria que não há nada para fazer, diria que há pouca “graça” em um certo “grupo” de coisas mais imediatas. Porque não parar por um momento e aprender o que o tédio tem para ensinar?
......Em segundo lugar, penso que o tédio é uma comunicação de você com você. É a rota cega percorrida por um sentido que se choca com outro sentido causando uma quebra. A gente boceja para oxigenar o cérebro. É preciso essa combustão no seio do vazio para nos lembrar que o vazio está ali e se faz notar.  Como as pessoas foram acostumadas a uma cultura que afirma que tem de se estar o tempo todo em movimento, tagarelando e trocando futilidades, as pessoas pensam que o tédio é um malfeito a ser corrigido. O arrepio na espinha vem de uma relação “besta” que se faz do vazio, do nada, com a morte. Rapidamente se passa do tédio ao pensar sobre a morte. Talvez seja a falta de compreensão sobre ambas as experiências – ou fuga de ambas as experiências – que cria esta relação que rapidamente nos faz acreditar que melhor é estar fazendo alguma coisa ao invés de nada fazer. Quando São Paulo visitou os gregos politeístas deparou-se com o templo do deus desconhecido (um templo vazio...). “Vendeu” o Deus cristão para os gregos. Não seria a apresentação do tédio que ali ganhava forma “divina” ao invés da necessidade de um templo à ser preenchido?
......Em terceiro lugar, já vi várias interpretações para o escriturário Bartleby – de viagens na maionese fundamentadas em teorias da revolução à depressão -, mas continuo pensando que Melville não mandou dizer nada, o que escreveu foi só o que queria dizer. (Para quem não conhece a história de Bartleby, trata-se de um escriturário que um dia disse para o seu chefe, ao ser mandado cumprir uma tarefa, “prefiro não fazer”... o impacto é tão grande no seu chefe, que ele nem se quer consegue demiti-lo na hora...) Cogito a hipótese de que hoje ao invés do elogio do movimento deveríamos fazer o elogio ao “dar um tempo”! Em uma conversa sobre performance com um grande amigo, entre cervejas e ironias – em que debochávamos de uma relação feita por um palestrante entre Delacroix e Baudelaire -, ele me contava que Baudelaire passeava com uma tartaruga lhe ditando o ritmo. Hoje, minha tartaruga que dita o tempo, é um olhar desinteressado que se fixa mais na neutralidade das coisas do que nos movimentos e intenções. Porque não pensar por um momento – ao menos – que o humano não é mais do que fruto do bocejo de um mundo cansado, ao invés do centro das atenções? Não digo que se deva pensar isso sempre, digo que se deve pensar uma vez.
......O mesmo que se aplica ao tédio se aplica a tristeza – ao meu ver-, tenta-se corrigi-la : como se fosse um erro! Um dia, quem sabe, deixaremos de pensar que a tristeza é absolutamente triste. Mas as pessoas – a maioria, pelo jeito – vivem como se no seu “manual de instruções” estivesse escrito: Em caso de tristeza, comunique o fabricante e troque seu produto! Da tristeza passo ao amor: Relacionar insistentemente o amor à felicidade não parece uma piada? Uma bela frase me recorda do filme Vanilla Sky. No citado filme, um escritor diz para um bonitão que lhe rouba a paquera:_ você nunca vai conhecer a tristeza daquele que volta para casa sozinho! No fim das contas, “se você não prova do fel, não compreende o mel”. A ironia, que tá pouco ligando se suportamos ou não, sussurra uma vez mais:_ você sofre no final de um amor porque foi bom, muito bom! – e os imaturos no amor arrancam os cabelos da cabeça e gritam “Não! Não foi amor! O amor não faz sofrer”- para os que cresceram assistindo t.v. Xuxa, pode ser... mas no fundo você sabe que não é assim. Um amor que parece um carnaval não é um amor, é um porre! Imagine que ridículo é alguém que entra numa relação procurando apenas ser feliz... Novela das 8 – certamente! O mercado dos antidepressivos progride na mesma proporção em que tá cheio de gente no mundo querendo viver sem querer arcar com as consequências da vida. Sentir tédio, assim como sofrer de amor não é patético, patético é acreditar que basta atravessar a rua para se ver livre disso.
......Em último lugar, não pense que quem escreveu isso supera as coisas porque entende algumas coisas. Entender não alivia, intensifica! Escrever – como dizia Efraim Medina Reyes, que não menosprezo por abandoná-lo – “é um problema a mais”. Não penso mais como Nietzsche, que “o que não nos mata nos torna mais forte”, penso que a gente filosofa porque aguenta! E quando não der... tá tudo bem.

r.A.
Em algum lugar da fria e cinzenta São Paulo.

=>Para Ana Paula Machado. O significado da palavra Irmã – no meu dicionário.

domingo, 23 de setembro de 2012

A revolução não será Facebookeada!!!





......Quanto tempo ein? Pois é, estive nos últimos dias tão ocupado com tanta coisa que não tive tempo para parar e escrever algo apropriado para o presente blog. É claro que para meus leitores qualquer coisa não basta!  Passamos ao assunto.
......Há algum tempo – anos, eu diria – fui requisitado por alguns “jovens próximos” (chamar de amigos também é um exagero) para falar sobre toda esta “atividade” que vem causando a internet enquanto construção de um novo espaço – na verdade esse papo é velho e já comemora mais de dez anos...- e na época, percebendo que o objetivo era me tencionar a afirmar (e não discutir) algumas ideias que já fazem parte do catálogo de políticas que se querem – e por isso se dizem – revolucionárias, me resignei a concordar ou discordar sorrindo (acenando com a cabeça) e falar unicamente do blog. Não foi surpresa para mim quando vi a minha tal fala publicada em um web programa que recortava (descontextualizando, obviamente) minhas falas e reduziam a apenas um ataque de risos. Acredite, achei que foi melhor assim. Teria ficado chateado se tivesse dito mesmo alguma coisa – o que desconfio que seria cortado também!
......É assim que a gente descobre a impossibilidade de imparcialidade no jornalismo – mas tudo bem, também. Ninguém aqui é tão ingênuo. Em todo lugar tem os ditos “grupinhos” – prefiro chamar de “panelinhas” (é que lembra pulga!)- e provavelmente continuarão sendo grupinhos... Uma prova? Hora, é só nós analisarmos onde estamos. Uns, ainda nas velhas reclamações: eles pintam, retorcem, adornam, mas no fundo é a mesma “querendo se passar por” outra história!  É até engraçado como o velho conceito de luta de classes – marxista- é jogado em qualquer outra discussão, nem que seja sobre a internet (dizia um amigo meu marxista que o próprio Marx não reconheceria o que fizeram do marxismo). Na minha ideia – do jeito que se vem aplicando o conceito-, basta cortar um grupo ao meio e inventar oposições, daí se diz que um lado é mais prejudicado do que outro e eis a dita luta. Daí a gente passa a falar em democracia afim de sanar esse problema que de inicio criamos no plano dos pseudo-conceitos – digamos, para equiparar as forças (Marx não contava com a incorporação das lutas de classe numa democracia capitalista – não podia pensar isso no seu contexto sócio histórico)! Mas como não somos tão ingênuos assim, sabemos que essa equiparação de forças é um ideal utópico postergado ao infinito. Aí se junta isso – fazendo uma salada de coisas completamente singulares afim de acabar com essa singularidade – e joga na “esteira da história” (já que ela tudo “suporta”- será?) e por último (mas não menos importante) acrescenta-se uma pitadinha de “dialética” e a essa confusão e atropelamento de conceitos se sai gritando: MOVIMENTO! E os desavisados acreditam.
......Cá entre nós, leitores, sempre que alguém fala demais em movimento – não sei porque diabos – vejo- os estagnados a um nível inimaginável! Só vejo o movimento da matraca lançando cuspe e a língua fazendo “plac, plac, plac”. É que é simples estar em movimento. Todos estamos, se não já não existiríamos – e não estou reduzindo o movimento a mera determinação orgânica, já estamos bem grandinhos para compreender certos conceitos...-! Mas aqueles que falam demasiadamente em movimento tentam é convencer o outro que ele está parado: “não! Você não está em movimento. Você não possuí uma ideologia política, social, cultural, banal, longitudinal, paranormal, balalau, bacalhau”, etc. Aceitando a ilusão vendida pelos pseudos conceitos, o outro adere ao dito “movimento” e assim, no fundo, não adere a movimento algum, apenas passa para a esteira ideológica dos tagarelas. Bingo! Você acaba de ser enganado! Mas falta um detalhe ainda. Vamos acrescentar: uma vez passando para a esteira ideológica dos que estão “em movimento” – que no fundo isso é uma piada! – esses incentivam os iludidos a defender a ideologia recém adquirida. É que quem adquire a tal ideologia do tal movimento sente-se como parte do “bando” enfeitando a si mesmo quando defende sua posição – daí é um passo para o fanatismo! Se você arriscar dizer para essa gente:_olha, acho que vocês estão equivocados! Rapidamente eles te demonizam, dizem que você é contra tudo de bom e fofinho (risos), dizem que você é medíocre, inimigo da democracia, ressentido e invejoso – é que de ressentimento e inveja essa gente entende muito: eles escovam os dentes na frente do espelho, não escovam?
......Então, foi por isso que quando me chamaram para falar sobre a internet, blogs e essas coisas e me deparei com uma mudança radical do tema para: será que a internet se configura em um novo espaço para revoluções e resistências a um mundo capitalista? (viu como os temas mudam muito rapidamente?) eu apenas sorri e acenei positivamente com a cabeça! E o que mais eu poderia dizer? Me lembrou aquelas aulas forçadas de interpretação de texto. Ex: Napoleão andava com seu cavalo branco. Responda: a) Quem andava no seu cavalo branco? b) Que cor era o cavalo que Napoleão andava? c) Faça uma crítica social aos direitos dos cavalos brancos de poder optar em ser montado por Napoleão ou Bonaparte – direito este construído ao longo da história que deve ser retomado através das lutas do movimento equino. Aproveite para citar a atual crise democrática nos meios midiáticos que implicam o movimento equino .
......Você acha que estou tirando sarro né? Mas eu não estou... Não estou.
...... Veja bem, mas veja bem mesmo, que quando falo desta história de movimentos, de ideologias, de revoluções via internet, em nenhum momento estou me posicionando contra. Aliás, sou plenamente a favor desde que haja uma fundamentação bem precisa e objetiva. Desde que não se saia por aí com discursos inflados que não resistem a uma pequena crítica sem ter de chamar “o que critica” de medíocre- se essa for a melhor resposta, na boa, que vão catar minhoca no asfalto. Não uma brincadeira de adolescentes que não tem o que fazer no domingo.  Certa feita um cara com uma máscara do personagem V for Vendetta me parou na rua e me disse que se eu não aderisse a uma tal marcha, estava compactuando com o sistema capitalista. Quando perguntei sobre seus motivos – mas não os superficiais, queria saber os mais profundos – o tal “V” não tinha o que me responder. Pobre V... se estivesse amarrado a um colete de bombas não saberia porque se explodiu. Ah sim, é pelo movimento. Tá certo... (risos).
......Acredito que seja possível – porque é e foi- pessoas organizarem-se pela internet para protestar (desde que não queiram definir o que são aqueles que não aderem a suas causas, porque isso é canalhice pura! Tipo: quem não concorda com a gente é medíocre – como já vi alguns vergonhosamente fazendo...). Coloco uma questão junto a esse parágrafo: Alguns alunos meus me convidaram para participar de um encontro organizado via internet (um protesto tal...). Perguntei a eles: do que se trata?  Não souberam me responder. Tive de pesquisar e aproveitar minhas aulas para conduzir um debate sobre... Quer dizer, esses movimentos estão em sua maioria deste jeito! Aí aparece – já que estamos em época de campanha política (no sentido partidário) – um candidato e sobe no palanque para prometer mais cultura e educação (é que ele tem um discurso coerente e além do mais é nosso chegado...): Pô, até minha vó que não está concorrendo anda prometendo isso!  E daí estufa o peito e diz:_ e vê se vota, ein? Se não votar você é um medíocre! (HAHAHAHAHAHAHAHAHA). Tá certo piazão, tá certíssimo! Baita proposta. Parabéns, tá? – nem vou continuar essa parte, vou deixar para o próximo texto.
...... Acredito que a internet constituí –hoje- o maior espaço de expressão e relação, mas desconfio muito da tal da comunicação, creio que o objetivo maior deste espaço é a interação – que não implica necessariamente comunicação. Recordo-me agora de uma instalação (no sentido de linguagem artística) que vi em uma bienal de Porto Alegre. Consistia em um computador enorme que nos incentivava a interação. Mas quando você iniciava sua interação, o computador simulava que quebrava – deixando você que nem um bocó mexendo e achando que a culpa foi sua. Dá o que pensar, não dá? Se você esta entusiasmado achando que a revolução não será televisionada, mas será “facebookeada”, cuidado para não dar pane no seu computador e você não conseguir fazer a tal revolução! Então a gente segue interagindo – e se cutucando – no cyber espaço, planejando manifestações e caminhadas de indignações, e eu continuo pensando que a maioria não sabe porcaria nenhuma do que esta fazendo e é alvo fácil para agitadores que no fundo só querem se autopromover. Desconfio sempre dos coletivos – porque acho eles alienados. Tenho certeza que não basta fazer parte de um grupo, movimento ou coletivo – esqueci de mencionar, eu faço parte de um grupo, se chama “humanidade”, um dos maiores, por sinal – se você não for capaz de compreender alguns pormenores de sua participação (e a boa e velha crítica – juízo!). Se não, tanto faz. Também faço parte do grupo dos fumantes – conquistamos mediante muita luta, até a nossa ala em todos os estabelecimentos -, dos tomadores de voodka (não conquistamos muita coisa, temos a voodka e isso nos basta!).
......Por fim, se você está se retorcendo porque não entrei em superconceitos sobre a internet, não falei de empresas e a coisa toda e julga que não falei porque não sei, “Vá com Deus – parã rarãn – o amor ainda está aqui, VÁ-COM-DEUS” (música da Sula Miranda pra você!). E se você não leu o texto até o fim, você é um medíocre –HAHAHAHAHA-, brincadeira, não é não. Não é tão fácil ser um medíocre assim. Tem que estudar muito e fazer muitos projetos, escrever vários artigos, etc.


r.A.- “Fisólofo”

[...]Mas num mundo de débeis mentais, temos de imitá-los. Não sei se me entendem. Mas para viver, para sobreviver, para coexistir com os demais, o sujeito precisa ir ao fundo do quintal e lá enterrar todo o seu íntimo tesouro.
_Nelson Rodrigues.