terça-feira, 10 de março de 2009

Você não é escritor?

Meia noite de um dia difícil. Tem algum conflito interno muito grande acontecendo dentro de mim e por mais que eu diga para mim mesmo ENTÃO ME MOSTRE O QUE HÁ DE ERRADO! Nada. Bate na minha porta um amigo._Cara que tremedeira é essa?_eu não sei!_onde você esteve que não te encontramos mais?_eu não sei!_saia dessa casa cara, vamos dar uma volta!_eu não... Às vezes me acontece dessas coisas. Eu não consigo dar um sorriso e nem fazer as pessoas rirem. Eu não sou um ser sociável e não consigo ser amável. Existem pessoas que agregam coisas boas, família, amigos, boas roupas, nada de vícios, mulheres, dinheiro, e existe eu no outro extremo oposto. Enquanto todos olham para as luzes o que me chama a atenção são as escuridões do mundo. Enquanto as pessoas se divertem contando sobre seus cotidianos eu não tenho interesse de falar de mim. Enquanto as pessoas elegem como objetivo de vida tudo que é possível eu espio tristemente minhas incapacidades. Enquanto as pessoas conseguem falar de si mesmas com força eu coço o queixo e imagino uma forma de manter-me calado até a morte.
Tudo que é doce desiste de mim na primeira esquina. Sofro de uma doença que é rara entre os humanos. Uma doença que a maioria da humanidade imagina que só existe nas lendas. Essa doença é a incapacidade de abandonar a autodestruição. Se você procurar o significado da palavra autodestruição no dicionário, possivelmente se depare com a minha foto como ilustração. Eu já tentei camuflar pedidos de socorro, já tentei pedir para alguém ficar junto de mim, mas hoje compreendo claramente que isso é loucura. Até os melhores no masoquismo não se excitariam com minha companhia. Por isso eu fumo, bebo e falo do que sinto. São três coisas que matam e dão prazer justamente porque é assumida minha incapacidade de viver sem apurar os passos para a morte. Você pode estar pensando que sou uma desgraça e você não errou.
Da minha cama até a porta do meu quarto tem dois passos e meio. Quando toco a porta me pergunto se realmente é necessário sair e poucas vezes saio. Saio quando tenho forças para ignorar a pergunta. As paredes do corredor me lembram um túnel ou um esgoto úmido que esta ficando cada vez menor. Eu tiro minha roupa ensopada de suor no corredor e ando mais seis metros e tomo uma ducha fria. Gosto de olhar para a água no meu corpo, por alguns minutos imagino que limpa alguma coisa por dentro também, que o que desce pelo ralo é uma sombra dos pensamentos que engoli, de sensibilidades mal resolvidas. A imaginação não pode durar para sempre e por isso o alcoolismo tem mais adeptos do que pessoas no mundo. Eu já tive dezoito anos, já tive vinte e cinco, já tive trinta e oito, já tive sessenta anos e me assustei e daí parei de contar. Já fui um jovem ambicioso com algum talento e daí chegou o mau humor e a preguiça e eu os abracei como já abracei minha mulher antes de morrer em meus delírios e nascer em vida para um mundo que não me interessava. Ela pegou a Letícia e o... o... não lembro o nome do garoto, não importa, não puxou ao pai, não será um desgraçado, não vai voltar aqui, não tenho dinheiro nem amor para dar... ela pegou a si mesma e tudo isso e se mandou. Feliz dela.
Resolvo mandar tudo isso para o inferno por algum tempo. Não há cores mais nessa casa, o pó e o lixo taparam tudo. Parece que moro em uma toca de algum animal asqueroso e devo ter essa impressão porque mora nessa casa um animal asqueroso, mas nunca é tarde para recomeçar. Coloco as calças desbotadas e a blusa amarrotada que deixo no chão quando me deito. Coloco uma meia no pé direito. Coloco o sapato direito. Olho para a meia do pé esquerdo e esta toda esburacada e suja. Usei ela para estancar um sangramento da narina esquerda noite passada, ou foi a tarde? Não importa. Pego o sapato esquerdo e o finco no pé.O amigo me bate a porta novamente._saia dessa casa homem!_eu não sei..._então apodreça ai dentro! Ele fecha a porta e a casa desaba sobre minha cabeça vazia e indiferente. Nada se perdeu essa madrugada.

r.a.

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