sábado, 20 de setembro de 2014

Sensíveis, demasiado humano




É tão fácil parecer sensível hoje em dia. Basta escolher as palavras – e não ser escolhido por elas. Falar de lágrimas invés de calar a boca. Lamber as feridas em público. Exagerar gestos de comoção até a cafonice.
Trancado no quarto e sodomizando sua ingênua consciência, depois, se deixar observar com cara de cachorro faminto.
_o mundo é injusto! – como se alguma coisa fosse justa.
_a vida dói! – como se resmungar com ares de inteligência resolvesse muita coisa.
Mesmo que parecer sensível seja uma coisa muito fácil, ser verdadeiramente sensível não é grande coisa. Aliás, muito provavelmente, é um defeito e uma testemunha da tolice. A propósito: Prefiro bater a canela numa tábua a ter de estar na companhia de gente que é ou parece sensível.
Todo sensível é um egoísta sem força que remoí solitário uma incapacidade ficcional de fazer o mundo corresponder a seus desejos. Um profissional da lamentação.
Eu me comovo com o pôr do sol e com a lua cheia – diz o sensível. Bem, para mim isso é coisa de gente comum e não de gente singular. Sinto um êxtase no espírito ouvindo determinadas músicas – diz o sensível. Imagine carpindo um lote o que esses sensíveis sentem! (risos). Mas me parece que gente sensível não fala de puxar terra com um carrinho de mão, não fala em se sentir enganado na fila do banco ou do açougue, nunca menciona ter cortado o dedo com uma lata de sardinha. Gente sensível não fala de acabar o papel higiênico ou de falhar na hora H. Gente sensível fala de ser sensível – e é engraçado como uma aporrinhação dessas ainda impressiona.
Se eu falar que acho Chico Buarque um embusteiro e Caetano Veloso uma dor de barriga violenta, certamente vai aparecer alguém me acusando de insensibilidade. Nunca vi nenhum sensível fazer poemas sobre a louça de três dias fedendo na pia. Mas para falar de amor e de paixão você nem precisa dobrar a esquina. Tem sempre um chato se queixando com poses e estilos.
Tem gente que se acha sensível e acredita que todo mundo vai suspirar por suas ninharias. Daí se reproduzem feito baratas os artistas, escritores e filósofos. E assim se multiplicam as justificativas para todos os ataques de histeria. Linhas tênues separam o gênio do doente; o doente do chorão.
Aprendi muito sobre sensibilidade enquanto remendava cercas de arame farpado no interior de uma cidadezinha decadente. Embaixo de um sol de quase 40 graus. É mais fácil ser sensível enquanto um arame não rasga sua mão e o suor não escorre para dentro das feridas. Certas lições se aprende por acidente.



r.A.

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