quinta-feira, 23 de setembro de 2010

As picuinhas musicais dos Jovens/Velhos chapecoenses... (Part II)


Nota: Será longo, mas será prazeroso... Prometo.

.....No texto anterior eu parei no pós segunda guerra (no que diz respeito ao sertanejo), pois bem, no pós segunda guerra (meados de 1960) ouvimos pela primeira vez a guitarra elétrica aparecendo neste estilo. Os autores da façanha, até onde se tem notícias, é a dupla Léo Canhoto e Robertinho (as lindas figuras da foto). Agora faço uma pausa para lhes dizer como é que sei disso tudo que falei no texto anterior (e sigo falando neste): Minha mãe é uma dos últimos de uma geração (desta região) de “gaiteiros”, ou melhor, tocadores de acordeom. Nesse meio então, eu tive acesso a algumas centenas de discos e outras centenas de histórias sobre as canções. Meu avô faleceu há alguns anos e deixou um dos acordeons mais caros e raros enquanto lembrança da família Webert do Nascimento (italianos com caboclos). Sobre meu avô, a história mais engraçada que já ouvi foi um “causo” sempre lembrado na reunião de músicos da família, consistia, resumindo, que um dos seus antepassados (e meu, óbvio!) morreu de um enfarte e foi enterrado com um acordeom (a muito ele dizia que era seu desejo). Algumas pessoas sabendo o valor que esse instrumento possuí violaram o seu túmulo a fim de pegar o acordeom, ao que, o defunto levantou e começou a tocar o acordeom! Quando ouvi essa história eu ri e disse: Mas que mentira fajuta! E ele riu de volta e disse: O coração dele deve ter voltado a bater e graças aos ladrões de túmulo ele não morreu “novamente” asfixiado embaixo da terra. Estou lhes contanto isso para deixar em maior evidência que cresci ouvindo esse estilo de música. Aliás, até me recordo de zanzar em torno de minha mãe, com menos de quatro anos de idade, enquanto ela dava aulas ou simplesmente tocava para pessoas que queriam conhecer o estilo desses “gaiteiros caboclos”, um estilo que era mais que tocar música, eram pessoas que viviam a música que tocavam. Infelizmente para mim, a forma de execução deste instrumento não é uma forma que respeita uma estrutura precisa, teórica, da música como é ensinada hoje... Eles apreendiam com o “sentir”, como dizia meu avô (estou falando desse estilo de tocar, não de tocar acordeom, precisamente). Disse infelizmente e disse, pois eu, por mais que tentasse compreender esse estilo, não consegui aprender! Um dos músicos que conheciam esse estilo era José Mendes... Músico do estilo gauchesco – outra história longa...-, pois bem, voltamos ao Leo Canhoto e Robertinho. Para vocês terem uma ideia do quanto era semelhante ao rock esse primeiro estilo onde se introduziu a guitarra, até hoje, quando me recordo de um dos discos (que se perderam), não sei onde termina o sertanejo e onde começa o rock. Em dois dos discos dessas duas figuras, a poética é simples e divertida! Eles contam histórias semelhantes ao velho oeste. Para terem mais uma idéia, o nome de uma das canções é “Delegado Jaracuçu” (nome do disco que me referi). É uma narrativa que lembra as histórias contadas pelos bluesmen do Mississipi. Fala sobre dois amigos que “bebiam cachaça dia e noite em um tonel”, terminavam por discutir e se encher de tiros – na canção há colagens de sons de tiros. A estrutura da canção vai do blues ao folk – sertanejos, meus amigos... Sertanejos! No final da narrativa/canção, o delegado os obriga a ir para o alto de uma montanha e matarem um ao outro – o que eles fazem com prazer (o nome das duas figuras que se matam é “Urutu Cruzeiro” e “Cascavel”- [risos])! As pessoas quando encontram o corpo de ambos “furados de bala igual tábua de pirulito” começam a rir de uma forma meio maluca – as risadas estão incluídas na música. Em outra canção de outro disco (que não me recordo no nome do disco, mas a canção é “Motoqueiro apaixonado”) que possuí arranjos de violino e é tocada no estilo mariachi, ouvimos um refrão novo no que diz respeito a esse gênero de Sertanejo (Sertanejo moderno): “Você não presta, mas eu te amo, como eu te amo, o seu amor meu bem, faz bem para mim!” Lembra vocês de alguma música do aclamado sertanejo universitário? – Talvez todas! E é rock do sertão meus amigos, anterior ao movimento chamado jovem guarda! Mas pasmem amigos roqueiros de plantão: eles é que eram os avessos da música nessa época! Eles é que estavam andando na contramão do convencional! Me desculpe o Roberto e o Tremendão, mas esses dois pistoleiros chegaram na frente naquilo que é mais singular ao rock (contra cultural). Outras influências que se encontra nesses dois é a polca paraguaia e a guarânia, inclusive a rancheira mexicana! O que mesmo a gente encontra no rock nos anos 60? Blues, folk, música indiana... (Bossa nova, no caso dos Doors e blues cigano). Ainda há uma frase fantástica em outra canção dessa dupla, não consigo não achar divertido quando ouço: “Não pare esse baile gaitêro, se não é hoje que você vai deitar na fumaça!” Violento? Sim é, mas isso é completamente a oposição do flower Power dos hippies. Aliás, para não dizerem que eu não falei de flores, em uma outra canção dessa dupla de pistoleiros os instrumentos param de tocar repentinamente e um deles perguntam para uma mulher: “Você gosta de flores mulher?” E se ouve uma voz feminina e meiga que responde: “Adoro flores!”. Aí vem um “Bang “(de um revólver) acompanhado de um: “no seu velório vai estar cheio de flores!” Ao perguntar para minha mãe se ouviam esses caras e gostavam, ela respondeu: Claro que não! Era terminantemente proibido ouvir esses “cabeludos”! (mais risos). ”Isso era música de vagabundo sem futuro!” – Alguma semelhança ao que ouvimos de nossos pais em relação ao rock? Sinceramente, penso que ouvir rock é mais “educativo”, mas vejam, achamos os malditos do sertanejo! E põe maldito nisso! Se um roqueiro se atrever a gravar essas coisas hoje em dia, prontamente será perseguido. Nem o trash dos trashs metals mandam tão bem na maldição como esses caras! Outra canção : “se prepara bodegueiro, lá vai o braço!” – e tem gente que me fala de Matanza ainda... Se vocês me perguntarem se eles fizeram sucesso eu temo ter de responder que sim! Mas vamos seguir depois dos malditos para concluir o texto.
..... Como todos sabem, o grande boom do sertanejo foi os anos oitenta. Não preciso nem descrever o que aconteceu: Tinha mercado e gravadoras desesperadas procurando um produto para massificar! Os punks fizeram alguma algazarra, mas como mostra Gastão Moreira no documentário “Botinada”, uma campanha da rede globo (sempre ela...) aniquilou o levante – e óbvio, a imagem do rock e todos os seus gêneros não foi facilmente desvinculada a esse movimento! Muitos foram os que eram partidários do rock que perderam seus empregos, que foram perseguidos socialmente, mesmo não tendo nada a ver com o gênero punk. Ao mesmo tempo (80-90) surgiram os nomes que vocês ouvem todos os domingos: Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano, Leandro (finado) e Leonardo, Cristian e Ralf (que tentaram ser artistas solo no rock, mas foram convertidos da noite para o dia (?) para o sertanejo) , Gian e Giovani, João Paulo e Daniel, Batman e Robin (opa, esses são dos anos 50-60) e outros cuja a existência não fora comprovada ainda (risos), Alan e Aladin (um dos dois morreu extraindo um dente...), Chico Rey e Paraná, Roberta e Miranda (alguns dizem que era uma só, mas tenho lá minhas dúvidas), e por aí vai... Lembrei do Sergio Reis, mas ele é dos anos 70, mas aparece entre esses aí também nos anos oitenta e noventa. Para os que gostam de teorias conspiratórias, sinto desagradá-los, mas verdade seja dita, mesmo que o gênero sertanejo nunca tenha sido censurado pela ditadura militar (embora houvesse sim músicas de crítica política ao sistema vigente entre 64 e 85), os sertanejos não eram bem aceitos nos programas de t.v. e rádios. Eram tidos como iletrados e chulas – embora, como constatei antes, eles absorveram muitas vertentes de vários estilos e formas de se fazer música-, e assim, imagino que o primeiro programa de grande audiência sobre música sertaneja e em t.v. aberta veio no fim da ditadura militar (1986 –sbt). Portanto, arrisco afirmar que as acusações de um gênero musical que não cultua críticas políticas ser responsável do descaso político (nunca confundam quando eu digo política com partidarismos, com politicagem...) no país é um pouco de extremismo.
.....Para encerrar esse assunto, vou dizer-lhes o que percebi ser o sertanejo universitário: O resultado de uma história de um gênero musical que agora bebe na fonte da indústria cultural (o rock bebe da mesma fonte, podem acreditar) – ou seja -, simula ao mesmo tempo que é um estágio da cultura, melhor dito, ao mesmo tempo que simula ser um movimento cultural contemporâneo é um movimento – uma figura para pensarem: um cara que esta desesperadamente afim de uma mulher e simula estar a fim de outra forma (com um pouco de descaso) para forçá-la a mostrar suas intenções – nessa jogada, ela faz o mesmo (Stigler, filósofo contemporâneo, diz que a industrialização é um estágio da cultura e cultura sempre foi controle, então, juntamos a fome a vontade de comer...) . Acredito também ser o retrato mais fiel da atual forma de pensar niilista (modo de pensar niilista é uma contradição, pois pensar é sempre sobre algo e niilismo seria “nada”, ou seja, é uma forma de pensar em nada – vejam: como disse, em texto anterior no blog, “sair de casa para não pensar em nada, entreter-se”-, não me recorre aqui algo diferente de um círculo onde os extremos se tocam) tão bem difundida no Brasil – e no mundo. Para retratar da melhor forma possível, nada mais denunciador desse movimento do que uma letra que impulsiona o ouvinte a trair o parceiro (a), justificada na traição respectiva do parceiro – ao mesmo tempo em que gostaria de não ter sido traído e nem se sente vingado traindo. E se ainda não me fiz entender, vou apresentar a vocês o trecho que retirei do Wikipédia ao pesquisar Sertanejo universitário para encerrar o presente texto (vão lá e vejam com seus próprios olhos): “Por surgir após o segundo movimento sertanejo (o Sertanejo Romântico), esse estilo já não conta com letras tão regionais e situações vividas por caipiras (como o Sertanejo Raiz). Geralmente as músicas tratam de assuntos do Sertanejo Romântico da forma como os jovens veem (assuntos como sair com várias mulheres e traição)”.

“Como os jovens veem...” – Pensem nisso! Será que o rock não esta fazendo a mesma coisa?

r.A. –Agradeço aos membros da banda Elefante Branco por me provocarem as palavras! E a todos que leram esses dois textos gigantes.

4 comentários:

r.A. disse...

... (sobre a foto no texto), para não confundirem com o mangá de Akira T. (Dragon Ball), o mangá é de 1986 - Possívelmente, Leo Canhoto é o percusor do Kamehame-HA.(Vai Brasil!)

:D

Animais terrestres disse...

Acho que agora ficou bem claro... hehehe...

herman ou niko disse...

ah.. certamente.. o rock é produto da indústria da cultura.. assim como tudo que se torna vendável/rentável.. um dos maiores, senão o maior produto.. mas também, a primeira linguagem universal-musical do 'jovem'.. e o sertanejo universitário, nada mais é do que a mistura do sertanejo dito romântico com a estética visual do rock (jovem), com as mesmas guitarras heavy metal que usam o sertanejo romântico. o universitário no termo é para dizer que é algo novo, descolado, jovem.. os produtores e publicitários se deliciam com o sucesso deste mercado.. e muitos universitários, ou não, identificam com este patê.. nada de novo no front..

r.A. disse...

Obrigado pelo comentário amigo Niko. Sobre o rock ser a primeira linguagem universal do jovem, creio que isso já um estigma da indústria cultural – uma delimitação rentável, como você mesmo pontua. Me ocorreu no decorrer destes dois textos e na pesquisa que fiz ao escrever-los que a industria cultural não é algo qual devemos “dobrar” a fim de jogar contra a cultura. Como nos apontava Adorno (o pai do conceito) e Stigler (filósofo que mais precisamente tenta aprofundar esse conceito), a indústria cultural é um estágio da própria, portanto atacar a indústria cultural, aparentemente, é atacar a própria cultura. Apenas fazer um esforço para diagnosticá-la, também não resolve o problema. Isso apresenta um “quê” de insuficiência no próprio texto, onde o título que usei seria justamente uma provocação no sentido de se olhar mais de perto o tal gênero musical e colocar algumas questões ao rock e seus respectivos gêneros. Ao me dar conta que fiz, talvez, a questão “certa” em relação a música hoje, recortando, precisamente, essa cidade, percebi, inclusive, que precisaria de mais subsídios para dar conta disso – a saber, dizer o que realmente é o fenômeno do sertanejo universitário-, ou seja, significa, a meu ver, que apenas descrever o aparente não responde essa questão. O mais delicado é que se aplicarmos a mesma forma com a qual olhamos para o sertanejo ao rock, creio que ele não suportaria esta crítica, e aliás, creio que estaríamos fazendo um julgamento lógico – e sabemos que um julgamento lógico não absolve nada! Me parece que como Foucault (e Agamben) olham para a história a fim de delimitar o determinado “dispositivo” que esta operando em determinado discurso, parece ser o caminho mais rentável. Poderíamos dizer que “essa novidade é velha”, mas ela tem perdurado, suas conseqüências tem sido um esvaziamento de qualquer possível sentido – portanto, tem substituído a arte impondo um simulacro no seu lugar. Ao fechar os olhos e dizer: isso é apenas deprimente! Infelizmente, constato que estamos fortalecendo a atual situação da música no Brasil... Adiante escreverei outro texto, por hora, vou ponderar com calma. Outro agradecimento pelo comentário. Abraço.