Um senhor com um chapéu preto e de aba longa, sobretudo velho e marrom, olhos escuros e óculos velhos analisa a possibilidade de atravessar uma deserta rua. Ele olha para um lado e para outro. Coça o queixo. Olha para cima. Resmunga alguma coisa e prepara-se para dar o primeiro passo na rua. Recolhe o pé e olha novamente para os dois lados. Mexe no chapéu. Procura alguma coisa nos bolsos e não encontra nada, fora um cantil cheio de whisky. Bebe até a última gota e chacoalha o cantil por alguns segundos em uma sena cômica e triste, não cai à última gota. Ele olha para um lado e para o outro da rua. Olha para dentro do cantil e mexe um pouco como se esperasse que uma gota dançasse lá dentro e sorrisse para ele. Recoloca a tampa no cantil e olha para cima. Põe o cantil no bolso interno do sobre tudo. Olha para mim por um tempo e depois vai embora.
Estou sentado no chão e escorado na parede de uma loja de tintas. Meu nome é Perseu e isso é importante para mim. Tenho passagens pela polícia por pequenos furtos, sobrevivo extorquindo prostitutas nas ruas e repassando mercadorias roubadas, drogas, cheques, só não lido com assassinatos para acerto de contas, mas se me passar uns trocados te informo quem lida com isso...
Chego em casa logo quando amanhece. Preciso de um gole de gim para acalmar os nervos e fazer as contas de quanto arrecadei essa madrugada. Na rua não há tempo para medo. Você tem de ser duro, não pode perder tempo com sentimentalismo barato, na rua não tem perdão. Tenho uma bala alojada na minha cocha e sou meio surdo de um ouvido por causa de um golpe que levei há tempos atrás. Tenho tantas cicatrizes de facas que me rasparam e quase me mandaram dessa para outra pior que se começar a contar vai faltar dedos. Mas algumas coisas eu sei que a maioria não sabe...
_sabe onde eu escondi aquele dinheiro lá Perseu que era para o aluguel?
_Não sei não Josué.
_se encontrar me devolva Perseu ou a gente vai para rua.
_onde esta indo?
_pegar uns trocados de um pó que vendi...
_mas assim, de boa?
_tem razão Perseu, tem que ser bem vivo.
Josué volta e pega o revolver que estava em cima da mesa. Coloca na parte de trás das calças e aperta a cinta. Josué também tem uma bala alojada no corpo, mas é no coração. Era um garoto sensível que morava com a mãe e o pai. Estudava em uma boa escola. Começou na faculdade. Tinha um bom emprego. Casou com uma garota maravilhosa. Construiu uma casa boa e um dia entraram na casa, estupraram e mataram sua garota grávida e roubaram tudo que ele tinha. Não preciso comentar sobre esses caras não é? Morto não se defende. Fizemos um trabalhinho nesses caras que você nem queira saber...
Tomo um gole de gim e o gole de gim me pede um cigarro. Acendo o cigarro e o cigarro me pede alguma coisa para comer. Preciso contar quanto ganhei nessa madrugada. Depois que tirar para o cigarro e o gim o que restar dá para comprar comida. Aqui a lógica é assim cara! Se você trabalha e come depois fica com fome e são. O negócio é se manter dopado que daí a fome incomoda bem menos e a vida também. A vida é uma coisa engraçada. Penso nos ricaços, eles engordam e andam de carrão por ai e nunca sentem ela. Eu passo fome, estou sempre no risco de levar um tiro e tenho tanto de vida que chega sobrar. Eu não troco essa minha vida por nada. Só espero mesmo é abrir meu próprio negocio e desbancar as bocas de fumo aqui da região. Ai terei um estoque de gim e cigarro e quem sabe posso comer um frango assado com maionese... A porta abre devagar. Um senhor com um chapéu preto e aba longa coloca a mão dentro do sobre tudo marrom. Uma pistola. Eu sabia que ele viria.
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