É tão fácil parecer sensível hoje em
dia. Basta escolher as palavras – e não ser escolhido por elas. Falar de
lágrimas invés de calar a boca. Lamber as feridas em público. Exagerar gestos
de comoção até a cafonice.
Trancado no quarto e sodomizando sua
ingênua consciência, depois, se deixar observar com cara de cachorro faminto.
_o
mundo é injusto! – como se alguma coisa fosse justa.
_a
vida dói! – como se resmungar com ares de inteligência resolvesse muita coisa.
Mesmo que parecer sensível seja uma
coisa muito fácil, ser verdadeiramente sensível não é grande coisa. Aliás,
muito provavelmente, é um defeito e uma testemunha da tolice. A propósito:
Prefiro bater a canela numa tábua a ter de estar na companhia de gente que é ou
parece sensível.
Todo sensível é um egoísta sem força que
remoí solitário uma incapacidade ficcional de fazer o mundo corresponder a seus
desejos. Um profissional da lamentação.
Eu me comovo com o pôr do sol e com a
lua cheia – diz o sensível. Bem, para mim isso é coisa de gente comum e não de
gente singular. Sinto um êxtase no espírito ouvindo determinadas músicas – diz
o sensível. Imagine carpindo um lote o que esses sensíveis sentem! (risos). Mas
me parece que gente sensível não fala de puxar terra com um carrinho de mão,
não fala em se sentir enganado na fila do banco ou do açougue, nunca menciona
ter cortado o dedo com uma lata de sardinha. Gente sensível não fala de acabar
o papel higiênico ou de falhar na hora H. Gente sensível fala de ser sensível –
e é engraçado como uma aporrinhação dessas ainda impressiona.
Se eu falar que acho Chico Buarque um
embusteiro e Caetano Veloso uma dor de barriga violenta, certamente vai
aparecer alguém me acusando de insensibilidade. Nunca vi nenhum sensível fazer
poemas sobre a louça de três dias fedendo na pia. Mas para falar de amor e de
paixão você nem precisa dobrar a esquina. Tem sempre um chato se queixando com
poses e estilos.
Tem gente que se acha sensível e
acredita que todo mundo vai suspirar por suas ninharias. Daí se reproduzem
feito baratas os artistas, escritores e filósofos. E assim se multiplicam as
justificativas para todos os ataques de histeria. Linhas tênues separam o gênio
do doente; o doente do chorão.
Aprendi muito sobre sensibilidade
enquanto remendava cercas de arame farpado no interior de uma cidadezinha
decadente. Embaixo de um sol de quase 40 graus. É mais fácil ser sensível
enquanto um arame não rasga sua mão e o suor não escorre para dentro das
feridas. Certas lições se aprende por acidente.
r.A.
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