quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Segunda Versão

Foi pelo buraco feito por um prego na parede onde minha mãe havia pendurado um quadro meu que a solidão entrou. A solidão e o cansaço. Eu aprendi por necessidade a amarrar os cadarços dos tênis e cruzar a porta e pisar na rua... Chovia. Eu visitava as pessoas e às vezes elas me deixavam dormir em um canto do quarto. Sorria menos do que agora. Sentado na cama lá do quarto das pessoas as observava e até que me contentava com um olhar de canto de olho... Será que fui feliz quando tudo acabou? O eu de hoje não pode responder, o eu de antes não se fez essa pergunta; estava ocupado demais com as ataduras e os remendos. Um dia alguém me disse:_ Mas me diga, eu vou lembrar! E eu disse:_ esquece... nunca ninguém lembrou... Eu disse. Esse alguém esqueceu. Foi a primeira vez que me aventurei para além daquele buraco na parede e não me sinto decepcionado. O quadro, o prego e a parede não existem mais enquanto o buraco caiu no buraco. Sobre a solidão e o cansaço não posso dizer o mesmo.



r.A.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Precisa-se de 01 moça para trabalhar em pet shop sem experiência!

Todas as noites, quase sufocado por tudo que há no mundo, eu saio de meu corpo e vago em espírito por sobre uma cidade tão medíocre como todas as cidades da terra. Problema da cidade? Uma cidade fantasma seria mais interessante do que esta! Problema são as marcas e os cheiros dos pensamentos das pessoas ecoando em cada fragmento do que me cerca. Um pedaço de minha alma se enrosca na torre do edifício mais alto e mais antigo e meus olhos, como se fossem microscópios focam cada molécula que se movimenta nas ruas. É um mar de carnes inúteis e em putrefação. As moscas e os vermes fazem festa e por um momento gostaria de faturar em cima do pior... Mas sou apenas alma e almas não são vistas nem tocáveis. Ser um espírito é uma grande maldição. É uma pena não poder colar um revólver no céu da boca e apertar o gatilho. Reza a lenda que a primeira arma a ser inventada não foi para a guerra, foi para o suicídio, mas o suicida inventor logo percebeu que como poderia se matar poderia levar mais alguns consigo... Ponderou... Com medo de acabar por encontrar todas essas desgraçadas pessoas no inferno, guardou a arma em uma gaveta e com uma pena e um pergaminho iniciou uma nova seita. A seita de um homem só onde seu destino e sua morte condizia apenas a ele... Se obteve sucesso, não se sabe, mas as armas são um invento interessante para os suicidas até hoje. Rimbaud sabia disso e embora muitas pessoas no mundo admirasse sua poesia, o que é mais maravilhoso em sua vida é o comercio de armas. A poesia foi seu passa tempo, coisa que se tinha naquela época remota para os jovens já que o videogame ainda não existia. Oficio para a vida mesmo, aquilo pelo qual ofereceu seus esforços mais desesperadamente sentindo-se vivo foi o tráfico de armas. Todos sabem disso, mas preferem a poesia que ele rejeitou. É que o mundo é dos bananas mesmo! Um dia o homem vai sumir da face da terra e a banana e as baratas vão perdurar! Alguma coisa me toca e meu espírito volta para o corpo. Finjo que durmo por precaução. Eu gostaria muito, muito mesmo de ter uma arma... Pena que Rimbaud não pode mais atender as encomendas...
r.A.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Fragmento de carta a um amigo...

Há alguns anos, e cada vez de forma mais rápida, sinto a necessidade de abandonar as conversas que não levam a nada, justamente pelo respeito que tenho para com o potencial humano. Como poderia aceitar que nós, com um intelecto de tamanha potência, nos dobremos em si e atravessemos madrugadas discutindo assuntos tão corriqueiros (para não dizer merda)? Se assim aceitasse, discutir crises, revolver os discursos mais fracassados da história, desrespeitar as bebidas e os cigarros que serviram os melhores de nós, se aceitasse isso (como já disse), nunca teria aberto a porta da poesia, da arte, literatura, música e filosofia. Teria eu optado por ler um jornal matinal ou um tratado de geografia e até mesmo história, mas não. Preferi exigir mais de mim, em nome das madrugadas insones que deixei cair timidamente às bóias que me faziam flutuar nas correntezas do pensar e sentir. Agora, eu submergi sem a esperança de voltar, aliás... esperança? Esse sentimento cristão não me seduz mais! Exigir de si, disciplinar-se antes que outros te disciplinem não é para qualquer um. Pois bem, meus nervos não mais me permitem morrer na fila do açougue sem um berro ou sem uma morte escolhida por mim. É isto que aconselho. Ora, dane-se os ditados populares a sobre conselhos!- são meros jargões! Já estas lendo por conta própria o que bem queres e isso é ótimo. Mas saiba sempre o que realmente procura, ou gastará dinheiro, tempo e saco a toa. Não pises em um bar para afogar as mágoas, isso é coisa de derrotado. Coisa de cristão. Se assim fores, tanto faz segurar um copo, abrir uma bíblia, como engatilhar uma arma. Acredito que isso não é para você, mas como lhe disse: ninguém escolhe por você, isso é com você!
Atualmente tenho passado pela maior carga do pessimismo em todo pensamento humano: A falta de sentido para tudo que fazemos. A saída não é simples, “ já chegou a época de criarmos o que fazer!”. Sabemos que é diferente de procurar o que fazer. É preciso criar um mundo para viver e depois viver neste mundo já que o mundo que foi criado para nós não nos serve nem para remendo de um novo mundo. Entenda como quiseres, mas acho que é por ai. A mentalidade da sociedade que herdamos sem querer é positivista (cada qual ocupa seu lugar como se fosse uma peça de fábrica). Nossos mestres serviram as mais miseráveis instituições, não sabemos mais se estamos dentro ou fora desse jogo, já que tudo é dobrado (parafraseando Guilles Deleuze). Poucos rasgaram o horizonte das fábricas das fábricas para ver um sol que nem estava mais tão aceso assim como as fábulas nos mentiram. Sendo impossível o primeiro exercício, nada adiantaria dizer para as pessoas desligarem as tevês ou anunciar que nossos dias não tiveram valor ou ainda mais, “a minha vida será um sonho agora que não preciso de você!”. A única forma de atingir a maturidade intelectual e sensível é não precisar de ninguém. É a saída para não mais precisarmos dos outros como bengalas e assim ver os outros não como extensão de nós (como propunha Sartre), mas sim ver os outros e saber que eles são enquanto possibilidade de existir.
A nossa história particular, essa que se mescla a narrativa do mundo, é doente... É a esperança ou o carregar em si mesmo uma importância que não estava lá. E quando nos projetamos para o futuro, já estamos todos doentes, já arrastamos fardos pestilentos, defuntos que nada fizeram e nunca farão,quando aceitamos o presente, quando mexemos nossas bocas para isso proclamar, saem sintomas, remorsos, utopias e manufatura de ideais arcaicos, palavras onde por trás existe uma estrutura da impossibilidade, da negação, ALGO PIOR DO QUE A MORTE ANTES DA VIDA CONSUMIDA POR NÓS MESMOS. Por fim, tudo que fizemos por aqui não foi mais do que mero passa tempo, dançamos na sobra do chicote como macacos de circo e exaustos, caímos... rolamos... apagamos...
Então amigo que ainda me atrevo a chamar de amigo, provocarei você mais uma vez. Diga-me, se sua mente não estivesse tão ocupada com futilidades, o que estaria pensando?

"Ajude a si mesmo e todos te ajudaram..."
(... ou mais ou menos isso...)
_Nietzsche
Do seu
r.A.

domingo, 11 de outubro de 2009

...um pouco menos que nada para ser.

No momento que mulheres não passam de vaginas arrebatadas
Por aquilo que chamam de amor...
As mulheres que trepam...
Eu sinto tanta pena delas!
Foram todas enganadas e no fundo, mas bem no fundo, onde se pode revirar-lhe o útero... bem você sabe, elas gostam
E elas sabem do que gostam melhor do que você...

Por outro lado, neste mesmo momento
Mulheres que foram criadas na sombra da moral
Nunca introduzidas às asas de Sodoma
Sofrem com a ausência de toda a introdução... e há tanto a introduzir...

Uma mulher pode estar acima de uma deusa
Ou abaixo do cocô de um cachorro de madame
Depende do ângulo que você a olha...
Quem exagera no ângulo corre o risco de não sentir o gosto de estar por baixo
Ou não sentir o gosto de estar por cima

Aquelas que estão dispostas a se gastar com você valem o tiro
As que se poupam para o futuro
Valem um pouco menos que nada
Para seu homem ela vale um tiro
Para o amante uma gozada ou três!

Para as mulheres inteligentes um pênis é menos que um chiclete de bola
para as burras... bem, elas sabem como se divertir a seu modo!
Toda a estupidez esconde um sorriso em algum lugar
A inteligência não.

Qualquer mulher cabe em seus desejos em seu olhar
Uma mulher que não é uma mulher qualquer
Já não cabe em universo algum

Quando se nasce homem
Você vangloriasse de ter enganado algumas mulheres...
Mas faça uma anotação mental
No fim de uma tarde qualquer
Quando nada te resta além de você mesmo confuso
Se olhar para dentro você perceberá que
Sempre soube o que precisava...
E não se espante se descobrir o que sempre soube
Que não nasceu homem
Que homem é uma invenção das mulheres
E nunca faz jus ao ideal
É um pouco menos que nada para ser...

Mas sejamos justos! Toda mulher tem o homem que merece!

r.A.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

uma oração e uma prece à redutibilidade...

No exato momento em que escrevo e ordeno em desordem algumas palavras que poderiam vir à ser um poema, penso: É só mais um poema.
Um veterinário: É só mais um cachorro doente!
Um dentista: é só mais um dente!
Um médico: É só mais um aidético!
Um padre: só mais um fiél!
Um artista renomado: é só mais uma canção de blues!
Um adminstrador: é só mais um demitido!
Um advogado: É só mais um processo, isso em unissono com um carceireiro de penistenciária: é SÓ MAIS um estuprador!

um garçom que derrama cerveja em um cliente, um padeiro que derruba um pão no chão, uma garota que traí o namorado, uma dona de casa que persegue e pisa sob uma barata, um office boy, um bêbado, um tarado, uma puta, um skinhead, filósofo, psiquiatra
Toreador,
soldado na guerra,
porco,
vaca,
minhoca,
rã...

se levarmos muito a sério corremos o risco de sentir o insuportável peso da existência!
e
o
advogado dorme tranquilo...

(r.A)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

(;{)

...Sempre existe uma pequena máfia do Punk Rock Aonde quer que você vá
Ela é boa pra mim e eu sou bom pra Ela...

PRÓLOGO DE PERGUNTE AO PÓ

John Fante

Pergunte ao pó na estrada! Pergunte às árvores solitárias onde o Mojave começa. Pergunte a elas sobre Camilla Lopez, e elas sussurrarão seu nome. Sim, pois o último a ver minha garota Camilla Lopez foi um tuberculoso vivendo à beira do Mojave, e ela se dirigia ao Leste com um cachorro que dei a ela, e o cachorro chamava-se Pancho, e nunca ninguém viu Pancho de novo também. Você não acreditará nisso. Você não acreditará que uma garota se aventuraria no deserto do Mojave em Outubro sem nenhuma companhia exceto um cachorrinho policial chamado Pancho, mas aconteceu. Eu vi as pegadas do cachorro na areia, e vi as pegadas de Camilla ao lado das do cachorro, e ela nunca voltou para Los Angeles, sua mãe nunca a viu de novo e a não ser que um milagre tenha acontecido, ela está morta lá no Mojave hoje, e Pancho também. Não preciso criar um enredo para isso, meu segundo livro. Aconteceu comigo. Eu estava apaixonado por ela e ela me odiava, e essa é a minha história. Pergunte ao pó na estrada. Pergunte ao velho Junipero Serra no Plaza, sua estátua está lá, assim como as faixas na frente dele onde acendi fósforos, fumei cigarros e assisti a humanidade passar, eu, John Fante e Arturo Bandini, dois em um, amigo dos homens e bichos. Aqueles foram os dias! Eu vagava pelas ruas e as sugava e às pessoas nelas como um homem de mata-borrão. Arturo Bandini, com um conto vendido, grande escritor sonhando grandes planos. Ainda posso ver aquele cara, aquele Bandini, com uma revista de capa verde debaixo do braço, perpetuamente debaixo de seu braço, andando por essa cidade com uma tolerância gentil com homens e bichos, um filósofo, ele era, dos jovens, a história de um escritor que se apaixonou por uma garota de um bar e foi mandado embora.Mas olha, deixa eu tentar contar a minha história. Me apaixonei por uma garota chamada Camilla Lopez. Entrei em um café em uma noite, e lá estava ela, e para sempre, até agora, esta noite, quando escrevo, engasgo quando penso na beleza daquela garota. Ela estava lá, ao meu lado, era uma garçonete em um boteco, me trouxe café e achei o café vagabundo e nós conversamos. Então voltei de novo e de novo, e logo estava tão loucamente apaixonado que me comportava como um bobo, e o tempo todo ela amava outro, ela amava um bartender no Liberty Buffet onde trabalhava, e o bartender não a suportava. Então ela saiu comigo para esquecê-lo, foi a todos os lugares comigo, e eu era maluco por ela, e piorei, e ela piorou pelo bartender. Começou a fumar maconha. Me ensinou a fumar. Pirou. Foi para um hospital psiquiátrico. Ficou lá por um mês. Saiu e eu a vi de novo. Ainda era apaixonada por Sammy, o Bartender. Ele não a tolerava. Ele não a tolerava porque ela era uma simples mexicana e ele era americano e ela estava abaixo dele, e essa é a história - isso é o tema de Ramona, mas dessa vez é um ítalo-americano contando, e ele, Bandini, é compreensivo com a garota, porque sabe como é esse negócio de preconceito social, e ele a ama loucamente e ela não o entende. Ele é um escritor. Ele está sozinho em Los Angeles. Ele escreve sonetos para essa garota. Ela lê os sonetos e joga-os na rua. Pergunte ao pó na rua, pergunte à serragem do Liberty Café, pergunte a maldita serragem suja naquele lugar e ela dirá que recebeu pedacinhos de papel e eles eram meus sonetos, porque ela não queria saber de mim, eu apenas a distraía, ela era louca pelo americano Sammy. Você não acha que eu tenho uma novela? Ouça, droga, conheci Camilla e na primeira noite que estivemos na praia e nadamos nus, e ela nadou para longe, para além da rebentação na Baía de Santa Mônica, nós dirigimos até lá no carro dela, e nadamos, lá debaixo do luar, garota linda, Camilla linda, oh como eu amava aquela garota, e inferno, com que mão imunda ela me tratou, ela pensava que eu era um lunático, que dizia coisas engraçadas, ela nadou para longe, longe demais para uma garota normal, e naquele oceano gelado às duas da manhã, e quando a vi sob o luar, naquela primeira noite, tive um palpite de que ela era o tipo de garota que sucumbia sob pressão social, havia algo sensível e belo sobre hoje e sempre, garota maravilhosa, cabelos negros, pele creme, nadando ao luar, me desafiando a nadar até onde estava, e eu não fui, nadei um pouco e cansei e então ela veio e nos enrolamos em um cobertor na praia e fomos dormir - um casal de garotos nus, mas senti, deitando ao seu lado naquela hora - aquele sentimento de que jamais possuiria aquela garota, senti que de alguma forma ela era veneno e que jamais aconteceria, senti paixão sem desejo, senti sua estranheza, senti em mim com a certeza do peito de minha mãe, essa coisa devorando uma linda garota mexicana que pertencia àquela terra, sob aquele céu, e não era bem vinda. E eu, o compreensivo, o amante de homens e bichos, pergunte àquela areia ao longo da Baía de Santa Mônica se o grande Arturo Bandini foi tão grande amante naquela noite, não não não, porque sentia pena dela como um homem com pena de sua garotinha e não era paixão que sentia mas apenas desejo, e foi só o que houve. Então às cinco da manhã, com o sol subindo ao Leste, dirigimos até Wilshire e ela estava tão satisfeita por eu não tê-la tocado, estava dirigindo o carro, e disse uma coisa estranha e significativa, lembro das palavras exatas, disse, "Essa foi uma noite tão linda. Nunca acontecerá de novo." Mas lá estava eu sempre com a suspeita de ter agido como um bobo, não apenas naquela noite mas em todas as noites em que estive com ela, quando visitamos muitos lugares estranhos e fascinantes nessa grande cidade. Falo de Hollywood com seu blábláblá glamuroso inútil? Dos filmes? Falo de Bel Air e Lakeside? De Pasadena e seus picos quentes? - não e não mil vezes. Digo que este livro é sobre uma garota e um garoto em uma civilização diferente: isso é sobre Main Street e Spring Street e Bunker Hill, sobre essa cidade não longe de Figueroa, e ninguém famoso está neste livro e nada notório ou famoso será mencionado porque nada disso pertence a esse livro, ou estará por aqui muito mais tempo. Isso é Ramona ao contrário. É bom. É eu. Então chamo ao meu livro "Pergunte ao Pó" por causa do pó do Leste e do Meio-Oeste nessas ruas, e é um pó onde nada crescerá, uma cultura sem raízes, uma miserável busca desesperada por entrinchamento, a fúria vazia de pessoas perdidas e desesperançadas, sedentas por alcançar uma terra que jamais pertencerá a elas. E uma garota desgarrada que pensava que os desesperados é que eram felizes, e que tentou ser um deles. Arturo Bandini, eu, grande escritor, com um conto vendido para o American Mercury, a história sempre no meu bolso para provar meu sucesso enquanto eu andava pela Opera House e via os riquinhos entrando, às vezes escorregando da multidão para acidentalmente tocar um xale, só um cara passando, desculpe, moça, e pelas longas horas da noite eu pensava nela, imaginando quem seria - talvez até a heroína da minha grande novela, falando com ela enquanto as luzes do Hotel St. Paul piscavam vermelhas e verdes e jogavam cores em minha cama. Aqueles foram os dias. Pergunte ao pó na estrada, pergunte às teias de aranha em meu quarto no St. Paul, aos ratos pelos cantos do quarto, ah, ratos tão amigáveis, eles eram meus bichos de estimação, porque eu falava com aqueles ratos. "Olá, rato, como está você esta noite, onde estão seus amigos?" Claro, um amigo dos homens e dos bichos, alimentando os ratos para torná-los meus amigos, um grande homem, uma alma generosa, leitor de Thoreau e Emerson, um grande futuro escritor que tinha de ser tolerante, espalhando migalhas para meus ratos comerem à noite com as luzes do St. Paul ligando e desligando e eu deitado olhando-os ir e vir, até que teve que acabar, eles se apegaram demais, eles subiam em minha cama e sentavam aos pés, nós éramos grandes amigos, mas droga eles se multiplicavam como chineses e o quarto era muito pequeno.Falo como um lunático? Então me dê a demência, me dê aqueles dias de novo. Me dê uma novela excêntrica daquele que sentia pena da humanidade, grande pessoa Bandini, realizador de êxitos significativos, o dó de tudo, a cidade absurda à minha volta, sortuda madrasta do meu talento, e acima de Angel's Flight, duzentos passos acima de Bunker Hill no meio da cidade, degraus consagrados, senhor, Bandini os escalou à imortalidade! Um dia, vocês pessoas, seus grunhidores-de-ãrrã¹, esses degraus badalarão com minha memória, e além daquela noite naquele muro alto haverá uma placa de ouro, e sobre ela um busto - a imagem do meu rosto. Estou sozinho agora? Pfff! Minha solidão traz frutos, e haverá uma Los Angeles de amanhã para lembrar que uma voz escalou esses degraus, e Benny, o Mecânico na esquina da Terceira com a Hill chorará de alegria enquanto conta a seus netos que um dia falou com um homem das eras. Daí para meu quarto, para conversar comigo mesmo no espelho. Ou talvez para praticar um pouco para meus dias de fama, para arrumar o espelho em um ângulo, para ver como fico sentado à minha máquina de escrever, o grande em pleno trabalho, respondendo perguntas para a imprensa, piscando pacientemente enquanto os flashes explodem. "Cavalheiros, cavalheiros! Por favor! Meus olhos, cavalheiros - afinal, eu também tenho meu trabalho, vocês sabem." Gargalhadas dos cavalheiros da imprensa. "Jesus, aquele Bandini, um bom sujeito, a fama não subiu à sua cabeça. Igual a qualquer um de nós, caras normais de jornal-realmente um bom sujeito."Pergunte aos corredores empoeirados, pergunte ao saguão empoeirado, pergunte às pessoas empoeiradas no saguão empoeirado do St. Paul, as empoeiradas pessoas cansadas e velhas e prestes a se tornarem pó, aqui para morrer, os velhos caras, o pó de Indiana e Ohio e Illinois e Iowa em seu sangue, para empoeirar e morrer em uma terra desenraizada e empoeirada. Seis anos atrás e tantos já são pó, mas há alguns que lembrarão do grande escritor, nenhum pó em sua boca, na, na, nenhum pó em sua boca, grande mentiroso escritor falando sobre grandes histórias no Saturday Evening Post e provando com um conto em uma revista verde. Grande escritor, freqüentador de sebos empoeirados, levantando revistas empoeiradas e soprando o pó de sua amada história, comprando-as todas para que não se tornassem pó. Sim, pergunte ao pó na estrada. Ho hi ho, grande escritor escrevendo cartas para a mamãe, grande escritor achando difícil, mas olha, mamãe, tenho uma história saindo no Atlantic, no pacífico², então mande cinco dólares, mamãe, mande cinco dólares. Então com cinco dólares, com dez dólares, grande escritor com a revista verde em uma espelunca falando com a loira empoeirada, falando para a grande loira sobre dias melhores. Ela leu "Carissima Mia", de Arturo Bandini? Não, então que pena. Ela leu "Mea Culpa", de Arturo Bandini? Sim, ela leu. Estranho. Porque nunca foi escrito. Mas cinco dólares e dez dólares, lá do pó do Colorado, para ajudar o garoto da mamãe - mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Um livro falando de gente, empoeirada gente selvagem. A verdadeira Los Angeles, Bunker Hill, aquela parte da cidade abaixo de Figueroa, e Arturo Bandini sonhando com dias melhores. As pessoas que cruzaram seu caminho: Marcus, o vendedor de vinho, que me deu um emprego como lavador de pratos porque achava que eu escrevia séries para o SatEvePost. Senhora Adolph Lang com seus gordos peitos rosados que me ofereceu pois era a mãe de Deus e eu deveria repartir o leite da vida. Dave Myers, o comunista na esquina da Terceira com a Hill e sua perna aleijada de onde vendia maconha. As senhoras que eram Escolhidas de Deus e tinham que fazer sacrifícios com Sangue do Cordeiro, mas elas não tinham cordeiro, então mataram um belo gato siamês. O Crioulo gordo que levou Camilla e eu pelo negro e sinistro caminho para a Avenida Central e por umas escadas raquíticas para um quarto em um hotel abandonado onde homens e mulheres jaziam como mortos, e o Crioulo gordo jogando-os para fora das camas, abrindo os colchões e nos vendendo maconha das fendas nele. Mais tarde, em meu próprio quarto, fumamos a maconha. Um cigarro, nenhum efeito. Dois. O quarto turva. O corpo de Arturo flutua. Ele está acima do chão, uma polegada, duas. Para o alto e para o alto e oh, mundo absurdo, Camilla absurda, e Arturo riu e riu, mas Camilla não, sua boca amaciando, saliva branca como fios de seda grudados em sua boca lasciva, abrindo suavemente para dizer seu nome, Arturo, Arturo. Sim e amém. Coisa grande. Jesus, que novela! As duas lésbicas tocando piano no Embassy, tocando valsas de Strauss para Camilla enquanto Arturo fica puto e cospe cerveja no piano e no cabelo da violinista. Os pintores bêbados do estúdio acima, os pintores desesperançados, escola de S. McDonald Wright, o último vestígio de um movimento de pintura para unir o Leste e o Oeste. As centenas de clubes vagabundos na Quinta Avenida, cravejados de belas mulheres, garotas escrevendo para casa em Iowa e Indiana, contando que estavam acontecendo, acontecendo na cidade grande, pfff, elas não estavam acontecendo, estavam fodendo tudo e todos, filipinos e japas e crioulos em um lugar abundante em beleza excessiva. Ah, aqueles clubes, onde aprendi a vagar e perder tempo, às vezes com dinheiro de outro conto vendido, às vezes falido, freqüentemente pegando dinheiro emprestado das garotas. A pobre caixa da igreja do velho Plaza, de onde roubei 60 centavos porque eu era pobre, não era? A pista de dança filipina onde os tiras davam batidas atrás de drogas, os tiras correndo, as luzes apagando, os tiras gritando e lutando loucamente na escuridão, e os filipinozinhos calmos escondidos nos cantos escuros, sacando suas lâminas com a rapidez de balas de metralhadora nas pontas de seus dedos e esfarrapando os rostos dos tiras. Os fantásticos e os estranhos e os bonitos: um dia uma mulher bela demais para este mundo veio e em asas de perfume, não pude suportar, não pude me segurar e a segui, quem ela era eu nunca soube, mulher em uma pele de raposa vermelha e um chapeuzinho atrevido, andando atrás dela porque era melhor do que um sonho, vendo-a entrar no Bernstein’s Fish Grotto, observando-a em transe pela janela a nadar com rãs e trutas enquanto comia e quando acabou o garoto entra no Grotto, senta-se na mesma cadeira em que ela sentou, toca o guardanapo que ela usou, porque ela era tão linda e - apenas uma tigela de sopa, garçom, não estou com muita fome, apenas uma tigela de sopa por quinze centavos. Amor em um instante, uma heroína de graça e por nada, para ser lembrada através da janela entre trutas e rãs. A Fome de Hamsun, mas esta é uma fome de viver em uma terra de pó, fome de ver e fazer. Sim, A Fome de Hamsun. Clarence Melville, o veterano de guerra hispano-americano bêbado, morava ali na frente. Ele tinha um quarto mais barato, sem serviços. Ele também estava cansado de laranjas. Ele tinha um carro. Entramos nele uma noite. Ele sabia onde conseguir carne. Dirigimos até San Fernando. Estacionamos o carro. Rastejamos por baixo do arame farpado até o pasto. Andamos na ponta dos pés até o celeiro. Lá estava o bezerro. Clarence bateu-lhe na cabeça com uma marreta. Arrastamos a coisa ensangüentada até o carro e voltamos para Los Angeles. Arrastamos de volta para seu quarto. Deus, que noite aquela! O bezerro não morria, não importava o quão forte batíamos. Então o sangue no chão, no tapete, nas paredes, na banheira. Não comi nada daquilo. Sangue no saguão, e a polícia veio. Encontraram Clarence em seu quarto, carneando o bezerro. Ele pegou sessenta dias, e o tempo em que esteve em julgamento e preso, fiquei em meu quarto, passei boa parte do tempo rezando, não para Hamsun ou Heine, mas para Nosso Senhor Jesus Cristo. Salve-me, Senhor, sou inocente.Pergunte a Camilla Lopez. Pergunte a ela. Conte a ele, Camilla. Conte a esse editor cabeça dura sobre nós. “Bom, olha só, meu nome é Camilla e Arturo me amava, e eu o achava tão bobo, ele me escrevia sonetos e eles não faziam sentido. Mostrei-os aos advogados bêbados no Liberty Buffet, e eles riram, então você vê que ele era bobo porque até os advogados riram. Uma vez eu falei, disse, Arturo, quero ser esperta como você. Então ele me comprou uma cartilha, isso foi logo que nos conhecemos, ele comprou uma cartilha e me disse para aprender cinco palavras por dia, e eu aprendi - no primeiro dia - mas ele não era como Sammy, o Bartender. Oh aquele Sammy! Que olhos tinha aquele Sammy, e ele era um homem, não um escritor bobo, não um maricas, e eu amava aquele Sammy, e ele me odiava, oh Deus ele me odiava. Porque eu era mexicana, ele me chamava de “mexicanazinha”, ele me chamava de “sebosa”, ele me magoava tanto. Mas ele! Esse Arturo, ele me disse para ter orgulho de ser mexicana, e até disse que os dóceis herdarão o mundo, Jesus, eu não queria o mundo, eu só queria o Sammy e joguei a cartilha na cara dele, porque gosto que homem seja homem, não gosto de homem que é só palavras, palavras, palavras, era tudo que ele era, esse Arturo, pergunte à cama onde dormimos, cinco vezes lhe dei sua chance, mas ele nunca me tocou e eu balancei meu cabelo e ri e disse, Arturo, você não é homem, tem algo errado com você, porque você não é homem. Mas eu nem queria ele mesmo, nem liguei, eu queria esquecer Sammy, e tinha Arturo na cama e ele estava chorando, dizendo que não sabia mas que não conseguia, ele me amava tanto, ele me amava tanto. Eu ia para seu quarto no St. Paul Hotel, jogava pedrinhas na sua janela, e ele me puxava pra dentro, e eu ficava, porque sabia que ele não me tocaria, então eu o odiava porque ele ficava falando que eu deveria ter orgulho de ser mexicana, daí eu o desafiei a me tocar, levantei meu vestido e joguei em sua cara e ele sabia tanto e era tão esperto com as palavras, ele corou e disse por favor, não faça essas coisas, Camilla. E quando fomos na galeria de tiro na Main e atiramos em pombos de argila, quantos eu derrubei? Todos! Todinhos. E ele? Ele errou todos! Não acertou em um - mas Sammy não era assim, Sammy também derrubava todos. Nós passeávamos de noite, Arturo e eu. Passeando pela Terminal Island, por San Pedro, e eu gostava de umas coisas malucas, como montar em um caminhão de óleo, mas o Arturo subia? Não ele não subia, não ele dizia que era absurdo, era assim que ele dizia, mas o caminhoneiro não achava, não, o caminhoneiro riu, e eu deixei o Arturo lá e voltei com o caminhoneiro. Então ele aparecia no Liberty depois daquilo, choramingando pra me ver e me dando um poema mas ele me deixava tão furiosa porque ele não era como Sammy, mesmo que Sammy me batesse, mesmo que Sammy me chamasse de mexicanazinha. Mas às vezes ele era fofo, às vezes ele me dava flores, me deu uma flor de cada vez e dizia que eram camélias, como meu nome, então eu acho que aprendi algo com ele afinal de contas, porque não sabia que aquelas florzinhas brancas e cor-de-rosa tinham o mesmo nome que o meu. Mas eu nem ligava muito, elas não tinham metade do cheiro bom das gardênias.”E eu, Bandini, destruído e rastejando no pó, para morrer logo. Então escreva uma carta de suicídio, Bandini, escreva uma das boas - uma das longas para Camilla. E assim foi feito, uma longa carta de suicídio escrita com um coração partido, as lágrimas caindo entre as teclas através da longa noite em que escreveu, então ele dormiu em sua cadeira e rastejou até a cama, cansado demais para cometer suicídio. E de manhã, no café, leu sua carta de suicídio e rapaz, era doce! Oh rapaz tudo que ele precisava era um título e achou e despachou pelo correio e em alguns dias havia um cheque e um bilhete do editor da revista verde: “Caro Bandini - esse é um dos melhores textos que já lemos. Estamos contentes em tê-lo e esperamos que nos mande mais. O cheque está em anexo.”Bandini, grande humorista, correndo Angel’s Flight abaixo para mostrar a história para Camilla: olha, é maravilhosa, muito engraçada. Uma nova face do meu talento: sou um humorista! E ela leu e riu, e ele morreu a morte que esqueceu de morrer naquele noite, pois esperava que ela visse a tragédia, mas não, até ela achava engraçado.Pó em minha boca, pó em minha alma, tão longe dos empoeirados para o mar verdinho, com uma garota de vestido verde para Long Beach para um quartinho em Long Beach olhando o mar, e a noite toda uma garrafa de gim e a garota vestida de verde, chamando-a de Camilla por engano, até que ela gritasse; “Pára de me chamar de Camilla! Meu nome é Doris, não Camilla.” Dormindo com a de verde, fingindo ser Camilla, aquela noite inteira e o dia inteiro perto do mar - 200 por outra história e terei minha Camilla do meu jeito, porque eu te fiz Camilla do meu jeito. Aquele dia inteiro e no fim da tarde uma paralisia de morte sobre a terra, um silêncio sussurrado de pó enfurecido e de repente o quarto está oscilando, a casa está desmoronando, as paredes rugem, o pó sobe, as mulheres gritam por todos os lados e quando chegamos à rua nenhum pássaro voa, não há crepúsculo naquela tarde de março, apenas pó do terremoto e no pó e nas ruínas os mortos espalhados e eu entrei em pânico, a terra convulsionando de ódio pelos meus pecados, porque a terra me odiava e a todos nós, os mortos debaixo de lençóis ensangüentados nos gramados, os pássaros sumidos, e pó sobre a terra. Então correndo para Los Angeles, esperando que ela esteja morta, esperando que Camilla esteja entre aqueles que voltaram ao pó. Mas um grande homem deve perdoar, então o grande homem sentou em seu quarto e ponderou sobre a alma atormentada de seu amor e condenou-se por sua vergonha - ela não era mais culpada que qualquer boa garota americana seria por gritar sua aversão pela vulgaridade e brutalidade da lower Main Street. Uma carta de desculpas era necessária, a ser escrita com palavras bem escolhidas e em pena e tinta sobre papel branco e simples, assinado com todos os floreios de uma assinatura cuidadosamente praticada. Antes tarde do que nunca, uma carta cuidadosa não admitindo seu grande amor e terminando com “cordialmente”.Mais algumas noites e de novo o barulho das pedrinhas na minha janela e ela estava lá embaixo sorrindo, ela perdoou e esqueceu e para provar sua generosidade, dormiu comigo enquanto eu revirava e estremecia de desejo sem paixão. Então os dias trouxeram a mudança de Camilla, a perda de suas carnes, os olhos enevoados, a lassidão, as mentiras, mentiras, mentiras. A noite em que apareceu com um olho roxo: um acidente de carro, ela disse. Então Sammy pegou tuberculose e teve que ir para o deserto e ela o seguiu até lá e ele a repeliu, disse para que ficasse longe dele, que queria ficar sozinho e morrer sozinho na cabana que construíra à beira do deserto. Sammy, meu inimigo, ele também tornou-se escritor e ela trouxe suas débeis histórias estúpidas para mim, “porque você é esperto, Arturo, você pode ajudar Sammy a virar um escritor.” E eu li e ri da diversão que teria destruindo-as em pedacinhos e foi o que fiz: três histórias ele mandou e frase por frase eu as destruí em pedacinhos, disse que ele deveria ter continuado sendo bartender, mas um grande homem deve ser amigo dos homens e animais, então rasguei as cartas e as reescrevi, fazendo meu melhor, dando o que achei que seriam conselhos, e ele começou a me escrever do deserto, aquele Sammy estúpido, mas no fundo ele era um cara legal, um insignificante de sangue frio, sempre se referindo a ela como “a mexicanazinha”, contando que ela era uma bela trepada e que seria minha se a tratasse direito. “Trate-a mal, Bandini, trate-a como se fosse sujeira debaixo de seus pés, como o pó na estrada, chute-a e ela se enroscará em volta do seu pau e morrerá lá.” E esse era o cara que Camilla amava - esse era meu rival. Então porque não? Segui o conselho de Sammy. Ela veio uma noite e Bandini estava esperando. “Olá, sua imbecil, de qual beco você veio dessa vez?” Seus olhos se arregalaram, seus lábios sorriram e ela ficou estranhamente quieta enquanto Bandini continuava: Estou ocupado aqui; se você veio para tomar meu tempo, cai fora. E funcionou! Então entendi que ela não queria ser tratada como uma rainha, como um amor de verdade, como o sonho de Cabell de mulher perfeita. Ela estava acostumada com rudeza e tinha medo de admiração. E isso me enojou, me deixou doente, e eu a expulsei, levei-a até a porta pelo braço e disse para que fosse embora e nunca voltasse. Ela foi embora delirando de desejo, pronta para cair ao pó sob meus pés. Deus, que lamentável Bandini naquela noite, sua rainha preferindo ser uma escrava. Então a noite em que fumamos maconha. No chão, pés, fiquem no chão, meus pés, mas eles flutuaram e eu estava a um palmo do chão, dois palmos e não conseguia descer e ela era tão absurda, seu corpo era tão fantástico, sua beleza era algo para se rir - e essa foi a noite de paixão sem desejo e uma sedução de Baudelaire e DeQuincey. Mas acabou tudo para nós, ela foi embora e eu deitei na cama e meu corpo não descia, mas à medida que o efeito passava, minha cabeça doía um pouco e senti algo que não sentia desde a infância, a necessidade de confissão, de castigo, de punição, porque eu tinha estragado um sonho e quebrado uma lei de Deus e dos homens. Ainda meus pés flutuavam, ainda aquele sentimento de estar fora da terra, ansiando retornar, e peguei um jarro de água, quebrei no chão e caminhei sobre os estilhaços de vidro até que o êxtase do castigo desbotasse e fraquejasse e que eu parasse antes de tombar. Essa foi a noite em que manquei até uma igrejinha católica na quadra mexicana e passei longas horas sentado em silêncio, tentando reorganizar minha vida, fazendo planos e promessas de ser um homem melhor. Sempre um homem melhor, essa era a idéia com Arturo Bandini, ser um grande homem, acima do pó da estrada, amante dos homens e dos bichos. Não mais pecar. Os dias passaram e eu trabalhei duro e como sempre acontece comigo, quando trabalho duro há sucesso. Chega de Camilla, fiquei longe e ela não voltou para jogar pedrinhas na minha janela. Três meses se passaram e a sorte e o trabalho uniram-se subitamente para mudar o curso das coisas e uma peça que escrevi foi comprada pelo cinema e eu ganhei quase $10,000. Então o grande homem compra novos ternos e perfuma-se e em um luxuoso coche volta à cena de suas batalhas anteriores, para conversar naturalmente com Benny, o Mecânico e dar-lhe cinco dólares para seus filhos. “Lembranças a sua esposa, Benny. Diga que lembro bem dela.” Visitar Marcus, insistindo que devo-lhe 10 pratas, ele insistindo que não, forçando-o a aceitar, repreendendo-o por sua memória ruim, contente em pagar 10 dólares por tal triunfo, um homem honesto, um grande homem, acertando velhas contas.Então a última parada. Mas ela não está lá, outra garota está em seu lugar e o mundo está subitamente solitário e o sucesso de Bandini é vazio e incompleto. Mas ela tem que saber. Se ELA não souber, então não aconteceu. Mas todos estão taciturnos e ninguém sabe o que aconteceu a ela. Um suborno para a nova garçonete e consegui seu endereço. Eu vou até lá, conheço sua mãe - uma mulher como a minha mãe, doce mulher de coração partido vivendo em um barraco na quadra mexicana, mulher de rosto trágico dizendo-me que Camilla foi levada para Patton, o hospício. Choramos por isso e vou embora para Patton, mas eles não me deixam vê-la. Um mês depois ela é solta e vejo uma garota fantasma, terror em seus olhos e a solidão machucando. Queria uma coisa de mim - será que eu compraria um cachorro pra ela? E assim foi feito. Nós o chamamos Pancho e ela estava feliz com ele e nada mais, dormindo com ele, falando com ele, garota fantasma cuja fantasmice era uma doença e com o passar dos dias Pancho também virou um fantasma, um cão estranho com o olhar faminto e solitário como o de sua dona. Sempre ela chorava, sentávamos embaixo de um eucalipto em seu jardim e as lágrimas incontáveis caíam, Pancho uivava e seus olhos também pungiam, e eu soube que ela ainda amava Sammy. Então um dia chegou uma carta dele do deserto, queria que eu fosse lá e a pegasse e seu maldito cachorro, ela rodeava sua cabana como um mendigo pedindo migalhas de amor, ele não a suportava, que eu fosse lá buscá-la. Dirigi 100 milhas até lá. Ela se foi. Seu ford amarelo detonado, os pneus murchos, estava estacionado na estrada poeirenta em uma floresta. Onde estava ela? Sammy não sabia. Ele a mandara embora, jogara pedras no cachorro, ele estava cheio dela e não queria nem saber. E é isso, ninguém sabe. Seu carro ainda está lá, desnudado de pneus, tudo removível foi roubado. Ela se foi, engolida pelo deserto. Talvez alguém tenha a recolhido e levado de volta para o México. Talvez ela tenha voltado para Los Angeles e morrido em um quarto empoeirado. Tudo que sei é que ela se foi, o cachorro se foi, e não sobrou nada além da sua história que eu quero contar.

domingo, 28 de junho de 2009

gAlÕeS dE tInTa...

À noite já não me abraça como outrora...
E eu estava em um bar, e não conseguia evitar que a meus ouvidos chegasse
O papo de dois aspiras a artistas
Que diziam da importância do renascimento.

Eu pensando em manchas de sangue, em gritos ensurdecedores, em duchas de motéis baratos, em baratas que dançam na boca dos mendigos bêbados,
Na minha incapacidade de impedir o pó que toma conta do meu quarto...

E lá se ouvia:_sim, o renascimento! Ou:_é, o renascimento!
Meu Deus gay, renascimento!
E todos mortos e andando como um cachorro arrastado para o inferno pelos vermes

E eu:_NÃO!
E eles param.
E eu armo minha maldita risada, minha ironia saída de um caixão lilás...
Me defendo como um boxeador,
Saltitando de um lado para o outro com os punhos na altura da cabeça
E pós alguns segundos um olha para o outro e sussurra o maior de todos os segredos da existência, aquilo sem o qual nenhum ser humano na face da terra sentiria alguma fricção de angustia, dor, e vômito seco se não sêmen acumulado em escrotos promíscuos...
Segue:_sim, renascimento! Ou:_Oh claro, renascimento!
Em baixo do meu nariz o pescoço de uma garota com cheiro de pescoço de uma garota e nada mais. Olho para esse pescoço esperando que ele me diga renascimento e ele não diz e eu agradeço a qualquer coisa por ter esse pescoço e mergulho nele como um vampiro. Era isso que eu procurava nas noites!

Melhor sempre foi deitar com uma mulher, olhar para o teto e ouvir as histórias de sua vida, as lembranças que lhe asseguram o caráter humano. Melhor que um livro, melhor que um poema,
Melhor que uma rena cimentada...

Por mais que eu mude de cor como um camaleão eu saberei por que fui cruel essa noite e eles não.





r.a.
As cores e os olhos das pessoas
As coisas que tentam esconder de si mesmas
Tudo isso espalhado pelo ar e voltando para mim
Eu não gosto de sentir assim, mas aqui esta...

Fotos em todos os cantos
Em todas as janelas
Em todas as portas
Tudo se conserva assustador como sempre...
Para sempre?

Eu ainda me espanto...Mas não tanto

Um dia alguém nos disse que teríamos de expor nossas felicidades
Nossas tristezas
Tudo do melhor ângulo, na melhor pose...
E eles dizem festa e logo abaixo caras
Terríveis...
E eles dizem família
E todo mundo abraçado com um sorriso falso e amarelo...
Fora os que escrevem “amor & ternos”
Ou
EU
Uma morte deliberada e esculpida no gelo.

r.a.

Eu penso no sangue derramado

Acordado olhando pela janela do meu quarto
Com a insatisfação de uma vida que nem sei o quanto durará
Até o portão talvez...
Até o sol dar a sua volta.

Sons na minha cabeça
Como as lágrimas de uma mãe em um noticiário
Com seu filho ensangüentado no colo

O último na madrugada?
Sem sinal da cruz, sem sinal algum...

O cantar fraco de um galo fraco
Passos rápidos nas pedras da rua escura
Luz do poste
Olhando para as mãos...

Seria eu responsável por esse sangue?
Peso
Dor
Hospital para mim e para nós...
Mais um novo noticiário matinal
Marginal
eu

responsável
dor
dor
dor

Uma linha de tripa que nos liga como telefone sem fio



r.a.

:]

Um ser que esta sorrindo
Olhando para todo o horror que fizeram desse mundo
Só pode ter um desses dois problemas:
Ou esta sobre o efeito de um grande anestésico
Ou
É seu namorado.

Dos dois eu prefiro o segundo problema
mas você esta longe... ai eu persigo o primeiro
Ambos me levariam ao túmulo
Porque tudo leva ao túmulo...

Eu sou tão teimoso que certamente me recusarei a morrer quando for minha hora!
Crie raízes e fique grudado no chão
Firme e imóvel
Como as letras do seu nome.

r.a.

domingo, 12 de abril de 2009

FILOSOFIA E COTIDIANO

Que relação pode ser estabelecida entre a filosofia e o cotidiano? O filósofo esloveno Slavoj Zizek responde. E, surpreende. Num livro publicado pela Martins Fontes, Arriscar o impossível, que pode ser encontrado na biblioteca da Unochapecó, ele afirma que a era da biogenética e do ciberespaço é a era da filosofia. Estamos no coração do coração da nossa época. No entanto, por que continuamos nos referindo aos estudos filosóficos como contemplativos? A resposta de Zizek vai na direção oposta a esse entendimento. Ele afirma que não há como achar o próprio caminho, na própria vida cotidiana, sem responder a certas perguntas filosóficas. “Acho que a filosofia não pode mais desempenhar nenhum de seus papéis tradicionais, como estabelecer as bases da ciência (...) e assim por diante”. No lugar disso, ela deve cumprir sua tarefa de questionamento transcendental. Um questionamento transcendental, em primeiro lugar, pode ser definido como um tipo de questão que diz respeito a todos e, ao mesmo tempo, um tipo de questão que está presente o tempo todo. Por quê? Com os avanços tecnológicos, na biogenética, por exemplo, nos confrontamos com perguntas que dizem respeito ao livre-arbítrio, à idéia de natureza e do ser natural, à identidade pessoal, só para citar algumas das questões suscitadas nos atuais debates sobre uso de células-tronco de embriões humanos. Em nossa época, nos deparamos cada vez mais com problemas que são de natureza filosófica.
Por outro lado, se quiséssemos determinar quando começou a vida humana, também nos emaranharíamos em um questionamento transcendental, agora num sentido diferente. Teríamos, frente a esta questão que até hoje não recebeu resposta unívoca, que nos perguntar o que entendemos por “vida”, e arriscar uma definição. Então, perceberíamos que uma das condições de possibilidade para responder à pergunta sobre a origem da vida é a própria compreensão que temos do que seja “vida”. Logo, já não estamos mais determinando biogeneticamente um momento “X” que seria a gênese. Estamos abordando significações, tais como o que é a dignidade humana, responsabilidade moral. Ora, estas eram perguntas filosóficas. Hoje são perguntas cotidianas.
Assim, uma coisa é dizer que o tempo da filosofia especulativa passou; outra, bem diferente, é dizer que o tempo da filosofia tenha passado. Mas do que nunca, afirma Zizek, a filosofia tem um papel a exercer.
Vamos tomar outro exemplo, neste caso das pesquisas em ciências cognitivas. Como surgiu a consciência? Em termos evolutivos, será que a consciência emergiu para se explicar a si mesma? Zizek explora a visão de Stephen Pinker em Como a mente funciona, que defende a teoria de que não há nada de misterioso no fato de não podermos explicar a consciência, porque ela surgiu para lidar com problemas instrumentais práticos de sobrevivência, como se relacionar com outras pessoas, com a natureza, etc. Uma visão semelhante pode ser encontrada em Friedrich Nietzsche, em Verdade e mentira no sentido extramoral, que afirma que seres delicados como nós desenvolveram a consciência como forma de sobrevivência, assim como outros animais desenvolveram garras e chifres.
Contudo, ainda não respondemos a questão. Zizek chama outro filósofo em seu auxílio: Heidegger. Este afirma que o que caracteriza o ser humano, no sentido de ser um ser-aí e um ser-no-mundo, é que ele é um ser que faz perguntas sobre o seu próprio ser, que se autoquestiona. Em outras palavras, o horizonte de compreensão próprio do mundo humano é ativado através do autoquestionamento de seu próprio ser. Parece um círculo vicioso, mas não é. O homem é o único ser para quem seu próprio ser não é dado, mas precisa ser compreendido.
Assim, a relação entre filosofia e cotidiano pode ser compreendida facilmente enquanto um espaço de construção do conhecimento que não conhece fronteiras fixas. A arena dos debates filosóficos de ontem, onde se ouvia o rumor das armas argumentativas confinadas aos muros das escolas, transformou-se hoje, no laboratório-mundo, num debate de interesse global, pois neste grande experimento social que é o mundo ou entramos como agentes compreendentes e propositivos, ou nos recusamos a isso. Mas isso também é uma compreensão. E uma atitude.

Autor: Flademir Roberto Williges

segunda-feira, 6 de abril de 2009

ARCTIC MONKEYS- FLUERESCENT ADOLESCENT

http://www.youtube.com/watch?v=ma9I9VBKPiw

25 centavos...

Nada mais típico para um homem apaixonado do que ser desmascarado frente a sua insignificância para quem ama. Coisas que as pessoas fazem o tempo todo com um cara assim doem vinte cinco vezes mais quando é uma pessoa amada quem faz. Um dia, depois de tanto você espernear e chorar tua mãe te pega pela mão e te leva ao cinema para você assistir um filme de faroeste. A imagem daqueles caras grotescos, com cigarro no canto da boca, chapéu, olhos semi abertos, uma arma oculta em baixo de um casaco, rápidos e precisos, sem amor e nem família não lhe sai da cabeça nunca mais. Para 97,8% dos homens essas imagens não fazem sentido de imediato, mas você não é nem semelhante a 97,8% desses homens fracotes. Você anda pela rua, estica o dedo indicador e comprime os demais e mata metade da cidade na sua cabeça até chegar em casa e quando sonha mata a outra metade. Acorda com os olhos semi abertos e cobertos de remelas e tem de ir para a escola e quando olha para a professorinha sabe que ela não pode amá-lo justamente porque você veio de uma cidade do deserto, é um pistoleiro frio e bebe leite envenenado no recreio. Seus colegas riem de você, mas você não tem tempo para se importar com isso. Sobe no seu cavalo chamado “cabo de vassoura” e volta saboreando uma marcha até em casa. Sua mãe te serve o almoço porque no fundo está morrendo de medo de você. Você almoça encarando um sujeito criminoso que senta ao lado dela e decide poupar a vida dele. Fuma um pedaço da prova de matemática apagada, sua mãe lhe dá um beijo no rosto e você senta na frente da t.v. para assistir desenhos de macho.
Você chega na adolescência e troca o leite gelado por um beijo de uma garota. Ela comenta com as outras garotas e você se sente o cara ao mesmo tempo que aposenta o seu cavalo chamado “cabo de vassoura” porque é inadequado e nada mais. Chega atrasado para o almoço e sua mãe lhe chama de mal educado e pergunta para um crucifixo:_ele esta se tornando um rebelde. Onde foi que eu errei? Você diz:_menos mãe! E vai para o quarto e lê um gibi de cowboy para manter a pose que até agora esta funcionando. Você suporta esses anos todos treinando duro para continuar assim. Sem amor nem piedade.
Depois você já esta adulto. Trabalha como um imbecil por alguns trocados e beijar mulheres fica um pouco mais perigoso. Nas férias você conhece uma garota bonita e se apaixona por ela e toda essa bobagem de faroeste é coisa de criança e no fundo você já sabia disso. Era tudo um faz de conta! Marca um encontro com essa garota que jura que te ama. Ela não aparece e você se sente muito mal. Olha para os lados e parece que todo mundo percebeu que você é um idiota. Você espera mais um pouco e lembra dos caras grotescos com cigarro no canto da boca, chapéu, olhos semi abertos, uma arma oculta em baixo de um casaco, rápidos e precisos, sem amor e nem família e descobre que em algum lugar da vida esqueceu que era assim que deveria de ser. Você finge que espirra para enxugar uma lágrima que escapou do canto do olho. Olha em volta e imagina que todos agora tem certeza que você é um idiota.
Ai você coloca a mão no bolso. Tem 25 centavos ali. Você imagina que isso deve ter acontecido com outros como você. Coloca a moedinha no chão e pensa: se isso acontecer com mais alguém que vier até aqui, vai achar essa moedinha pelo menos. É isso que vale esquecer os filmes que esperneou e chorou para ver.
Nada mais típico para um homem apaixonado do que ser desmascarado frente a sua insignificância para quem ama.


r.a.

PARA QUE DIABOS SERVEM AS ARANHAS?

Você nunca adivinha o que te aguarda embaixo da cama, em uma gaveta que há anos não abria e dentro de um tênis que jogou em um canto e não usou mais. Por mais que você acredite que conhece o mundo sempre tem um mundo que você morre sem conhecer. Você ainda não parou para pensar o que pode te aguardar se virar uma pedra no seu quintal ou se meter o dedo dentro daquele tijolo no gramado da frente da sua casa. Você não sacode a jaqueta antes de vestir e sua cama não é tão segura assim mesmo elevada do chão... eu me sinto em uma constante ameaça e por isso não me descuido nunca! Sou como um soldado bem treinado que nunca abandona seu posto de vigília, não revelo segredos para inimigos e nem me distraio nunca...
_Ô distraído! Para de desenhar no caderno e acompanhe a turma para a palestra!
_que palestra professora?
_ eu estava até agora falando para as paredes é? Não ouviu que eu estava falando que hoje teríamos uma palestra sobre o trânsito depois do intervalo?
_aposto que uma boa parte de mim ouviu!
_então arraste essa boa parte de você para o refeitório que todos já desceram para lá... Deixe essa porcaria desse desenho ai garoto, acorde para a vida!
É na noite fria e escura que esse mundo que você nunca imaginou existir sai para se fartar sobre toda a racionalidade humana mergulhada em torpezas...
_LARGA ESSA CANETA GAROTO!
_ta bom professora! Estou descendo!
_ANDA!
_sim sim, to andando... olha minhas pernas se mexendo, são uma graça né?
_É PARA O OUTRO LADO SEU... MEU DEUS DO CÉU!
_ok ok foi só um descuido, não precisa se desesperar professora!
E acreditamos que estamos no topo da cadeia alimentar. Com nossas máquinas, armas, agilidade mental, religiões, políticas e existe uma população a nos espreitar. Esperam nosso menor deslize, nosso menor descuido para...
_O QUE VOCÊ TEM GAROTO?
A professora da um puxão na alça de minha mochila de modo que entro tropicando no refeitório do colégio. Para o lado direito um policial aparentemente interrompido no auge de seu raciocínio me olhando com os duros e pesados olhos da lei. Aponta para uma cadeira vaga um pouco longe do agrupado de alunos rindo possivelmente de mim. Ajeito a alça da mochila sobre o ombro e vou me sentar em uma cadeira, obviamente como sou teimoso em outra cadeira sem ser a que os olhos da lei me indicaram e as pessoas tornam a apontar para mim e rir. Eu não dou bola, aliás, tento não dar. Tiro da mochila um caderno e uma caneta.
_você não tem jeito mesmo né? Me da aqui essa caneta! A professora sussurra me tirando a caneta das mãos e observando o desenho que eu estava a fim de prosseguir. Os olhos da lei prosseguem a sua fala:
_como eu ia dizendo, temos de tomar muito cuidado com o trânsito.
Olho para uma colega que me devolve o olhar com um sorriso. Ela tem aparelho nos dentes e isso me lembra um pequeno trilho de trem. Seu cabelos escorridos e dourados deixam sua testa um pouco maior. Magra e com seios grandes. Pernas finas e uniforme tosco do colégio. Ela acena para mim e uma pergunta que salvaria minha vida me vem à cabeça naquele momento.
_tem uma caneta para emprestar?
Ela me alcança uma caneta azul.
_não, não pode ser azul! Eu só desenho com caneta preta...
A maldição da professora vem em minha direção com uma cara de quem chupou limão ou nunca foi chupada na vida.
_... eu só desenho com caneta preta quando posso...Digo com uma voz de derrotado.
_me da esse caderno antes que eu tenha que te mandar para a direção!
Os olhos da lei continuam pousados em mim e agora acompanhados por uma cara alemã vermelha como um tomate. Sua mão estala assustadoramente centímetros acima de uma arma oculta por um coldre preto. Os coleguinhas apontam para mim e riem como doidos e eu tento rir junto como se achasse graça disso tudo também.
_se eu puder falar sem ser interrompido... Digo-lhes que assim que saem do colégio tem de atravessar na faixa de pedestres. Os motoristas têm por obrigação de parar o carro se vocês andarem na faixa de pedestres.
Eu olho para a professora que agora senta em uma cadeira atrás da minha de modo que possa me observar. Olho para meu caderno na sua mão... Como queria poder continuar meu desenho... Ok Deus, é o seguinte cara, quero terminar aquele desenho. É possível a gente negociar? Faço o que você quiser se aquela mulher ali de cabelos curtos, seios pequenos que ela tenta disfarçar com enchimentos, pernas finas, parece que todas as mulheres nesse colégio têm pernas finas... magricela, possivelmente usa aquela aliança no dedo como disfarce porque homem nenhum se casaria com uma coisa dessas, vestido marrom, calcinha verde, sim dá para ver a calcinha dela daqui e dentes cavalares, nada contra os cavalos, mãos com tremelico, cara de cavalo, já disse que não tenho nada contra os cavalos mas a cara dela é uma ofensa aos cavalos que não tem culpa de serem cavalos e ela é culpada por ser feia desse jeito e aposto que o senhor já a puniu o suficiente, sandálias verdes que parecem dois bessouros, quem ela pensa que engana com aqueles enchimentos? Me devolva meu desenho e minha caneta. Aproveito para pedir que ela caísse um tombo depois e que não morra, mas sofra bastante. Juro senhor Deus pai todo poderoso e criador de todas as pernas finas e seios pequenos do mundo e cavalos que me parece que gostam de ser cavalos e em hipótese alguma gostariam que eu os comparasse com essa mulher ai e por isso peço perdão a todos os cavalos vivos e mortos do planeta, juro e pode me cobrar mesmo cara que faço qualquer coisa fora parar de desenhar, beber cerveja e refrigerante de uva, nunca me obrigue Deus a casar com um gay chamado Geraldo e deixe os gays no canto deles e eu no meu. Juro que faço fora desistir de querer traçar a irmã do meu melhor amigo e a mãe dele se possível, fumar, tirar sarro das pessoas quando tiver boas piadas, ouvir nirvana, e amém! E se você me mandar para o inferno por isso saiba desde já que você não tem senso de humor.
Olho para o meu caderno e minha caneta e não acontece nada. Ou eu ofendi Deus e não sei da onde ele tiraria uma calúnia para denegrir minha já denegrida imagem ou ele não existe. A professora esta olhando diretamente para o volume no meio das pernas dos olhos da lei e esta se lambendo toda. Pelo visto minha oração tomou tempo demais e a palestra já esta chegando ao fim...
_E como vocês já sabem agora alunos, atravessem sempre na faixa de pedestres porque é o correto a ser feito quando saírem da aula e ninguém aqui quer fazer o que não é correto, caso o contrário estariam fazendo o que é errado e fazer o errado além de não ser o correto não é legal para ninguém. É um erro e um erro que terão de carregar como uma mancha negra em suas vidas para sempre. Muito obrigado pela atenção!
As pessoas aplaudem e quando me dou por conta até eu estou aplaudindo e querendo desenhar ainda. Agora que acabou essa tortura toda ela será obrigada a entregar meu caderno e minha caneta e eu poderei desenhar e ser feliz para sempre a não ser que...
_Alguma pergunta?
_Olá senhor policial, meu nome é Guilherme e eu gostaria de saber se o senhor já usou essa arma ai para atirar no pneu de algum carro que estava avançando a faixa de pedestres?
_oh não Guilherme, nunca precisei usar a minha arma para isso porque os motoristas não param em cima de faixas de pedestres quando estou por perto. Mais alguma pergunta?
_Sim senhor policial, meu nome é Ana Maria e gostaria de saber se o senhor já teve de usar a sua arma para demolir a cabeça de um pedestre que se recusava a andar na faixa?
_Não Ana Maria, nunca precisei usar minha arma para isso. Assim como os motoristas não param em cima da faixa de pedestres quando estou por perto, os pedestres não andam fora da faixa quando estou por perto... Mais alguma pergunta?
_Bom dia senhor policial, meu nome é Junior, mas meus amigos me chamam de Jú. Queria saber se o senhor já utilizou sua arma para atirar em um tênis de amortecedor de um universitário do curso de educação física que saltitava na faixa para exercitar os glúteos?
_Não Jú, nunca precisei utilizar minha arma para atirar nessa coisa ai que você falou.Mas o nome da minha filha é Júlia e a gente também chama ela de Jú. Muito obrigado pela pergunta.
_de nada!
_eu tenho uma pergunta senhor policial!
_Então fale meu jovem.
_O senhor já matou alguém com essa tua arma ai?
_Boa pergunta! Até agora não. Mais alguém?
_Sim, gostaria de perguntar para o senhor se por alguma eventual causa, desavença no trânsito ou talvez um desrespeito a alguma lei, no extremo de sua profissão de risco que é muitas vezes desvalorizada se não esquecida perante esse modelo de uma sociedade completamente regida por valores morais fundamentados em posses e em subsídios monetários se o senhor já teve de fazer uso de sua arma.
_sim, uma vez eu usei ela para coçar as costas. Mais alguma pergunta que não seja referente à minha arma?
_sim senhor policial, meu nome é Luciano...
_Teus amigos te chamam de Lú?
_Não tenho amigos imbecis senhor policial.
_Certo. Diga.
_ É sobre a questão do cinto de segurança nos veículos...
_opa, uma pergunta boa...
_sim, não me interrompa...
_certo, certo, não vou te interromper...
_espero que não...
_não, eu não vou.
_continua interrompendo senhor policial.
_parei.
_espero que sim.
_pode deixar...
(silêncio)
_pois bem senhor policial. Digamos que um motorista com o cinto de segurança esteja dirigindo em uma BR. O carro passe em uma fissura do asfalto e se desgoverne e bata em um poste ou em um barranco e o cinto arrebente e o carro com o impacto volte para o meio da pista e na sua direção esteja vindo uma carreta com um motorista distraído. O que o motorista faz?
_Tenta sair do carro o mais rápido possível ou acionar a buzina de modo que o motorista do caminhão recupere a atenção.
_mas ele desmaiou, a pancada foi muito forte e ele bateu com a cabeça no volante.
_Então será impossível evitar a colisão e o sinto não poderá proteger o motorista do carro...
_sim mas lembra da fissura no asfalto? O caminhão passa por ela e bate no mesmo poste ou barranco...
_mas nessa fissura não cabe o pneu do caminhão...
_mas a fissura aumentou agora!
_CALA A BOCA!
_NÃO CALO!
_por favor se acalmem. Luciano, já para a direção!
_Mas professora foi ele quem começou e nem respondeu minha pergunta!
_já para a direção garoto.
_mais alguma pergunta?
Se ouve lá do fundo um engraçadinho: sem mais perguntas meritíssimo!
_Bom dia para vocês crianças.
Os alunos são dispensados e todos vão para suas respectivas salas. O que nunca passará pela cabeça deles é que a aula uma hora vai acabar. Que eles irão para suas respectivas casas. Que o dia passará e quando a noite chegar a sua espreita lá estarão elas... Sorrateiras e assassinas como sempre. No domínio do mundo.
_pegue esse seu maldito desenho de volta!
_obrigado professora por ter me tirado o desenho. Se não tivesse me tirado o desenho eu teria perdido essa maravilhosa palestra...
_ta, ta, suma da minha frente garoto!
_a senhora gosta de cavalos?
_odeio cavalos garoto!
_que bom!

Uma madrugada dessas essa questão lhe parecerá conveniente e te roubará o sono e se não a vida !Mesmo que você não queira admitir elas existem. Você deve estar se perguntando o porquê delas existirem e hoje eu descobri que no fundo elas servem para...

r.a.

terça-feira, 10 de março de 2009

Você não é escritor?

Meia noite de um dia difícil. Tem algum conflito interno muito grande acontecendo dentro de mim e por mais que eu diga para mim mesmo ENTÃO ME MOSTRE O QUE HÁ DE ERRADO! Nada. Bate na minha porta um amigo._Cara que tremedeira é essa?_eu não sei!_onde você esteve que não te encontramos mais?_eu não sei!_saia dessa casa cara, vamos dar uma volta!_eu não... Às vezes me acontece dessas coisas. Eu não consigo dar um sorriso e nem fazer as pessoas rirem. Eu não sou um ser sociável e não consigo ser amável. Existem pessoas que agregam coisas boas, família, amigos, boas roupas, nada de vícios, mulheres, dinheiro, e existe eu no outro extremo oposto. Enquanto todos olham para as luzes o que me chama a atenção são as escuridões do mundo. Enquanto as pessoas se divertem contando sobre seus cotidianos eu não tenho interesse de falar de mim. Enquanto as pessoas elegem como objetivo de vida tudo que é possível eu espio tristemente minhas incapacidades. Enquanto as pessoas conseguem falar de si mesmas com força eu coço o queixo e imagino uma forma de manter-me calado até a morte.
Tudo que é doce desiste de mim na primeira esquina. Sofro de uma doença que é rara entre os humanos. Uma doença que a maioria da humanidade imagina que só existe nas lendas. Essa doença é a incapacidade de abandonar a autodestruição. Se você procurar o significado da palavra autodestruição no dicionário, possivelmente se depare com a minha foto como ilustração. Eu já tentei camuflar pedidos de socorro, já tentei pedir para alguém ficar junto de mim, mas hoje compreendo claramente que isso é loucura. Até os melhores no masoquismo não se excitariam com minha companhia. Por isso eu fumo, bebo e falo do que sinto. São três coisas que matam e dão prazer justamente porque é assumida minha incapacidade de viver sem apurar os passos para a morte. Você pode estar pensando que sou uma desgraça e você não errou.
Da minha cama até a porta do meu quarto tem dois passos e meio. Quando toco a porta me pergunto se realmente é necessário sair e poucas vezes saio. Saio quando tenho forças para ignorar a pergunta. As paredes do corredor me lembram um túnel ou um esgoto úmido que esta ficando cada vez menor. Eu tiro minha roupa ensopada de suor no corredor e ando mais seis metros e tomo uma ducha fria. Gosto de olhar para a água no meu corpo, por alguns minutos imagino que limpa alguma coisa por dentro também, que o que desce pelo ralo é uma sombra dos pensamentos que engoli, de sensibilidades mal resolvidas. A imaginação não pode durar para sempre e por isso o alcoolismo tem mais adeptos do que pessoas no mundo. Eu já tive dezoito anos, já tive vinte e cinco, já tive trinta e oito, já tive sessenta anos e me assustei e daí parei de contar. Já fui um jovem ambicioso com algum talento e daí chegou o mau humor e a preguiça e eu os abracei como já abracei minha mulher antes de morrer em meus delírios e nascer em vida para um mundo que não me interessava. Ela pegou a Letícia e o... o... não lembro o nome do garoto, não importa, não puxou ao pai, não será um desgraçado, não vai voltar aqui, não tenho dinheiro nem amor para dar... ela pegou a si mesma e tudo isso e se mandou. Feliz dela.
Resolvo mandar tudo isso para o inferno por algum tempo. Não há cores mais nessa casa, o pó e o lixo taparam tudo. Parece que moro em uma toca de algum animal asqueroso e devo ter essa impressão porque mora nessa casa um animal asqueroso, mas nunca é tarde para recomeçar. Coloco as calças desbotadas e a blusa amarrotada que deixo no chão quando me deito. Coloco uma meia no pé direito. Coloco o sapato direito. Olho para a meia do pé esquerdo e esta toda esburacada e suja. Usei ela para estancar um sangramento da narina esquerda noite passada, ou foi a tarde? Não importa. Pego o sapato esquerdo e o finco no pé.O amigo me bate a porta novamente._saia dessa casa homem!_eu não sei..._então apodreça ai dentro! Ele fecha a porta e a casa desaba sobre minha cabeça vazia e indiferente. Nada se perdeu essa madrugada.

r.a.

quinta-feira, 5 de março de 2009

PERSEU

Um senhor com um chapéu preto e de aba longa, sobretudo velho e marrom, olhos escuros e óculos velhos analisa a possibilidade de atravessar uma deserta rua. Ele olha para um lado e para outro. Coça o queixo. Olha para cima. Resmunga alguma coisa e prepara-se para dar o primeiro passo na rua. Recolhe o pé e olha novamente para os dois lados. Mexe no chapéu. Procura alguma coisa nos bolsos e não encontra nada, fora um cantil cheio de whisky. Bebe até a última gota e chacoalha o cantil por alguns segundos em uma sena cômica e triste, não cai à última gota. Ele olha para um lado e para o outro da rua. Olha para dentro do cantil e mexe um pouco como se esperasse que uma gota dançasse lá dentro e sorrisse para ele. Recoloca a tampa no cantil e olha para cima. Põe o cantil no bolso interno do sobre tudo. Olha para mim por um tempo e depois vai embora.
Estou sentado no chão e escorado na parede de uma loja de tintas. Meu nome é Perseu e isso é importante para mim. Tenho passagens pela polícia por pequenos furtos, sobrevivo extorquindo prostitutas nas ruas e repassando mercadorias roubadas, drogas, cheques, só não lido com assassinatos para acerto de contas, mas se me passar uns trocados te informo quem lida com isso...
Chego em casa logo quando amanhece. Preciso de um gole de gim para acalmar os nervos e fazer as contas de quanto arrecadei essa madrugada. Na rua não há tempo para medo. Você tem de ser duro, não pode perder tempo com sentimentalismo barato, na rua não tem perdão. Tenho uma bala alojada na minha cocha e sou meio surdo de um ouvido por causa de um golpe que levei há tempos atrás. Tenho tantas cicatrizes de facas que me rasparam e quase me mandaram dessa para outra pior que se começar a contar vai faltar dedos. Mas algumas coisas eu sei que a maioria não sabe...
_sabe onde eu escondi aquele dinheiro lá Perseu que era para o aluguel?
_Não sei não Josué.
_se encontrar me devolva Perseu ou a gente vai para rua.
_onde esta indo?
_pegar uns trocados de um pó que vendi...
_mas assim, de boa?
_tem razão Perseu, tem que ser bem vivo.
Josué volta e pega o revolver que estava em cima da mesa. Coloca na parte de trás das calças e aperta a cinta. Josué também tem uma bala alojada no corpo, mas é no coração. Era um garoto sensível que morava com a mãe e o pai. Estudava em uma boa escola. Começou na faculdade. Tinha um bom emprego. Casou com uma garota maravilhosa. Construiu uma casa boa e um dia entraram na casa, estupraram e mataram sua garota grávida e roubaram tudo que ele tinha. Não preciso comentar sobre esses caras não é? Morto não se defende. Fizemos um trabalhinho nesses caras que você nem queira saber...
Tomo um gole de gim e o gole de gim me pede um cigarro. Acendo o cigarro e o cigarro me pede alguma coisa para comer. Preciso contar quanto ganhei nessa madrugada. Depois que tirar para o cigarro e o gim o que restar dá para comprar comida. Aqui a lógica é assim cara! Se você trabalha e come depois fica com fome e são. O negócio é se manter dopado que daí a fome incomoda bem menos e a vida também. A vida é uma coisa engraçada. Penso nos ricaços, eles engordam e andam de carrão por ai e nunca sentem ela. Eu passo fome, estou sempre no risco de levar um tiro e tenho tanto de vida que chega sobrar. Eu não troco essa minha vida por nada. Só espero mesmo é abrir meu próprio negocio e desbancar as bocas de fumo aqui da região. Ai terei um estoque de gim e cigarro e quem sabe posso comer um frango assado com maionese... A porta abre devagar. Um senhor com um chapéu preto e aba longa coloca a mão dentro do sobre tudo marrom. Uma pistola. Eu sabia que ele viria.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

uma gota mais uma gota...

Olhei nos seus olhos e ela tinha uma carta marcada na mão
Na minha mão costumava ter marcas de facas
Eu tentei resmungar algo
Ela mexeu os lábios
Eu tive medo
Tremia...

Pensei em mim e olhei para os pés
Alguém disse que não daria certo
Eu continuava tentando resmungar
Ela tentou sorrir
Eu não sabia onde por as mãos
Ela escondeu a carta
Um músculo se moveu em algum lugar

Tem uma razão para me emprestar?
Ela tentou sorrir
Eu consegui resmungar
Vi que ambos tínhamos olhos

Eu estou perdido
A noite mentiu para nós dois
Ela deu um passo e sumiu
Tinha um espelho no chão
Não quis olhar

A arma que estava na minha mão
Agora faz parte do meu corpo
E alguém sabe
Que eu
Não tenho arma alguma
E ela mentiu o tempo todo
Alguém não notou

O sangue de meu ferimento não pude conter
E daí eu também sumi
Porque é só isso que alguém sabe fazer e eu também

r.a.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

EMA EM

Eu sou varias coisas,
Mas o que não queria ser é
Um pedaço que você perdeu na estrada
Enquanto tudo se contorcia.
Um pouco eu fui sol
Um pouco eu fui terra

Eu fiquei ai onde você esta agora
Secando no chão quente
E ninguém mexeu comigo
Só um cachorro mijava em mim uma vez que outra
E com o tempo, nem o cachorro mais me visitou.

Se olhassem para mim saberiam que eu era uma parte sua
se olhassem...mas não.
Veio a chuva. Eu na valeta. No fundo do rio.

Ai cansei de tudo isso. Entrei no bar e tomei uma cerveja e disse:_MIMA EMA
E o cachorro voltou e mijou em mim...


r.a. (para M. Cescon)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009