domingo, 12 de abril de 2009

FILOSOFIA E COTIDIANO

Que relação pode ser estabelecida entre a filosofia e o cotidiano? O filósofo esloveno Slavoj Zizek responde. E, surpreende. Num livro publicado pela Martins Fontes, Arriscar o impossível, que pode ser encontrado na biblioteca da Unochapecó, ele afirma que a era da biogenética e do ciberespaço é a era da filosofia. Estamos no coração do coração da nossa época. No entanto, por que continuamos nos referindo aos estudos filosóficos como contemplativos? A resposta de Zizek vai na direção oposta a esse entendimento. Ele afirma que não há como achar o próprio caminho, na própria vida cotidiana, sem responder a certas perguntas filosóficas. “Acho que a filosofia não pode mais desempenhar nenhum de seus papéis tradicionais, como estabelecer as bases da ciência (...) e assim por diante”. No lugar disso, ela deve cumprir sua tarefa de questionamento transcendental. Um questionamento transcendental, em primeiro lugar, pode ser definido como um tipo de questão que diz respeito a todos e, ao mesmo tempo, um tipo de questão que está presente o tempo todo. Por quê? Com os avanços tecnológicos, na biogenética, por exemplo, nos confrontamos com perguntas que dizem respeito ao livre-arbítrio, à idéia de natureza e do ser natural, à identidade pessoal, só para citar algumas das questões suscitadas nos atuais debates sobre uso de células-tronco de embriões humanos. Em nossa época, nos deparamos cada vez mais com problemas que são de natureza filosófica.
Por outro lado, se quiséssemos determinar quando começou a vida humana, também nos emaranharíamos em um questionamento transcendental, agora num sentido diferente. Teríamos, frente a esta questão que até hoje não recebeu resposta unívoca, que nos perguntar o que entendemos por “vida”, e arriscar uma definição. Então, perceberíamos que uma das condições de possibilidade para responder à pergunta sobre a origem da vida é a própria compreensão que temos do que seja “vida”. Logo, já não estamos mais determinando biogeneticamente um momento “X” que seria a gênese. Estamos abordando significações, tais como o que é a dignidade humana, responsabilidade moral. Ora, estas eram perguntas filosóficas. Hoje são perguntas cotidianas.
Assim, uma coisa é dizer que o tempo da filosofia especulativa passou; outra, bem diferente, é dizer que o tempo da filosofia tenha passado. Mas do que nunca, afirma Zizek, a filosofia tem um papel a exercer.
Vamos tomar outro exemplo, neste caso das pesquisas em ciências cognitivas. Como surgiu a consciência? Em termos evolutivos, será que a consciência emergiu para se explicar a si mesma? Zizek explora a visão de Stephen Pinker em Como a mente funciona, que defende a teoria de que não há nada de misterioso no fato de não podermos explicar a consciência, porque ela surgiu para lidar com problemas instrumentais práticos de sobrevivência, como se relacionar com outras pessoas, com a natureza, etc. Uma visão semelhante pode ser encontrada em Friedrich Nietzsche, em Verdade e mentira no sentido extramoral, que afirma que seres delicados como nós desenvolveram a consciência como forma de sobrevivência, assim como outros animais desenvolveram garras e chifres.
Contudo, ainda não respondemos a questão. Zizek chama outro filósofo em seu auxílio: Heidegger. Este afirma que o que caracteriza o ser humano, no sentido de ser um ser-aí e um ser-no-mundo, é que ele é um ser que faz perguntas sobre o seu próprio ser, que se autoquestiona. Em outras palavras, o horizonte de compreensão próprio do mundo humano é ativado através do autoquestionamento de seu próprio ser. Parece um círculo vicioso, mas não é. O homem é o único ser para quem seu próprio ser não é dado, mas precisa ser compreendido.
Assim, a relação entre filosofia e cotidiano pode ser compreendida facilmente enquanto um espaço de construção do conhecimento que não conhece fronteiras fixas. A arena dos debates filosóficos de ontem, onde se ouvia o rumor das armas argumentativas confinadas aos muros das escolas, transformou-se hoje, no laboratório-mundo, num debate de interesse global, pois neste grande experimento social que é o mundo ou entramos como agentes compreendentes e propositivos, ou nos recusamos a isso. Mas isso também é uma compreensão. E uma atitude.

Autor: Flademir Roberto Williges

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