quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Um duelo triplo



De dez bares em torno da universidade ela resolveu entrar justamente nesse. Foi como se eu tivesse um sensor nas minhas costas largas. Virei meu rosto redondo, negro, e dei com os olhos castanhos. Era como se a garota de cabelos cacheados, magra, egocêntrica, dentro de uma camiseta do Led Zeppelin que apertava os seios, entrara ali para olhar para minha nuca.
         Ela contraiu os lábios grossos e mexeu a cabeça sacudindo os cabelos. Suspirou profundamente, fingindo tédio. Mas seu pé esquerdo batia no chão ao mesmo tempo em que as mãos apertavam a cintura.  
_Você parece que me segue... – resmungou ela, de forma arrastada.
_Como é? – disse contraindo as sobrancelhas.
_Nada.
         Eram três da manhã e a insônia estava enchendo meu saco novamente. Arrestei o enorme corpo até o balcão do bar mais vazio. Sacudia um copo com duas doses de whisky e ouvia a música. Franz Ferdinand - Ulysses. Parecia a melhor coisa para ser feita numa sexta-feira.
_Tá tudo certo? – uma voz grave me despertou dos pensamentos. Era o barman, um negro magro com um bigodinho ordinário. Ricardo era seu nome.
_Sim. – respondi olhando para a parede. Fiz sinal com a cabeça em direção da moça nas minhas costas.
_E você? – falou o barman pra garota.
_Viviani. Uma loira, baixinha, magrinha, minha amiga, não apareceu por aí? – Falou ela e pude acompanhar seu reflexo no espelho do bar. Gesticulava muito enquanto falava.
         Bebi mais um pouco. O gelo do copo havia derretido e deixado um gosto menos ácido no whisky. Ricardo olhou-a por uns trinta segundos, coçou o queixo e sumiu atrás de uma cortina. Baixei o copo e percebi que a garota me olhava pelo espelho que antes eu usava para observá-la.
         O barman voltou a aparecer e contornou o balcão. A garota o acompanhou até uma mesa nos fundos. Cochicharam por uns minutos e riram. Apenas a luz de uma televisão muda iluminava o bar – o canto em que ela sentou era o mais escuro.
         Ricardo passou por mim e sorriu. Correspondi com um aceno de cabeça. Ele pegou uma cerveja e um copo. Voltou até a garota e deixou sob sua mesa. Pegou um jornal e sentou no outro lado do balcão.
         Continuei acompanhando a garota pelo reflexo. Ela olhou para todos os lados, bebeu de uma golada só a cerveja no seu copo e depois puxou alguma coisa do seu colo. Observou essa alguma coisa com gula. Não precisei muito para entender que “Viviani” era uma senha para algumas gramas de cocaína.

***
         Já estava na minha terceira dose dupla quando a garota saiu do seu canto e sentou ao meu lado no balcão.
_Depois vai dizer que estou te seguindo... – falei sorrindo.
_Ah, desculpa, te confundi com outro cara. – devolveu ela. – você vai para algum lugar depois daqui?
_... pergunta difícil.
         Ela riu de forma exagerada. Colocou a mão na minha coxa assim que sossegou a gargalhada. Na situação invertida – se eu tivesse feito isso, quero dizer – eu saberia exatamente o que isso significava. Por isso fiquei um pouco nervoso e saquei um cigarro do bolso. Acendi dois e alcancei outro para ela.
_Não cara! – Disse Ricardo jogando seu jornal sob o balcão.
_Seis horas cara... só estamos nós aqui. – retruquei e lhe alcancei um cigarro.
_Verdade. – resmungou Ricardo e aceitou o cigarro que lhe alcancei. – para onde vocês vão depois?
_Dá pra ir no meu apartamento... – disse ela sacudindo a cabeça. – tem cerveja lá!
_Encontro vocês em quinze minutos do lado de fora? – sussurrou Ricardo, empolgado. – eu levo mais cerveja.
         Agora tocava Led Zeppelin – Black dog.

***
         Estávamos sentados em uma sala escura, parcialmente iluminados pelos postes da rua.  Ricardo, em uma poltrona de frente para mim, sem camisa. E eu, com uma cerveja numa mão, enquanto com a outra mão acariciava os pés de Jeorgia no meu colo.
_a gente vai só beber ou vai transar? – Perguntou Ricardo.
_Eu não curto macho... – respondeu Jeorgia e puxou seus pés do meu colo.
_Adoro macho! – Devolveu Ricardo olhando na minha direção.
_Se tivesse nascido mulher, certamente seria a maior lésbica da face da terra! – falei olhando para minha cerveja.
_Isso parece um duelo de três pistoleiros ao pôr do sol! – riu Jeorgea. – só que nesse caso o sol está nascendo.
_Se você tem um pau de borracha aí- apontei para Jeorgia – você finca no cu desse bigogudo enquanto eu bebo o resto das cervejas! Me comprometo em assistir a coisa toda, só não prometo que não vou gargalhar. Aí os pistoleiros se viram com o que tem... no jazz a gente chama isso de improviso.
         Os dois riram. Levantei do sofá e fui até a geladeira pegar mais duas cervejas. Bebi uma cerveja no caminho, a outra abri quando voltei até o sofá.  
_Ou você deixa a grana que tem nos bolsos aqui – falou Jorgia me mostrando um revólver 32. – e eu compro a cocaína desse cara. – apontou com a arma para Ricardo. – Aí o pistoleiro mais inteligente e melhor preparado para essa situação, vence o duelo.
_Sou pai de família – resmunguei sorrindo – você está comprometendo o futuro de toda uma geração!
_Pai de família não fica no bar até seis da manhã. Jovem demais para ser pai de família. E se fosse um cara bonzinho, não saia atrás do primeiro rabo de saia que lhe deu mole, seu tarado! – devolveu ela.
         Tirei o dinheiro da carteira e joguei na mesa de centro da sala. Não tinha mais de duzentos reais. Já estava com minhas contas pagas. Era o dinheiro para torrar em bagunça mesmo. Estava com raiva – muito raivoso. Pensava em tentar dar uma bofetada na cabeça da mulher, mas ela não deixou nenhuma brecha. Morrer ali, baleado, e talvez ter o cadáver violado por um veadão, não fazia parte dos meus planos finais.
_Mas tenho direito de uma última cerveja, aposto! – Falei cordialmente.
_Pega lá, seu bosta! – Devolveu ela.
         Voltei até a cozinha e me servi de duas garrafinhas. Olhei no congelador e tinha um pote de sorvete. Tirei o pau pra fora e mergulhei no sorvete – vingança, de alguma forma!
         Quando entrei na sala, os dois já estavam esticando linhas de cocaína na mesa. “Você é lésbica mesmo?” – perguntou o tal de Ricardo. “É claro, porra! Sniiiiffff”. Acendi um cigarro e fiquei no meu canto com minhas duas cervejas, o pau mais gelado do que se tivesse trepado com uma psicóloga.
  _Vai uma linha? – Falou Jeorgia, rindo.
         Ameacei dar um chute na mesa e me vi com um revólver apontado para minha cara. No fundo adoro minha vida, pensei. Sai e meu último olhar foi para o meu dinheiro... Fechei a porta e mijei por ali mesmo. A sorte – se é que podemos falar de sorte nesse momento – é que tinha um passe para o metrô.
         De dez bares ela tinha que entrar justamente naquele?
_Tomara que morram de ataque cardíaco! – Gritei no corredor e peguei o elevador.
         Ganhei a rua e pude assistir o sol nascer.




r.A.

Nenhum comentário: