sábado, 30 de agosto de 2014

O santo no bosque e a morte de Deus



        De quatro em quatro anos* tenho que passar por isso e me chateia. Explico: tenho que passar por essa erupção da massa na confecção de crenças. Como sou dos poucos – até onde sei – que não se deixa arrastar sem dar umas boas pauladas por cima da manada, cá estou, escrevendo. Não deu para viver isolado no mato e por isso tenho que “aturar” a sociedade – mas faço questão de perturbar o máximo possível para devolver dissabores. Dito isso, posso seguir.
         Já escrevi em outro ensaio por esses lados o que penso sobre a política contemporânea. Sem ter uma maneira mais clara para me expressar, cheguei a me manifestar por meio de metáfora: “O Estado é o trono vago do Deus morto e os partidos são os concorrentes para sentar nesse trono.” Se um dia tentarem investigar meus ensaios para captar o núcleo de meu pensamento político-filosófico, sugiro que partam daí. (risos).
         Quem diria que hodiernamente, nesse país chamado Brasil, se falasse tanto em Deus depois de seu falecimento nas idas e vindas da modernidade. O tripé: Nietzsche-Marx-Freud não falava de outra coisa, ou seja, do cadáver de Deus. (Créditos à Schopenhauer, meus amigos chegados nuns alemães). Esse velório ainda vai longe, pelo visto.
         Eu vejo a ausência de Deus nas nossas instituições – agora que a humanidade já matou o tal “ser”. O melhor modelo para atingir as massas é evocar seu bendito nome e seu bendito significado. Onde eu sinto o cheiro de utopia, sinto o cheiro do cadáver de Deus. Você quer ver o que eu vejo? – é capaz de suportar isso? Basta acompanhar qualquer partido político, qualquer campanha política. Ali está, jogado na sua cara, o discurso fúnebre da famigerada morte. A salvação por meio do coletivo, o otimismo elevado à milésima potência, o gozo e êxtase em nome do ideal. “O mundo que construiremos juntos” – isso te soa familiar?
         Gente que quer te prometer o futuro e você, na sua condição desgraçada, professa fé imediatamente! Você pensa: mas eu preciso acreditar em alguma coisa, preciso me apegar a algo... É que te convenceram disso desde que você aprendeu a domesticar seus resmungos e suas lágrimas – Aprendeu isso mediante ameaças, mediante castigos físicos e psicológicos (os que dizem que “a família é seu chão” me despertam imensas desconfianças). Eu te entendo! Você não suportava o terror de ficar sozinho, jogado num universo de acasos, cercado pela angústia de fracassar ou morrer. Não é para Deus que você reza quando constata seu abandono – reflita sobre isso se puder aguentar -, se você acreditasse em Deus teria vergonha de lhe pedir coisas tão mesquinhas, tão pequenas! – Mandar em um Deus, obrigá-lo a suprir suas necessidades, não é um tipo de demanda absurda? Você reza para a ausência de Deus, você implora por menos sofrimento diante da ausência de Deus – de joelhos diante de um trono vazio, você se comove e chora.
 Isso não é inédito na história da humanidade, aliás, é bem comum. Jesus (enquanto metáfora simbólica), quando pensou um pouco, se sentiu abandonado – em seguida lançou mão de seu último truque: a fé. Pediu perdão para a ausência do Pai. Em seguida foi assassinado enquanto salvava sua megalomania. É assim que você faz; você consola suas dores mais vergonhosas com a fantasia de “destino divino”:_ foi assim que Deus quis – você se baba enquanto fala!. Você se tem em tão alta estima, delira em suas fantasias de importância “cósmica”, que não aceita sua Queda. Esse sentimento é a saudade do útero materno e dos primeiros anos de sua infância, quando uma força superior acudia suas necessidades de atenção. Todo ser humano é a saudade de sua significância – no geral.  Só existe salvação humana na ilusão.
É aí, exatamente aí, nessa condição, que todo discurso político te pega e te faz refém. Todo povo miserável, arrebentado e culpando a si mesmo por estar nessa condição, está suscetível, sensível, de coração aberto, desarmado, para qualquer que seja a promessa de redenção. A faísca mais íntima, seu pacto secreto com o medo que tem da morte, toma a forma de ESPERANÇA. Adoça sua esperança sua fuga do tédio cotidiano. Sua saudade de quando era protegido da vida é projetada no futuro – sua sede por vingança de todas as taras insatisfeitas!  
_O nome da ausência de Deus é História.
         Pouco importa se você acredita em Deus ou não. De forma alguma é essa a questão! – se você é um pouquinho inteligente vai perceber que não estou me apoiando em ateísmo para discorrer sobre esse tema no ensaio. A questão é que na ausência de Deus você e suas lágrimas (sofrimentos pessoais) tendem a ocupar o lugar vago. Os mais idiotas ocupam esse lugar com a ciência ou com a história. Não muda muita coisa trocar os nomes se não se altera as intenções!
         Você é o alvo mais fácil do discurso político, pois, se entusiasma por muito pouco. Basta uma pequena lisonja, um pequeno cargo que te mentiram ser importante, basta tomar para si uma singela importância para acalmar suas angústias existenciais. Que alguém finja notar você – na sua miséria -, você já o chama de amigo: Já o toma por Santo. Esta infantilidade mental que te aflige, essa infantilidade que te leva a abraçar todas as causas “boas” não só te domina como te arrasta – uma vez que te encontra completamente disposto para a sedução mais barata. Você é capaz de aceitar qualquer destruição de suas convicções mais pessoais em nome de compor com um grupo, com um discurso, com um ideal de redenção – melhoramento – da humanidade. Toda vez que você hasteia uma bandeira com orgulho aciona correntes invisíveis em torno do próprio pescoço, em torno da própria língua.
         Quando você abre a boca para falar sobre sua própria decisão, dentro de sua voz falam as vozes de todos os que queriam estar submetidos à imagem de um Deus que já se foi - utopia. “Sua” opinião “pessoal” é a mais óbvia e a mais comum. Já que não pode ocupar (pessoalmente) o trono vago de um Deus morto, você aceita conjecturas que mais ou menos atendem aos seus desejos pessoais mais íntimos. Por isso você identifica seu “representante” como o mais VERDADEIRO. É capaz de matar e morrer em nome de sua fé – sua reza mais íntima que obriga tudo e todos a dobrar os joelhos aos seus caprichos, suas taras não admitidas publicamente, seu nojo pelo que denomina “o resto”. Sintoma de seu caráter perverso é a euforia que sente ao desprezar todos que não compactuam com sua seita, sua mania de grandeza, seu desespero ao ouvir um outro – divergente!
_Você é um fanático que não admite, mas sabe no íntimo de seu ser o que é! Em todos os lugares você não encontra mais do que suas verdades, mais do que sua projeção magnifica do mundo perfeito.
         Alvo das pesquisas políticas e de todo marketing, sente orgulho semelhante uma masturbação quando defende um grupo que acha que faz parte. As decisões mais importantes já foram tomadas com portas fechadas e sua opinião não passa de números, não ultrapassa um gráfico generalizante. Você, chorão, não passa de um idiota a mais para uma máquina governamental cujas parcerias são secretas. Tudo já foi decidido e orquestrado diante do seu nariz egoísta, mas revolvedor de suas taras, você deixou escapar.
         Eis o paradoxo! Você foi desviado sutilmente de seus mais íntimos desejos e defende com unhas e dentes algo que não passa nem perto do seu desejo inicial. Chame isso de ideologia – no sentido pejorativo -, mas você só identifica isso nos outros: os outros é que são alienados, você, jamais!
         Decora fechado no quarto os números de seu “representante” e jamais se pergunta sobre a manipulação dos dados. Aceita os dados – como qualquer religioso aceita a revelação de sua verdade, o núcleo de sua seita! Combate os hereges sem piedade e queima todas as bruxas para salvar suas almas pecaminosas.
_Está vedada para você a possibilidade de se ver como um idiota. Você só se vê no espelho como um gênio! E seu partido só pode ser uma espécie de milagre, já que o gênio que você se tornou está absolutamente livre de equívocos.
         Quando percebe erros, você se consola:_ bem, nem tudo é perfeito, mas o que eu defendo é muito próximo do ideal.


r.A.
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Longa nota de rodapé:

         *De quatro em quatro anos tenho que presenciar essa erupção de crenças. E cá entre nós, minha sensibilidade capturou isso de tal maneira, que recebo tudo isso com um riso irônico. Ao mesmo tempo que manifesto minhas gargalhadas diante disso tudo, não deixo de achar tudo isso demasiadamente perigoso – porque é perigoso!
                Conheço a história política deste país – um pouco. (digo “um pouco” para manifestar modéstia intelectual). Depois de acompanhar tantas promessas e absolutamente nada efetivado, manifesto a descrença geral do cidadão comum – na política. Todo “politizado” me vem com falácias tão rapidamente derrubadas, que só posso concluir que os fiéis dessas seitas políticas sofreram lavagem cerebral profunda.
 Pensava, antes, que essa lavagem era culpa dos partidos aos quais se associam. Mas hoje, percebo nesse quesito tão evidente, que só se deixam alienar os desesperados de todo tipo. É bem mais fácil comprar o pacote ideológico de um partido político do que refletir e pensar – por sua própria conta em risco – os dados que nos saltam aos olhos.
                Os problemas gerais de nosso país são tão rapidamente solucionáveis mediante implicação sincera, que todos os discursos que me prometem algo – e fingem complexidade – não são mais levados a sério (particularmente falando).
                Por algum tempo achei que era o povo, em geral, com sua descrença política, a causa do “problema”. Mas vejo hoje que o povo está “certo” em sua manifestação de descrédito com as instituições políticas atuais. Mas de forma alguma me posiciono ao lado desse niilismo geral.  
                Minha posição política é exatamente esta que manifesto aqui – e espero ser bastante clara. É preciso em primeiro lugar abandonar essa pré-disposição para a representação afim de alcançar alguma autonomia de cidadão. Livrar-se desse caciquismo político atual e dessa ingenuidade em relação a esses grupos que polarizam a política. Só depois que nos livrarmos dessa fé (burra) militante é que poderemos voltar a pensar a política de uma maneira efetiva. Até lá, estaremos reféns de seitas utópicas manipuladoras da esperança coletiva. Confesso minha perspectiva política: Não há militância com autonomia no país! Qualquer sujeito com um pingo de inteligência supera legiões de militantes – é o dado mais evidente da “pós-modernidade” (chamem esse contexto como quiserem). Esses programas coletivistas não manifestam mais do que crenças. E enquanto for assim o resultado é fanatismo na certa.
 A “peneira” das reivindicações, sintetizadas em partidos políticos são uma farsa. Todo integrante de partido político sabe disso! A velha prática de eleger delegados para votar em suas causas é evidente. É uma mentira e está na base de todos os partidos. O coletivismo agindo desta forma é uma maquiagem das reivindicações do povo. As plenárias são uma fraude risível. Não passam de cartas marcadas que se degeneram assim que se afunila a representação – os representantes são escolhidos “a priori”. Seguindo essa hierarquia no íntimo da política das representações apenas proliferamos “máfias”. As campanhas espetaculares não passam de circo.

Esses coletivos agindo dessa forma não representam mais do que conchavamos – no fundo empresariais. Nenhum partido atual escapa desta prática que acabei de denunciar. Fazer resistência a isso e pensar a política de outra forma é a única posição ética possível. Fora disso é resmungo. 

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