De dez bares em torno da universidade
ela resolveu entrar justamente nesse. Foi como se eu tivesse um sensor nas
minhas costas largas. Virei meu rosto redondo, negro, e dei com os olhos castanhos.
Era como se a garota de cabelos cacheados, magra, egocêntrica, dentro de uma
camiseta do Led Zeppelin que apertava os seios, entrara ali para olhar para
minha nuca.
Ela contraiu os lábios grossos e mexeu
a cabeça sacudindo os cabelos. Suspirou profundamente, fingindo tédio. Mas seu
pé esquerdo batia no chão ao mesmo tempo em que as mãos apertavam a cintura.
_Você
parece que me segue... – resmungou ela, de forma arrastada.
_Como
é? – disse contraindo as sobrancelhas.
_Nada.
Eram três da manhã e a insônia estava
enchendo meu saco novamente. Arrestei o enorme corpo até o balcão do bar mais
vazio. Sacudia um copo com duas doses de whisky e ouvia a música. Franz
Ferdinand - Ulysses. Parecia a melhor coisa para ser feita numa sexta-feira.
_Tá
tudo certo? – uma voz grave me despertou dos pensamentos. Era o barman, um
negro magro com um bigodinho ordinário. Ricardo era seu nome.
_Sim.
– respondi olhando para a parede. Fiz sinal com a cabeça em direção da moça nas
minhas costas.
_E
você? – falou o barman pra garota.
_Viviani.
Uma loira, baixinha, magrinha, minha amiga, não apareceu por aí? – Falou ela e
pude acompanhar seu reflexo no espelho do bar. Gesticulava muito enquanto
falava.
Bebi mais um pouco. O gelo do copo havia
derretido e deixado um gosto menos ácido no whisky. Ricardo olhou-a por uns
trinta segundos, coçou o queixo e sumiu atrás de uma cortina. Baixei o copo e
percebi que a garota me olhava pelo espelho que antes eu usava para observá-la.
O barman voltou a aparecer e contornou
o balcão. A garota o acompanhou até uma mesa nos fundos. Cochicharam por uns
minutos e riram. Apenas a luz de uma televisão muda iluminava o bar – o canto
em que ela sentou era o mais escuro.
Ricardo passou por mim e sorriu.
Correspondi com um aceno de cabeça. Ele pegou uma cerveja e um copo. Voltou até
a garota e deixou sob sua mesa. Pegou um jornal e sentou no outro lado do
balcão.
Continuei acompanhando a garota pelo
reflexo. Ela olhou para todos os lados, bebeu de uma golada só a cerveja no seu
copo e depois puxou alguma coisa do seu colo. Observou essa alguma coisa com
gula. Não precisei muito para entender que “Viviani” era uma senha para algumas
gramas de cocaína.
***
Já estava na minha terceira dose dupla
quando a garota saiu do seu canto e sentou ao meu lado no balcão.
_Depois
vai dizer que estou te seguindo... – falei sorrindo.
_Ah,
desculpa, te confundi com outro cara. – devolveu ela. – você vai para algum
lugar depois daqui?
_...
pergunta difícil.
Ela riu de forma exagerada. Colocou a
mão na minha coxa assim que sossegou a gargalhada. Na situação invertida – se eu
tivesse feito isso, quero dizer – eu saberia exatamente o que isso significava.
Por isso fiquei um pouco nervoso e saquei um cigarro do bolso. Acendi dois e
alcancei outro para ela.
_Não
cara! – Disse Ricardo jogando seu jornal sob o balcão.
_Seis
horas cara... só estamos nós aqui. – retruquei e lhe alcancei um cigarro.
_Verdade.
– resmungou Ricardo e aceitou o cigarro que lhe alcancei. – para onde vocês vão
depois?
_Dá
pra ir no meu apartamento... – disse ela sacudindo a cabeça. – tem
cerveja lá!
_Encontro
vocês em quinze minutos do lado de fora? – sussurrou Ricardo, empolgado. – eu levo
mais cerveja.
Agora tocava Led Zeppelin – Black dog.
***
Estávamos sentados em uma sala escura,
parcialmente iluminados pelos postes da rua. Ricardo, em uma poltrona de frente para mim,
sem camisa. E eu, com uma cerveja numa mão, enquanto com a outra mão acariciava
os pés de Jeorgia no meu colo.
_a
gente vai só beber ou vai transar? – Perguntou Ricardo.
_Eu
não curto macho... – respondeu Jeorgia e puxou seus pés do meu colo.
_Adoro
macho! – Devolveu Ricardo olhando na minha direção.
_Se
tivesse nascido mulher, certamente seria a maior lésbica da face da terra! –
falei olhando para minha cerveja.
_Isso
parece um duelo de três pistoleiros ao pôr do sol! – riu Jeorgea. – só que nesse
caso o sol está nascendo.
_Se
você tem um pau de borracha aí- apontei para Jeorgia – você finca no cu desse
bigogudo enquanto eu bebo o resto das cervejas! Me comprometo em assistir a
coisa toda, só não prometo que não vou gargalhar. Aí os pistoleiros se viram
com o que tem... no jazz a gente chama isso de improviso.
Os dois riram. Levantei do sofá e fui
até a geladeira pegar mais duas cervejas. Bebi uma cerveja no caminho, a outra
abri quando voltei até o sofá.
_Ou
você deixa a grana que tem nos bolsos aqui – falou Jorgia me mostrando um
revólver 32. – e eu compro a cocaína desse cara. – apontou com a arma para
Ricardo. – Aí o pistoleiro mais inteligente e melhor preparado para essa
situação, vence o duelo.
_Sou
pai de família – resmunguei sorrindo – você está comprometendo o futuro de toda
uma geração!
_Pai
de família não fica no bar até seis da manhã. Jovem demais para ser pai de
família. E se fosse um cara bonzinho, não saia atrás do primeiro rabo de saia
que lhe deu mole, seu tarado! – devolveu ela.
Tirei o dinheiro da carteira e joguei na
mesa de centro da sala. Não tinha mais de duzentos reais. Já estava com minhas
contas pagas. Era o dinheiro para torrar em bagunça mesmo. Estava com raiva –
muito raivoso. Pensava em tentar dar uma bofetada na cabeça da mulher, mas ela
não deixou nenhuma brecha. Morrer ali, baleado, e talvez ter o cadáver violado
por um veadão, não fazia parte dos meus planos finais.
_Mas
tenho direito de uma última cerveja, aposto! – Falei cordialmente.
_Pega
lá, seu bosta! – Devolveu ela.
Voltei até a cozinha e me servi de duas
garrafinhas. Olhei no congelador e tinha um pote de sorvete. Tirei o pau pra
fora e mergulhei no sorvete – vingança, de alguma forma!
Quando entrei na sala, os dois já
estavam esticando linhas de cocaína na mesa. “Você é lésbica mesmo?” –
perguntou o tal de Ricardo. “É claro, porra! Sniiiiffff”. Acendi um cigarro e
fiquei no meu canto com minhas duas cervejas, o pau mais gelado do que se tivesse
trepado com uma psicóloga.
_Vai
uma linha? – Falou Jeorgia, rindo.
Ameacei dar um chute na mesa e me vi
com um revólver apontado para minha cara. No fundo adoro minha vida, pensei.
Sai e meu último olhar foi para o meu dinheiro... Fechei a porta e mijei por
ali mesmo. A sorte – se é que podemos falar de sorte nesse momento – é que
tinha um passe para o metrô.
De dez bares ela tinha que entrar
justamente naquele?
_Tomara
que morram de ataque cardíaco! – Gritei no corredor e peguei o elevador.
Ganhei a rua e pude assistir o sol
nascer.
r.A.
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