terça-feira, 23 de setembro de 2014

O crepúsculo do pensamento crítico



Não suportamos mais pensar.

         Eis a máxima mais evidente atualmente. Pensar dói e é difícil. Se dói e é difícil, melhor é desviar esse caminho – essa necessidade humana. Pensar cobra seriedade e tempo. Mas seriedade e tempo, hoje, são tidos por adversários. Há quem diga que somos pós-modernos. Quanto a mim, desconfio que somos a sociedade do pós-Nada.
         Uma vez que vivemos a ditadura da felicidade a todo custo, da excitação sem lágrimas, pensar é a coisa mais estranha a se fazer. E o único modelo de felicidade que conhecemos é o do comercial. “Não pense, apenas divirta-se”. Tal é o mandamento. Pedagogos e demagogos tentaram conciliar o Pensar com o Lúdico. Não deu, pelo simples motivo que pensar dói. Não dá para se divertir pensando – na maioria das vezes. O riso após o pensamento é um riso melancólico. Irônico. Não chega a ser uma gargalhada forçada. No pensamento o gozo é outro.
 Lógica das reformas curriculares no Brasil: Se pensar é difícil, então vamos substituir o pensamento por outra coisa! Qualquer coisa lúdica há de nos livrar das crises! A maquiagem é essa: “temos de tornar a reflexão agradável” – Não seria invés de “agradável” um “Degradável”?
         Ludicidade, ocupação e futuro. Queremos o futuro ocupado e sorridente. Pensar, não. No máximo engajamento em ideologias cuja origem não está em nós. Religião, Trabalho e Política. Ocupadíssimos: Da casa para o trabalho, do trabalho para o templo. Sorrir durante o percurso.
         Pensar, no ápice de seu vigor de exercício, é uma ação solitária. É aí que dói mais – se não bastasse à dor de pensar e sua dificuldade, o pensamento cobra uma aprendizagem: Aprender a suportar-se. Mas! Não queremos nos suportar, queremos qualquer coisa que nos livre de nós mesmos. E para os que ainda teimam em querer pensar, temos uma frase pronta:_ Tai o doido, andando sozinho nessas horas!
         Tempo. Mas um tempo que nos prometa algo – A única coisa que o tempo não faz é promessas. Só desejamos um tempo com o qual possamos preencher nosso “pós-nada”, não desejamos um tempo que nos torture com sua passagem que espedaça essa carcaça orgânica que nos habituamos a chamar de corpo.
Não queremos mais pensar: vai que pensando nos daremos conta que nosso pós-nada escorrega em direção ao pó? Aí o futuro fica nu diante de nós. O futuro também é nada.
_Mas não somos seres históricos?
_Somos. E a história é nossa mentira favorita!
         Pensar é mais difícil do que morrer. E pode ou não ocorrer em vida. No andar da carruagem – ou melhor, no despedaçar da carruagem – não queremos mais que esse afeto e essa dor penetrem na vida. (Quem só entende Pensar entrelaçado com Razão, não foi avisado que antes da Lógica vem a Ideia – Platão sabia disso!).
 Pensar é uma expressão de liberdade e nada no mundo nos angustia mais do que a liberdade (diziam os existencialistas). Nós nos tornamos os animais que mais procuram alguma coisa para obedecer – um Deus, um Trabalho, um Partido; em suma, uma Utopia.
E como nos consolamos? Essa é fácil de responder: No auto engano da participação da construção desse dogma. Quanta ingenuidade!
_Pensar é uma ameaça de assassinato ao dogma.
         “A economia está em crise” – eis o axioma. Dele decorrem premissas: Temos de nos unir, sociedade, para estabilizar a economia. E das premissas decorrem conclusões: Trabalharemos juntos para superar a crise. Se alguém tiver a ousadia de dizer: Pensarei sobre isso! A resposta já está pronta para humilhar o engraçadinho: Pensar nada, você vai é para um instituto técnico de período integral para se preparar para o mercado de trabalho e desempenhar sua performance de “cidadãozinho”. Seu destino é: Dar orgulho para o papai, para a mamãe e para o país!
_E pensar? Não rola?
_Pensar não abate as metas! Quer ficar desocupado? Pensar não enche barriga e saco vazio não para em pé.
         Se pensar é mais difícil que morrer, na sociedade pós-nada você estará livre dessa dificuldade. Antes que você acorde já terá um objetivo sacudindo um chicote para suas costas nuas. Quando o chicote estalar próximo ao seu ouvido, você vai chamá-lo de Consciência. E em nome dessa tal “consciência” você perseguirá todos, passando à diante sua condição miserável que também receberá outro nome: Dignidade. Entretanto, veja pelo lado bom, você terá um funeral Digno... Pois é.
_Desse tipo de dignidade eu só quero uma coisa: DISTÂNCIA!
         O que eu não te contei é que se pensar dói, essa dor não significa de forma alguma que pensar é triste. E se fosse triste, eu, particularmente, preferiria essa tristeza com perfume de liberdade, mil vezes, do que essa felicidade comercial que inunda nosso pobre cérebro. Não é para mim essa felicidade de fuga de si mesmo. Pensar me ensinou – mais que qualquer mestre, mais que qualquer sociedade – ao invés de fugir, duelar com forças que me impedem de ser livre. Eu mesmo sou uma força que briga sorrindo. E me divirto ao exibir minha potência. Não é qualquer um que bate como eu bato – daí que reconheço minha singularidade.
         O crepúsculo do pensamento crítico é como chamo nosso contexto. Agora, exatamente nesse momento em que você está lendo esse texto, a preguiça e a covardia de muitos instauram dispositivos de poder para banir de uma vez por todas o pensamento e em seu lugar garantir o segundo passo para uma cultura fraca, a saber, instaurar um direcionamento técnico e objetivo para uma mentalidade que só vê sentido no imperativo econômico – “econômico” segundo o axioma que expus acima.
_Falou em economia então a coisa é séria!
         Pensar não é sério, economia é! (risos).
         Se você não sabe o nome desse dispositivo de poder, vou te ensinar a chamar os problemas pelo devido nome. A tal “Reforma na educação” – que vem sido encarada enquanto “solução”- é nada mais do que uma tentativa de sufocar o tempo de pensar pelo tempo de Ocupar-se: Obviamente na engrenagem de um tipo estratégico de economia – há quem pense que superar crises tem a ver com dar empregos; essa estratégia não me engana! Já que aceitamos que pensar é difícil – e pouco lúdico – agora a sociedade no geral está demonstrando seus sintomas de fracasso.
_Pensar pra que? Temos é que agir!
_Quando essa pergunta é feita, seguida dessa afirmação vazia, em uma sociedade, você já pode se preparar para o pior!
[Os nazistas não sabiam pensar, só sabiam obedecer – e obedecer em nome de redenções econômicas!]
         Não suportamos mais pensar, porque nos tornamos uma sociedade de bundas moles! Um tipo de bunda mole que vive de lamentação e contorna todas as pedras pelo caminho. O tipo de molengas que adoram pegar atalhos em momentos de crise. Confundimos nossa dramalheira com sensibilidade. A prova do quanto nos idiotizamos é que não reconhecemos mais o pensar como uma ação, o pensar como uma atitude mais rápida é devastadora que qualquer prática – o pensar como objetivo imediato.
No fundo o que nossa atual política quer fazer é nos ensinar a “brincar de trabalhar em nome de promessas utópicas de futuro”. Pessoas podem te fazer promessas (ainda mais em época de eleição...), mas o tempo não mente por conveniência, colega –Há um abismo que separa História e Tempo.
É lindo falar em Inclusão – mas, deixe-me te perguntar de maneira ousada: você é amigo ou inimigo de quem quer incluir numa lógica patética dessas? Como? Você também foi enganado com a conversa de “brincar trabalhando”? Não duvido! Nem um pouco.
Viu como eu te conduzi até aqui para te mostrar que sei desmascarar o tal lúdico? Por trás de uma palhaçada sempre tem uma intenção descansando na sombra. É esse tipo de intenção que eu piso no pescoço quando pratico filosofia! E você ia morrer pensando que filosofia é só pensar, né? – filosofia é deitar as ideias na porrada! Se ligue.
Bem, só posso terminar esse texto com uma pergunta que é ao mesmo tempo uma provocação:
_JÁ PENSOU HOJE?



r.A.


“[...]As pessoas já se envergonham do descanso; a reflexão demorada quase produz remorso. Pensam com o relógio na mão, enquanto almoçam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa – vivem como alguém que a todo instante poderia perder algo. Melhor fazer qualquer coisa do que nada – este princípio é também uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior.”


_Nietzsche. A gaia ciência.

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