sábado, 25 de agosto de 2012

FAMA & FORTUNA





......Alguma coisa estranha está acontecendo aí no mundo. Me disseram que era só ter talento... Então quais são as ruas da fama e fortuna? Alguém me deve muitas explicações! É isso ou o mundo mudou – e ninguém me avisou. Será que passou o tempo dos escritores fodidos? Quero dizer... DOSTOIÉVSKI, REAJA HOMEM! Isso quer dizer: Estou cheio de ideias que ninguém quer! Não é por aí, as pessoas tem que me querer. Não me venham com histórias...
......O som agudo do telefone atravessa como flecha a sala do apartamento – 6º andar, prédio amarelo. Ricocheteia nas paredes, atravessa os jardins do sossego, se mistura ao som dos Ramones humilhando o rádio, “o segundo verso é igual ao primeiro...e ela morria...”, escrever é fácil, o problema é essa...
_Alô...que que foi?
_E aí Adriano, seu pançudo! Vou dar um pulo aí!
_Jô, venha! E preciso de dinheiro emprestado... venha!
_Não vai rolar! Até mais amigão! – Desligou, Deus existe.
......O negócio é vodka e suco de manga. Atiro os chinelos para o lado – um para cada lado-  e cato minhas botinas de 400 r$ em seis vezes sem juros- um homem tem todo direito de gozar dos prazeres do capitalismo e foda-se o sistema. Atravesso a sala escura com dois passos. Tranco a porta e pego o elevador. Enquanto o elevador desce ensaio a dança da Macarena. Vinte segundos e já estou na portaria. Na portaria os dois porteiros se acabam de rir. Um deles, um negro grandalhão de uniforme azul estica a cabeça para fora rindo.
_Você é uma comédia cara!- Diz ele.
_Fodam-se vocês que ficam olhando essas camerazinhas! – faço o sinal clássico de foda-se.
......Transfiro meus cento e poucos quilos para o outro lado da rua. Tudo está deserto, mas logo vai mudar. Os bares e os prostíbulos erguerão suas portas de lata e as ruas sujas de São Paulo estarão cobertas de diabos – de todos os tipos, para todos os gostos e maus gostos-, todos dançando a melodia do caos urbano. Você não vai querer estar no meio disso, ou vai? Ruas úmidas, todo o horizonte tapado por prédios. Na outra esquina um mendigo - baixinho com boné de posto de gasolina virado para trás- vigia o perímetro. Camiseta amarela encardida, chinelo de dedo e tudo mais. Tragava um cigarro de palha. Estende a mão para mim. Dizia Cioran que os mendigos exploram a selva da piedade. E quem não explora de vez em quando?
_primeiro me dá um cigarro! – Digo.
_Me vê umas moedas pra tomar um trago!- retruca enquanto me passa o cigarro.
_Não tenho! Eu uso cartão.- Tiro o cartão do bolso.- Vê? CarTão! Só uso cartão. Uso para tudo. Compro o mundo em suaves prestações!
_Então me devolve o cigarro! – Fala com indiferença nos olhos.
_Você já ouviu falar de Dostoiévski? – pergunto tragando o cigarro de palha.
_Prefiro Kafka!- Responde. Sentencio com uma dor maligna no coração:_ Então você é um bosta! – Passo o cigarro. Ele pega o cigarro e se afasta resmungando “ainda prefiro o Kafka”...
......Se fosse cego, não teria problema. Iria sem esbarrar em nada até a prateleira de vodka e suco no mercadinho da esquina. Deus existe- eis o milagre! Talvez seja o fato do mercado ser 10x8. Mas prefiro acreditar que sou um lobo farejador – o último da matilha, o que esconde os rastros ao mesmo tempo em que diz para os outros por onde avançar. Sinto o vento frio nas canelas. A calça que uso é curta demais. Vou até o caixa na porta do mercado. Uma atendente nova. Morena, magra, com um bigodinho que me lembrava a Frida Khalo. Charmoso, para falar a verdade. Charmoso para quem gosta do Charles Bronson, quero dizer. Seus olhos escuros eram estáticos, pareciam até vazados... Reparo que ela tem dois tiques. Gira um anel de pedra branca no dedo médio e levanta o ombro esquerdo. A frequência com a qual faz isso, em termos musicais, seriam 120 bpm. Dava para gravar um grunge rock usando ela como metrônomo.
_Cartão ou dinheiro?- As palavras esbarram no bigode...
_Sim. Uso cartão para tudo. Compro o mundo...
_Certo. Débito ou crédito?
_Débito!
_Crédito?

_Crédito...
_Crédito ou débito?
_Débito é quando...
_Passei Débito.
_Débito, então...
...... Levo meus cento e “Jesus amado” para o outro lado da rua –  não o do meu lar.  O negócio é cigarros agora. Vi em um episódio dos Simpsons que  com trezentos quilos você pode trabalhar em casa. É possível na legislação brasileira? Sempre sonhei em ser o Wolverine. Pequeno, atarracado, bebendo, fumando de tudo e brigando bem. Ser bom de briga é importantíssimo! Wolverine acabou com a Yakusa. E ainda disse para o membro mais poderoso:_ Como é que vai ser xará? Se todos se inspirassem no Wolverine, a sociedade estaria salva. Mas as pessoas ainda se inspiram no Chico Xavier e assistem Renato Aragão no domingo. Quanta merda! Continuo querendo ser o Wolverine, mas só me restou ser escritor. Falta de estudo, presumo.
...... Refaço o percurso de volta. Na esquina ainda o mendigo.
_E agora?- Digo.
_Nada, pô!
_Então pega aí!- Atiro uma garrafa de pinga e um maço de Ritz para ele._ Sou o seu anjo da guarda. Lhe resguardo da sanidade insuficiente, amém! Diga que ama Dostoiéviski!
_Nunca! – Retruca o mendigo.
_É aí que você não sabe o que é perder a vida em um jogo!- Retruco. Estalo os dedos para dar ênfase na minha frase.
_Você é que não sabe, almofadinha de merda! Vive seguro em um condomínio. Quer sugar minha marginalidade! – Diz rindo de mim.
_...Me devolva tudo, bostão!- estendo a mão direita (a esquerda é revolucionária).
_Amo Dostoiéviski!- ele diz.                                    
_mendigos corruptos!- resmungo.
......Guardo dois cigarros de palha no bolsinho da frente na camisa. Comecei a usar camisas com bolso na frente depois que passei por duras experiências com a falta de habilidades em manusear duas mãos ao mesmo tempo. Goro é legal! Tem quatro braços. Consegue mandar quatro pessoas se foder ao mesmo tempo. Fora a vodka é isso que todo homem precisa. Mas a vida não é um jogo de vídeo game – dizia uma canção da Okervill River. Banda texana. É importante que saibamos dessas coisas. Não vou pagar o plágio ao Henry Miller.
......Chego na portaria. “Identifique-se”. Sou o Bob esponja calça curta. “Você é uma comédia cara, pode entrar”. Comédia é vocês dois a noite toda nesse cubículo – já assumiram a relação para suas famílias? “Hahahahaha”. Riam enquanto podem, safadinhos! Aperto doze vezes o botão do elevador – homenagem aos doze apóstolos. Judas traiu Jesus com um beijo e Jesus disse:_ Te pego na saída rapá! “Jesus não era um cara muito esperto”, uma vez que não existem mais saídas. Não fui eu quem disse isso, foi Bertrand Russell – vão se entender com ele. Finalmente estou em casa depois da caçada! É bonito estar em casa.
......Hora de criar. Cuidadosamente espalho oito folhas de papel sulfite (A4) sobre uma mesa perto da sacada – de frente para o metrô. O nome da rua escura e suja em que passa o metrô é Torquato Neto. “Para mim já chega!”. O mundo perdeu Neto porque não tinham criado o Playstation 3 ainda. Se ele tivesse a oportunidade de escolher o Goro, sua frase teria outro sentido agora. Coloco sob a mesa duas canetas pretas, a garrafa de vodka, a caixa de suco, a minha inspiração e duas carteiras de cigarro. Sento e sinto vontade de mijar. Deus deve ter algum propósito estranho para mim... Levanto e soco um demônio imaginário – nocaute nos primeiros dez segundos do primeiro round. O demônio se chamava “Jones” e eu Lyoto. Passo pelo espelho do banheiro e olho só com o canto do olho. Alguma coisa estranha está acontecendo aí no mundo, penso. Levanto a tampa branca do vaso. Meu pênis esta pensando em Melissa Laoren – com tristeza, julgo pela sua cara. Melissa me ignora depois de tudo que fomos um para o outro. Meu pênis chora sua ausência! – a ausência da Melissa, não do pênis. Vai ver foi melhor assim. Faço que tenho um revólver nas mãos. Chuto a porta do banheiro e vou para a sala. Consigo alvejar dois zumbis antes de sentar e jogar no chão o revolver imaginário – na verdade soltei com todo cuidado, pois, vai que dispara essa droga e me acerta a canela? Estalo os dedos e finalmente estou no meu melhor lugar! Aí começo a encarar a parede branca na minha frente. Trinta minutos se passam e eu continuo encarando a parede. Escuto um ruído no centro da sala. Um dos zumbis levanta a cabeça e diz:_ pô, para com essa merda aí e começa a escrever logo...filho da puta!
...... “Melissa Laoren era o nome da garota. Uma francesa que desistiu da medicina para ser atriz pornô. Me amava loucamente, dizia ela” – mentira – “E dizia: Isso não vai mudar o meu amor por você Adriano” – Isso é mentira cara! – “Como qualquer homem de sanidade comum, eu não soube administrar a imoralidade de nossa relação” – tá ficando chato isso aí...- “ sua especialidade era sexo anal” – agora ficou interessante! – “mas a gota d’água foi quando ela começou a usar isso nos filmes. Foi aí que comecei a colocar em questão o amor que ela sentia por mim” – Deixa a garota trabalhar! – “E cada vez mais os filmes em que ela trabalhava possuíam cenas de sexo anal” – hehehehe, corno!- “com meu cartão de crédito eu havia dado o mundo para ela, em suaves prestações” – Cafetão! – “então um dia eu bati a porta da nossa casa e disse adeus enquanto escorria uma lágrima do meu olho esquerdo”- isso que eu chamo de primeiro parágrafo de um corno fresco! Larguei a caneta. Desviei o olhar do papel para o centro da sala.
_O negócio é o seguinte! – Apontei para os dois zumbis que estavam rindo no centro da sala enquanto teciam críticas destrutivas ao meu texto. Não interessa se eles eram imaginários! – se não gostam do jeito que escrevo, tratem de se retirar desta casa!
......Levantei e abri a porta do apartamento. Os dois zumbis se ergueram um pouco bravos. Um deles manquejou até a sacada e se jogou. O outro passou por mim. “Aguarde a ligação do meu advogado. Logo pela manhã ele entrará em contato para resolvermos esse probleminha da minha participação no presente conto. Passar bem”. Bateu a porta.
......Onde estávamos? Ah sim, o texto estava uma droga. Amassei a primeira folha. Cinco minutos depois a segunda, vinte minutos depois a terceira. Três horas depois só me restava a oitava folha – vai ter que ser agora! Mas não foi. A inspiração rolou de cima da mesa e caiu embaixo da mesa. Chutei-lhe na bunda e ela saiu gritando com o rabo entre as pernas (caim,caim,caim,caim,caim).
......Então eu fiz uma analogia com a bíblia sagrada. Eu era uma espécie de Jesus meditando sobre a crucificação. Chorava – metaforicamente falando- e questionava o motivo de ter que passar por isso! Traído por um beijo de Melissa Laoren... e nem foi em mim, foi em um jardineiro (no seu último filme: As aventuras de Melissa com o jardineiro fogoso). Com a última folha comecei a escrever uma carta:
...... “Melissa. Não tenho nada contra você ter adquirido toda sua fama e fortuna dando o cu. Os últimos anos como escritor fracassado me ensinaram a ser mais humano- desde que meu cu não esteja em jogo. Alguma coisa estranha está acontecendo aí no mundo. O capitalismo venceu e os cus estão em alta agora. A loucura tomou conta de todos e começa a penetrar em mim – não por esse orifício, com toda certeza. Sinto sua falta. Tenho cartão. Volta pra mim. Adriano”. Peguei um conta gotas e pinguei algumas gotas de vodka na carta – para ela pensar que eu chorei. Escolhi a vodka porque se pingasse suco de manga iria parecer outra coisa...
......Fumei e esperei. O suco acabou e fui forçado contra minha vontade (fraca) a beber a vodka no gargalo. Coloquei a carta num envelope sujo. Acabou o tempo dos escritores fodidos! Agora eles são apenas fodidos, já que todo mundo é escritor – e quem tá fodido é idiota. As editoras equilibram a qualidade pela quantidade vendida de livros – todo ano. Tá tudo bem...tá tudo bem. A gente não critica mais as pessoas por uma questão de boas maneiras, a gente critica o sistema (porque ele não é feito de pessoas...). Estou esperando Jesus voltar, mas nem o papai Noel -que nem mora tão longe- voltou... Acabou a vodka e encontrei meia garrafa de rum. Hoje o cu superou o pensamento, mas pelo menos nós temos cartões de crédito ou débito. Dá até para comprar um cu, em suaves prestações, para entreter o pensamento! Escrevi o endereço no envelope. O sol apareceu todo bonito e mentiroso. Vomitei no elevador.
_Você é uma...
_Vão à merda! – disse para os porteiros.
......Estava andando pelas ruas em direção ao correio da Sé. Os carros abarrotavam as ruas com ruídos de motores construindo a sinfonia de um futuro melhor. Comecei a suar frio. Peguei um caminho errado e tive que retornar. Minha visão começou a turvar. Enxuguei o suor da testa no envelope com a carta. Minhas pernas começaram a se atrapalhar e esbarrar uma na outra. Comecei a correr sem motivo aparente. Atravessando um canteiro perdi uma das botinas. Caí no meio da rua e rolei para fora dela enquanto pensava em maneiras de vencer a luta de classes no capitalismo contemporâneo – encontrei a maneira, mas me esqueci. Peguei um cigarro de palha do bolso da frente na camisa – mas não tinha com o que acender. Vi meu reflexo na vitrine de uma loja de roupas íntimas femininas e comecei a rir. Uma quadra antes do correio caí e comecei a me arrastar. Alguém pisou na minha mão. “saí da calçada mendigo bêbado”. Apoiando-me na caixa do correio, consegui me levantar e colocar a carta na caixa. Vomitei no meu próprio peito. Gritei “VITÓRIA” e apaguei com um sorriso. A carta não tinha selo.

 

 

r.A.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

...Da pedagogia maligna





......Tem gente que acha que sou um professor! E não se enganam se estamos falando de uma profissão. Mas “professor” é algo que quem me vê em sala de aula terá que repensar bastante! – mil vezes, talvez. Pois é. O primeiro ponto de minha pedagogia maligna consiste no fato de que não tenho interesse em ensinar EXPLICANDO! Como? É isso aí, não entro na sala de aula para explicar. Não na minha “disciplina”- Filosofia. Daí é que começa toda a confusão didática – e cá entre nós, didática eficaz para mim é a didática com a qual o aluno aprende, só isso (vou retomar esse assunto parágrafos abaixo...). Mas como que o aluno vai aprender se o professor não explica? Tai uma pergunta idiota!- pelo menos se tratando de filosofia. Vejamos: Existe um vício de se pensar a educação em moldes fixos. Uma relação (ou jogo) de poder no campo do conhecimento.  Essa relação se estabelece na formula lógica “professor explica conteúdo – que já sabe -, aluno assimila do jeito que consegue – o conteúdo que o professor já sabe- e depois o professor cobra do aluno exatamente aquilo que explicou – do que já sabia”. Aí, teremos algo que não EMANCIPA INTELECTUALMENTE, mas coloca o aluno em uma condição perpétua de DEPENDÊNCIA de alguém que “professa”, alguém que – na etimologia da palavra “professare” – discursa. (se quiser saber mais profundamente sobre o que acabo de escrever leia a obra “O mestre ignorante” do filósofo Jacques Rancière).

......Mas e aí, qual é o método? Nenhum e por isso todos! O método sempre – no meu caso – se desenvolve partindo da relação que conseguimos construir (alunos e eu, sociedade, cultura, espaço físico e intuitivo). Não! Não parto da dita “realidade do aluno”, isso é brincadeira! Também não emancipa e, aliás, engana. Porque partir da realidade do aluno sempre é uma escada para chegar a algum ponto fixo. Aí isso se revela uma patifaria (tal qual Nietzsche acusava Sócrates de fazer: na visão do Nietzsche, não do Sócrates platônico, ok?)- ou adestramento. E minha pedagogia é maligna, e não patife! Há quem diga que se ensina filosofia partindo da história da filosofia, dos autores clássicos- para ser mais preciso. Mas! Conheço gente que conhece a história da filosofia de cabo a rabo e nunca filosofou! – isso é minimamente triste. Também não é (sempre) por aí! Também há os que digam que ensinar filosofia é ensinar a construir argumentos, raciocínios, evitando contradições e tudo mais. Mas cá entre nós, quem é que precisa de filosofia para construir argumentos, raciocínios e evitar contradições? Isso é um meio e não um fim para a filosofia, faz parte, mas assim como não precisamos (sempre) da filosofia para esse “exercício de linguagem” também não chegaremos a filosofar unicamente se fiando nesse exercício!- mas se você quiser enrolar, vai nessa, dá para ficar dez anos falando sobre isso! (Existem doutores acadêmicos que já comemoraram bodas de ouro casados com essa questão) e isso não é inútil dado que basta você olhar pela janela do seu quarto para descobrir que falta bastante disso neste mundo, mas este não é o caso... agora. Ainda acho que é bem mais simples – e isso não significa que é mais fácil! Veja só. Também há os que dizem por aí – e estes são os mais tristes de lidar – que a filosofia foi criada para suscitar questões e se ela não suscitar questões não possuí serventia para uma ‘tal’ sociedade! Este é o equivoco mais grosseiro que já ouvi – e li – por aí... suscitar questões nunca fez de ninguém um filósofo! Meu pai suscita questões e nem por isso é um filósofo! Acredite, há pouco meu computador travou e suscitei questões sobre isso, mas ninguém apareceu para me dar um diploma por isso...e nem me senti mais filósofo por isso. Mas se você quiser enrolar, vai nessa!

......Existe, é claro, um jeito que os gregos criaram para se implicar com as coisas. E isso nasce de algum tipo de afetar-se com qualquer coisa – de amar o saber “parido” neste afeto. Filosofia é um jeito de se implicar com as “coisas” e não uma fórmula ou um método (aliás, são infinitos métodos, enquanto existirem filósofos, existirá uma criação de métodos para se responder sobre suas implicações). Muitas vezes os filósofos precisaram arrebentar com o método tradicional da filosofia para responder suas implicações, veja Descartes por exemplo – que as ciências humanas adooooooram descer a lenha-, no meio disso deu condições para se pensar a subjetividade e usar a si mesmo como critério de verdade (as ciências humanas devem muito de seus respectivos empregos ao espadachim francês e nem se tocam disso...), portanto quando você escrever “EU”, ofereça um brinde ao espadachim, tá? Não seja mal educado e sem senso histórico! Ideias no plano da ciência certamente podem cair em desuso, mas conceitos – meu amigo – sempre serão atuais, desde que você queira.

......Mas não vamos nos perder! Retomemos. Se eu entro na sala desinteressado em explicar, não falarei especificamente da história da filosofia e nem julgo necessário ensinar alguém a “pensar coerentemente”, que diabos faço e como podem me chamar de professor de filosofia? Como disse antes, cada filósofo cria seu método para chegar nos seus conceitos (também o oposto, cria o conceito e depois “desenha” o método), mas embruteceria meus alunos se os forçasse a adotar meu método e meus conceitos. Como saio dessa enrascada? Simples – novamente, não é o mesmo que fácil. Basta você estar numa sala com algumas pessoas para perceber que haverá “transferências”- bem no sentido psicanalítico do termo. O Sócrates platônico sabia disso bem antes dos psicólogos – e por isso é considerado o pai da psicologia por alguns... Se não houver transferência – alguém se projetar em você- daí temos a ajuda da “provocação”. É preciso ser um pouco maligno (hehehe), sempre partindo do que os alunos jogam em você- e onde você está “sendo”, certamente. Se alguém me pergunta:_ o que é a filosofia? Prontamente posso jogar de volta:_ quer mesmo saber ou está perguntando para termos assunto? Daí a aula começa e nem sempre todos percebem – é uma ação que não sei no que vai dar, posso aprender algo com isso ou a turma pode aprender algo que me escapa. Mas a questão fundamental é “o que você quer saber, não poderia saber por conta própria?”, ou melhor, pode ser que não seja nem uma questão, filosofia não é só questões, são – na maioria das vezes- respostas (para cada questão que um filósofo fez na dita tradição filosófica, ele deu muito mais respostas do que questões! Então não caia no erro do “achismo” de pensar que filosofia é um tipo de ciência das questões!). A diferença básica é que nunca entro em uma sala de aula com “plano” prescrito. Como bom filósofo que julgo ser – e por isso, talvez, péssimo professor- permito que a “coisa” aconteça. Sempre há quem acredite que não quer saber nada e por isso não se filosofa o tempo todo, mas e por que uma simples bolinha de papel não pode se converter em uma conversa sobre ética, moral, política, estética, e etc? E um gesto? Deleuze nunca negou que seu corpo era a forma de apresentar um conceito – brincava com as longas unhas, falava sobre seu timbre de voz no “abcdário”! Você não encontra um filósofo sem tocar minimante na filosofia – talvez um “professor” de “história da filosofia”, “pensamento coerente” ou “suscitador de questões”, você encontre sem esbarrar na filosofia, mas não um filósofo autêntico. Didática, ainda falando em termos deleuzianos, também é quando alguém desperta para capturar uma fala sua, um comentário durante a chamada ou um simples olhar suspirando pela janela. Também o contrário, alguém que coloca os fones no ouvido e vira a cabeça para o lado compartilha uma experiência “que pode se tornar” filosófica não só com o professor, mas com a turma toda! Isto não é um exagero, em dados contextos, até a indiferença é mais filosófica do que “ensinar argumentar coerentemente”. Se engana redondamente quem não prestou atenção no fato de Sócrates não escrever, ou Diógenes – o cínico. Ensinavam com ações! Com comportamentos! Com isso também aprendiam, não só ensinavam... e quem estava em torno destas ações também “acordava em tempo de capturar algo”. Até não querer saber é uma atitude filosófica!

...... Mas vamos falar sobre “som”: Existem músicos que idolatram John Cage pela sua obra em que “assina o silêncio” como música, mas muitos desses músicos não sabem que Heidegger, muitos anos antes de John Cage pensava uma filosofia do ouvido – uma filosofia não escrita, mas ouvida (inclusive) no silêncio. Quer dizer, o filósofo Heidegger já converteu o silêncio em filosofia bem antes da música converter o silêncio em arte! (confessem, essa vocês não sabiam – risos). Dá para se ter uma experiência filosófica em um momento de silêncio! E por que não? É o tipo de experiência mais intensa – para mim, pelo menos. O silêncio diz tudo de um momento (uma verdade, se quisermos...), já um grito é uma consequência ou um sintoma. Uma reação! Os alunos gritam em sala de aula por reação, tem algo de desespero nos seus gritos... creio que um bom professor sabe interpretar isso – ao invés de odiá-los por isso. (professor que odeia aluno e aluno que odeia professor para mim é uma contradição – ambos deveriam ir fazer outra coisa se este é o caso!- insistir nisso é martirizar ou masoquismo).

......Já dei aulas onde tirei os alunos da sala e conduzi-os até um gramado. Eles questionaram:_e agora professor? O que vamos fazer? Retruquei:_o que vocês quiserem! Porque não gastar um tempo caminhando por aqui, sentindo o vento, ouvindo os passarinhos e conversando? Curiosamente eles falaram sobre temas da filosofia e não os induzi a fazer isso. Sentiram-se a vontade pelo simples gesto de tirar-lhes da sala de aula em uma manhã quente. Alguns, é claro, torceram a sobrancelha pensando:_esse professor quer é matar aula! Mas para mim, uma aula no modelo –digamos- “politicamente correto” ou “clássico” já está morta na monotonia e tédio! Não podemos deixar de cogitar a hipótese de que um dado “discurso” escolar matou o conhecimento e transformo-o em sonolência e falação pedante. E é por isso que um gesto – sair da sala “desinteressadamente”- pode demonstrar que esses modelos viciados de educação podem e devem ser superados. Plagiando Deleuze – ele novamente – “saímos da aula pela aula” assim como se sai da filosofia pela filosofia!

......Ainda, dia desses, enchi o quadro com um texto. Alguns alunos começaram a protestar dizendo “mas é só texto, é só cópia”, ao que pensei: está dada a aula! Não pelo conteúdo do texto, mas pela situação e os protestos! Ainda provoquei no termino da aula:_ será que vamos ficar só nisso, só texto? Não me incomoda que a transferência nesse momento seja de “raiva” em relação ao que eu estava “sendo” – ou compondo-, o que importa é o que podemos retirar enquanto implicação deste desconforto. NOTA: Não deixe passar esse trecho em branco, estou dizendo que dou aulas de filosofia provocando filosoficamente! Provocar é uma coisa, “explicar” corresponde a outro conceito! Ontem entrei em uma sala e percebi que nada de produtivo poderia sair dali enquanto uma aula expositiva ou a elaboração de alguma didática. Apenas me acomodei em um canto da sala e fiquei olhando para a turma... no próprio olhar os alunos sentiam que aquilo não estava certo, sentiam-se constrangidos, esperavam uma contra posição para disputar o lugar do poder – ao que, não fiz nada!  É isso aí, aula dada.

......Ainda ouvi meses atrás na mesma escola alguém comentar:_ professor, a sua atitude é estranha! Não é de autoridade... E vi nisso um problema que obviamente será um desafio filosófico por vir. Na maneira em que está disposta a instituição escola, os alunos não distinguem “autoridade” de “autoritarismo” – algumas vezes nem os alunos, nem os professores e menos ainda a direção. O simples fato de ser um (ironizando agora) “reles humano” não constitui uma autoridade, não se constitui alguém que mereça ser ouvido – mesmo que fale em um tom de voz calmo e tranquilo. É preciso (o choque neural) gritar, mostrar os dentes, ameaçar punir, para aí sim ser uma “autoridade”(será?). É preciso chantagear com “notas” – o prêmio do macaco – para negociar! Um jogo, certamente perverso, já que para haver negociação justa é preciso um equilíbrio de forças, e este não é o caso na maneira como está posta. Estranhamente quando alguém me diz “você não é um bom professor” e eu pergunto por que e recebo de volta “porque você não grita com os alunos, não negocia usando as notas, e muitas vezes fica em silêncio sem tomar uma atitude para repreender os alunos, NÃO ENSINA” – estranhamente quando ouço isso – sinto uma grande satisfação. Sinto esta satisfação porque começo a compreender que não colaboro com um sistema “adestrador” de humanos, hierárquico, que obriga as pessoas agir por recompensas futuras, e que em último lugar há a intenção de promover senso crítico e conhecimento ético. Certamente os alunos são tão vítimas dessa peça do sistema (escola) quanto os professores! Irritar-se com “pessoas” seria falta de compreensão. E nem entrarei na questão do capitalismo moldando “tijolos para o muro” valendo-se do império das imagens cobrindo a exploração econômica, porque hoje é bem, mas bem mais grave do que isto – e quem ainda se fia em Guy Debord  está apenas na metade do caminho... (sugiro a leitura de Cristoph Turcke). Não é tanto o “espetáculo”, mas a captura pela “excitação” – outra maneira distinta de “controle” – constante – só “aparece” o que “nocauteia” a excitação, pois provoca “curto circuito” no sistema nervoso – que mantém todos anestesiados para tudo que está realmente em jogo no contexto atual. Ou seja, não é a sociedade do espetáculo que captura, mas a sociedade da “pane mental”.

......Nietzsche, analisando profundamente os primeiros filósofos da tradição ocidental (A filosofia na idade trágica dos gregos) apresenta-nos que o filósofo não justifica sua filosofia, a filosofia existe na medida em que se filosofa. Se por vezes escapa dos sujeitos inseridos em uma dada cultura o motivo da filosofia não precisar se justificar é um problema da decadência cultural. Nas palavras do jovem Nietzsche: “por que eu deveria fazer de conta que essa cultura possui o direito de julgar minha filosofia?(...) Veja minha irmã, a arte, vale para ela o mesmo que para mim”. Moral da história: Muitos não sabem ainda o que é filosofia e a culpa não é dos “professores” que não ensinam, mas da falta de implicação – e condições mínimas para estar à altura de uma experiência muito distinta para com o conhecimento. Resumindo: falta amor. É, meio bobinho assim, mas sem amor não há experiência filosófica (não conheço ninguém que tenha casado suscitando questões, argumentando coerentemente ou acumulando dados da história...). Você não estará equivocado - na minha concepção - se desconfiar que em partes foi a própria academia que ensinou os "graduados" que exibem diplomas por aí a produzir um conhecimento tão sem amor, tão "seco", sem estilo, mera "refluxo" de dados e citações!- mera coleta de dados... falta, hoje, uma nova relação com o conhecimento... e deixar a metodologia na gaveta, só um pouquinho.

......Por fim, creio ter dito uma boa parte do que penso sobre o assunto. Agora se você não me entendeu, fica traquilo, não é apenas um problema de linguagem – toda linguagem é problemática -, se não entendeu é porque precisa aprender a me ler (não vai ser da noite para o dia que você aprenderá isso).







r.A.

ps. Um dia as pessoas vão entender que nunca precisaram de explicações e sim de implicações?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O dia de ser durão






......O dia de ser “durão” vai chegar. Quando chegar, você pensará em dizer que poderia ter passado reto – pensará, mas não vai dizer. Você vai virar os olhos para o lado e as veias vermelhas de seus olhos ficarão expostas. Com dificuldade desprenderá os dentes – que quase trincavam – e irá resmungar: “estou com problemas aqui”... Mas ninguém vai entender. Todos estarão ocupados demais para te ver “durão”. E a pose será inútil e você começará a deixar as poses de lado.

......Você baterá com a palma da mão aberta na testa e deixará a mão escorregar pelo rosto na expectativa de amolecer algo ali, mas tudo estará rígido como ferro enferrujado – corroído pelo tempo, pelos séculos. Apoiando os braços nas coxas, você irá se erguer e caminhar de um lado para outro. Seus músculos tensos irão ranger como as pontes de correntes do inferno. Dirá:_ eu me demito! Mas não haverá mais do que se demitir. Esticará a mão esquerda para “botonar” o interruptor e acender a luz... porém a luz não vai mais te alcançar – tudo estará escuro em torno de ti. Estenderá a mão direita e seus dedos abraçarão o gargalo da garrafa de whisky. Mas sua língua já secou para todos os tônicos.

......Vai pensar na arte e irá descobrir que ela nunca pensa em você. Ela não te espera, nem deseja. Sentirá no coração que a poesia era só um lamento. Que a filosofia é uma pistola de reserva – sem munição. Ineficaz contra as multidões de zumbis se arrastando pelas ruas escuras atrás da sua carne... se ao menos você a tivesse carregado...

......Primeiro buscará refugio no amor, mas é o amor que estará procurando refúgio em você. Depois sentirá tristeza, no entanto, estará “durão” demais para chorar. Tentará enlouquecer... Como enlouquecer se a própria loucura corre desesperada de você? Por último você irá sorrir para morte e ela te dirá séria que a vida não morre.

......Então o sol vai se pôr. O dia estará no fim. No silêncio entrelaçado com solidão, você finalmente será durão – agora sem aspas. Vai olhar no espelho pensando que é o Clint Eastwood, mas será o Lee Van Cliff. As pessoas irão achar que te conhecem – irão sorrir para você e não entenderão porque você estará tão sério.

......Se você chegar até aqui, vai entender sem querer comunicar.



r.A.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

RETO-RN-ANDO DA-S FÉR-IAS (puxa que criatividade!)




......Pois é. Um mês sem escrever no presente blog. Férias bem vindas onde pude refletir e repensar uma série de projetos – um deles, este – com calma. Foi um mês de muitos sorrisos, boas conversas, preguiçosas leituras, música e arte. Encerrando (as ditas férias) com uma tarde no evento internacional de animação Anima Mundi (2012). Ainda houve tempo para descobrir na Sé – duas quadras da catedral- uma sebo de filmes que passará a ser outra de minhas rotas –de tantas- aqui por essas bandas. Falando em bandas, ainda ocorreu a oportunidade (que fugiu do “roteiro”) de comemorar o dia internacional do Rock com minha banda (duo) Sodoma H. e descobrir outras bandas que ainda põem a sinceridade para trabalhar (Elefante Branco, Escorbuto, Residentes, para citar algumas que me surpreenderam em Chapecó –SC. Nota: outras não me surpreenderam e pelo visto a mesmice corre solta inclusive no interior...).

......Outros acontecimentos não foram tão “felizes” de constatar, porém, ao contrário de outrora, minha maturidade dá conta disso com um sorriso – e por vezes um deboche, só para cutucar alguns falastrões e na sequência entregá-los ao remoer na indigestão! Mas como ia dizendo, compreendo-os na medida em que penso ser duro patinar tanto na estagnação e restar apenas o blábláblá como roupagem da miséria que se não fosse apelidada de “vitória” certamente sufocaria – o que talvez seja pior, uma vez que se constatassem suas misérias tomariam atitudes para convertê-las em algo, digamos, ‘proveitoso’. Sempre desconfiei de quem fala demais e muito bem de si mesmo... Vendedores de colchões são bons nisso e nem precisam dura erudição para tanto!

......É certo que para pensadores que não ignoram a fisiologia – ou seja, agregam os acontecimentos  que incidem mais diretamente no corpo (do clima a satisfação...) – só poderiam voltar bastante satisfeitos de férias como estas. Dito e feito! Aqui estou eu estranhamente positivo: uma vez que havia me habituado a escrever neste blog apenas movido por sentimentos “cinzas”. Estou convencido que para além do reducionismo do tempo (cronologia dos xaropes), ter a possibilidade de usufruir de espaços muito mais abrangentes no quesito ‘cultura’ (e me refiro ao poder experimentar várias e distintas culturas) nos ajuda a ser muito mais “bem resolvidos” do que os que só têm esta experiência na teoria... Retomada do sentido etimológico mais antigo do conceito de Sapien (sabedoria/ saber) como uma experiência de “degustar” – sentir o sabor. Mas! Falando metaforicamente, é preciso não manter a boca muito cheia para poder apreciar bem o sabor das coisas – mamãe dizia: ou fala ou come. O que me faz lembrar de uma conversa de “guardas baixas” no apartamento do filósofo PCê (após duas garrafas de bom vinho). PCê falando:_ ... e um acadêmico de direito me diz “queria ter essa sua capacidade de degustar bons vinhos” ao que respondi “ou você ouve pagode ou toma o vinho, não vai dar para você degustar as duas coisas... elas não combinam”.

......Por fim e não menos importante, a Crimes & Ursinhos Ltda (ou ‘C.U. Ltda’ e seu novo slogan: Não gosta de C.U. dê o teu para mim) está prestes a abrir duas “filiais” (risos) no cyber espaço com procedimentos de linguagem diferenciados. Aguardem queridos, a gente ainda nem começou baby!





r.A. – “o problema é o sistema que nos fodi”



ps. “Eu sei até que parece sério, mas é tudo armação. O problema é que tem muita estrela pra pouca constelação”.

Raulzito e Marceleza – Panela do diabo.