quinta-feira, 31 de março de 2011

Aham Cláudia; senta lá!


.....Falar do que se perde é lembrar de um sentido da vida. Perdemos para nos suportarmos – para não esgotar o que já quisemos intensamente outrora. Conservar um gosto em um canto da boca, alojar um cheiro na ponta do nariz, riscar no olho, arranhar a pele, poucos presentes. Sentado em uma cadeira desconfortável, olho para a telinha das senhas. Esperando quem seria... Quando me chamarem de “próximo”, estarei a oito passos e meio de não ser mais. Cumprimentar treinado para ambos – a atendente e eu -, um breve comentário em relação à demora – que com o tempo, ambos esqueceremos... Certamente não riremos disso mais tarde e muito menos perderemos uma noite de sono por isso, nisso -, jogo minha identidade instantânea na mesa e dali ela mergulhará no lixo se juntando a tantas outras, R1,R2, eu, etc. Etc = “ente- inseto”.

.....Estávamos tão “não-ali”, com objetivos tão profissionais, cercados de tantos registros para assegurar que estávamos tão “nem - aí”, preenchendo vazios “dentro-fora”. Mas lá fora chovia. Por isso o guarda, cambaleava de sono. Uma senhora suspirava cansada, eram uivos para uma lua que somente ela via. Via melancolia abrindo asas e sobrevoando tecs-tecs-tecs. Minhas lentes devem estar cinza; pensei.

.....Há outra dimensão para os que pregaram em si outras palavras. Acho que aguardo tudo que pude ser. Estou viciado a cobrar tanto de mim que nem esforço para me perder. Amarro as coisas com correntes grandes (muito minhas), às coisas são tão pequenas que me escapam. Escapo junto; pensei. Há um sentido transparente, porém, espio os monstros que este sentido aprisiona em um buraco no chão. O vigor de pensamento... Mas que perigo! A sensibilidade a flor das peles que vou andando e trocando – quantas flores... Mas que perigo! E eu que já fui um cara amável, mas as sombras aumentaram, tive de me incinerar para afugentá-las e com isso os poucos que quiseram me abraçar notaram que ardia...

O amor precisa gritar alto comigo; sou distraído!

_R3!

.....O próximo ficou distante.



r.A.

terça-feira, 22 de março de 2011

O nós- Samsa


.....Na obra A metamorfose (Die Verwandlung), Franz Kafka (1883-1924), nos lança na situação de Gregor Samsa. Personagem este que desperta em uma manhã metamorfoseado de humano para inseto. Acompanhamos (por vezes sentindo na pele) um personagem adaptando-se ao corpo estranho munido de “várias perninhas que se movimentam sem parar em todas as direções e que ele, além de tudo, não conseguia dominar” (KAFKA,20010,p.20). Desta condição irreversível na obra, vemos no decorrer, a constatação feita por Samsa de que se tornara inútil a comunicabilidade com a família. Chegando até a sentença da irmã_ “se vocês talvez não são capazes de ver isso, eu o vejo muito bem. Não quero pronunciar o nome de meu irmão diante deste monstro e por isso digo apenas o seguinte: temos de procurar um jeito de nos livrar dele”(id.,ibid.,p.91). Assim vemos Samsa trancafiado em uma “prisão sem paredes”, sua aparência repulsiva, buscando o controle de seu novo eu-inseto. “Sua própria opinião de que deveria desaparecer era, talvez, ainda mais decidida do que a da irmã” (KAFKA, 2010, p.95-96), nos conta o narrador. Assim, passada algumas semanas, Samsa trancado no seu quarto, ainda observa o alvorecer do dia, olhando pela janela, antes que de suas entranhas brote o último suspiro.
.....Com esta previa da obra de Kafka (que não deseja ser e não é um resumo) podemos nos imaginar em uma condição que um primeiro contato julgamos absurda. Porém, penso que não necessitamos fazer grandes esforços para -alguns de nós - sentir empatia por Samsa. Já que despertamos em uma sociedade onde, muitas vezes, antes de nos dar oportunidades de esclarecermos sobre “nossas perninhas que não controlamos” nos grita como devemos ser para nesta sociedade permanecermos – quem dirá sem a voz! Desta sociedade, vamos para uma cultura (atravessada pela indústria) que por vezes fomenta e enaltece o individualismo, e isso, cada vez mais nos empurra para o modo de vida “indiferente” com duplo sentido: Persegue a diferença para eliminá-la; simula descaso para com a presença do outro que nos encara – Mas se há descaso, qual é o motivo de desviarmos tantas vezes o olhar?
..... Em um embalo cada vez mais rápido da canção, invocamos o desgastante refrão que diz pouco importar quem está a nossa volta. Desta forma polimos as grades de um determinado olhar que nos separa. Espelho de nosso simulado descaso, o outro se comporta como que diante de um inseto. Mas como espelho, absorve repugnância em relação a sua própria condição. Metáfora que pode nos levar ao desespero: O veloz carrossel espelhado, provido de música, com assentos em forma de descaso e indiferença, onde “tudo que está em nossa volta nos impede de voltar”.
..... Este é o momento onde constatar sem fazer a critica, pouco nos vale. Crítica no sentido kantiano, não uma denúncia de um estado de fato, mas o discernimento dos limites de um estado de fato. Mas se o limite de nosso estado de fato é observar o dia nascer pela janela, aguardando nosso último suspiro, podemos – se quisermos- subverter o dito “dos males, o menor” investindo em uma transvaloração: dos males, nenhum? Creio que esta questão nos cobra uma mudança de perspectiva.
.....Há os resquícios de uma tradição que acredita se constituir o “eu”, unicamente, na oposição em relação a um “outro”. Um eu que se ilude na afirmação: Eu sou eu – o mesmo; o outro tem de me reconhecer! Prédica que oculta em sua sombra algo que a filosofia ilumina com sua lanterna, ou seja, “nessa dicotomia entre o Mesmo e o Outro, o Outro não é dado, mas produzido” (PELBART,2003,p.120). No entanto, não nos basta anunciar que o Outro é parte que compõe com o Eu, ou seja, um “Outramento”. Até porque, mesmo sabendo que este Outramento liquida um vício de pensar “meu direito de ser diferente do Outro ou o Outro ser diferente de mim, preservando em todo caso entre nós uma oposição” (id., ibid., p. 126), ainda resta o desvio do olhar do outro e enquanto houver este desvio, ainda haverá, por vezes, repugnância. Mas onde há repudio, há, nem que por um milésimo de segundos, reconhecimento (ou tentativa de escapar deste). E aqui, neste milésimo de segundo, somente neste afeto, para romper o círculo contínuo que nos separa (Eu/Outro), se constrói uma possível mudança de perspectiva. A mudança consiste em assumir, primeiramente, o já sabido: que não conseguimos ser indiferentes à presença do outro – pois não conseguimos ser indiferentes a nossa própria presença. Se a presença do outro nos provoca um abalo é justamente porque é a “nós-outros” que vemos ao negar à presença. Em última instância, esta nova perspectiva nos apresentou o filósofo alemão Nietzsche, que para o comentador brasileiro Roberto Machado não passou despercebido: “A postura de Nietzsche é clara a esse respeito: enquanto se sentir nojo, náusea, fastio, se é niilista” (MACHADO,1997,p.128). Por niilismo entendamos a vontade de nada, mais especificamente este “nadismo” a que Nietzsche se referiu é o niilismo negativo. Uma não esperança no ideal de progresso moderno, ou seja, não haverá um aprimoramento da humanidade: tudo é igual, nada vale a pena, o saber nos sufoca! Somente superado este Niilismo, podemos pensar em um outramento. Mas precisamente aqui, não é o caso de uma ética/moral que nos manda agir por dever, ou seja, tu deves agir para o outramento. É o caso de um convite enunciado. O que está a nossa volta nos permitir voltar não para um passado utópico ou um ideal futuro novamente utópico (utópico no sentido de um não-lugar), mas imanente (presente), uma aventura. A aventura de se ver nos olhos do outro e permitir que o outro se veja em seus olhos. Esta é a transvaloração que passa do mal menor para o mal - nenhum: Uma sempre nova - partindo do encontro de singularidades - criação.

r.A.- Filósofo.

Referências Bibliográficas:

KAFKA, Franz. A metamorfose – O veredicto. (trad) Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM,2010. 144p.

PELBART, Peter Pál. Vida Capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003.

MACHADO, Roberto. Zaratustra, tragédia nietzschieana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.1997.

domingo, 20 de março de 2011

Pequeno Coração Escuro...


.....De onde viemos? De uma sombra... Você pode insistir se quiser, pode se esforçar até o último segundo, juntar as mãos e rezar; quem canta reza duas vezes; quem reza não sabe em que canto caiu; faces partidas; todo fato é desfato quando narrado; há desafeto; você pode falar se quiser e gostar; uma ladainha infernal; onde não há silêncio há suplício; o ódio é bastante humano; a ideia é uma festa; você pode desistir – ou cansar, cansar é a desistência fisiológica, casar também.
.....De onde viemos? Do Kaos? Me poupem de tanto clichê! Se se soubesse do real... Quantos psicóticos... quantos perdidos no meio do caminho... se abraçando em novos meios... destroços do navio que naufragou e nem nos demos conta... redemoinho na boca do monstro que veio do deserto de chumbo...jura que você não gosta de alguém? E que motivos teria esse alguém para gostar de você? Quem será que vive perdendo tempo com idiotices? Tratar bem as pessoas! Tratar bem os cachorrinhos fofinhos! Tratar bem às árvores! Tratar bem a carne moída – digo, cozinhar bem! Sentado na grama, olhando o asfalto, brincando de ser formiga, lendo culinária polaca, tirando fotos (ta turista, né?), com uma mão no bolso do abrigo, desejando assistir um pouco de T.V., mas a T.V. está sempre quebrada, rolando na grama, sua bunda formigando, querendo ser visível – risível-, pensando na canção, tendo ideias, querendo ser visível tendo ideias, _você sabe que as coisas não são assim_ claro que sei_ pra que tanta insistência?_ “só está morto quem peleja!” _ “só esta vivo quem pragueja!”_porquê você não some?_porque você não quer...
.....De onde viemos? Do deserto. Aquele que só faz evaporar nossas lágrimas. Você pode. Seu carro perdeu uma roda. Estou atingindo um objetivo. Desligaram os aparelhos. Anjos. O amor se foi. Sempre levei dois. Um outro de reserva. Nunca se sabe. É... eu sei...
.... De onde viemos? pIc..._______________________________.



r.A.

terça-feira, 1 de março de 2011

"É preciso estar bem embriagado para suportar essa tristeza!"- Tom Rushen Blues


..... Estou no ano de 2011 preso em um blues de 1929. Eu procurei uma prisão que pudesse suportar, mas fui atraído para além da força de minhas pernas grossas. Sei que não me esforcei o suficiente, mas alguém há de se afetar como eu pelo que me cerca e saber que no meio do caminho a gente cansa nosso interesse! Uma noite eu fiz um café de homem, daqueles que faz o coração dar saltos e cambalhotas. Torrões poderosos boiavam naquela escuridão toda... Olhando dentro da xícara, era como se eu estivesse em frente ao espelho. Lá fora as coisas vão mal – é o que dizem-, mas aqui dentro, meus amigos, está tudo bem pior! Minha força fez com que não encontrasse mais adversários dignos – e um homem precisa de adversários dignos. Assim, quando caminho pelas ruas à noite, deixo rastros de abismo e uivos de desespero. Há sangue rançoso no meu passado e horizontes de chumbo no meu presente. Dia pós dia pessoas me dizem coisas, mas só Charlie P., mas só o velho Charlie... Não me sinto cansado – fora o meu interesse- desde que atirei na voz da noite. No entanto, calei tão fundo... tão fundo... E a fumaça do cigarro me empurra para a janela... Tenho uma cadeira de rodas que pintei de azul e seis prestações de um bom relógio. Fora isso, só um casal de retóricas que já não estão parindo nada e um violão empenado escorado na pilha de poetas franceses. Você já se perguntou sobre o “fim das contas”? Pois é, estou assoviando Charles P. duas quadras depois. Quando se está onde estou, uma boa mentira iria bem... Talvez com um pouco de gelo até arrancaria um sorriso de minha boca seca. Mas eu quero outra coisa... Uma coisa que foi riscada do cardápio antes de fazer parte do dito... E nada consegue me distrair. Se pudesse acreditar, diria que me chutei pelas costas – de um modo bastante covarde, aliás-, no entanto, não sofro das crises do solitário... Felizes são os cães que esperam seus donos... Felizes são os cães que se sentem especiais quando lhe jogam um osso para roer. Há sim uma verdade! É algo que cauteriza às feridas. Posso não ser feliz, mas estou tão bem... tão bem... E quando estou sério, há algo tão suave na minha sombra... tão melhor... Enquanto a maioria das risadas que me cercam são faíscas, meu rosto inexpressivo é um incêndio!


r.A.


(Dedicado ao cara que não tem "seu começo")