Voltou um pouco mais gordo, careca no topo
da cabeça, com tufos de cabelo castanho nos lados, acima de um par de orelhas
de abano. Vestia camisa de botão com bolso na frente. Amarela. Calça social de cor
cinza, cinto daqueles que você encontra em lojinhas que revendem produtos do
Paraguai. Sapatos confortáveis, imitando couro. Um relógio prova d’água e um
sorriso de cafajeste – dentes amarelados por causa do cigarro. A barba bem
aparada e os olhos castanhos. Quem o via de longe podia jurar que não passava
de um despachante. A pele um pouco enrugada no pescoço e de tom avermelhada. O
contraste do pescoço com o rosto, um pouco menos avermelhado, lembrava um peru
- as olheiras roxas ajudavam.
A primeira coisa que fez, assim que
chegou, foi procurar um banheiro para cagar. Por sorte, providenciaram um
pequeno apartamento na Sé. Com uma janela de frente para a catedral na praça.
Podia ver as putas e os travestis fazendo ponto na calçada, o movimento nos
bares, o som das lojas fechando. Também havia uma livraria na esquina – com uma
sessão de livros usados. Correu até o banheiro para evacuar. O banheiro era
apertado, com as lajotas da parede um pouco encardidas, mas servia. Da outra
vez que ele veio, pelo que o povo comenta, tinha que cagar atrás de cactos no
deserto e limpar o cu com areia; então desta vez estava no luxo.
Cagou. Gostou do prazer de cagar e forçou
as tripas com força. A bosta estava mole, os peidos federam tanto quanto o
hálito do Diabo. Enxugou o suor da testa com as costas das mãos e olhou em
volta. Não havia papel. [Nem areia]. Poderia materializar, com um estalar de
dedos, um rolo de papel higiênico. Nada muito abusado, talvez um rolo de trinta
metros, aqueles que estão no meio termo entre o liso e o áspero – 2,75
R$.
_hum... deve ser uma das provações... –
resmungou com uma voz um pouco abalofada.
Meditou por uns minutos olhando para os
sapatos. Tirou os sapatos e as meias. Tinha uma unha encravada no dedão. Nada
muito grave, por sorte. Envolveu a mão com a meia, como se fosse um fantoche.
Achou graça daquilo. Apenas uma meia foi o suficiente. Jogou a meia suja de
bosta no vaso. Manteve a outra meia no pé com a unha encravada. Vestiu-se, deu
a descarga e lavou as mãos na pia. Jogou água no rosto e saiu.
Tomou uma golada de vinho de uma garrafa
que estava no chão da sala escura. Catou o cigarro que estava pela metade no
cinzeiro sob a mesa de centro. Acendeu-o novamente. Tirou umas baforadas. “Não
é tão ruim assim”, pensou, “na verdade é bem suportável”. Uma barata gorda
correu pela sala e se meteu embaixo do sofá.
***
A luz do sol atravessou as cortinas
emboloradas do pequeno apartamento e isso o fez despertar resmungando. Sua
cabeça latejava. Havia adormecido no sofá. No chão estavam seis garrafas de
vinho vazias. Uma pela metade. Seu estômago embrulhou. Tentou chegar até a
privada do banheiro, mas não deu tempo. Teve de vomitar na pia. Um pouco de
vômito – roxo - saiu pelo nariz. Espremeu pasta de dente na língua, encheu a
boca com água da torneira e fez gargarejo. Quase vomitou novamente. Enxugou o
rosto com a parte de baixo da camisa e andou cambaleando até a cozinha. Na
geladeira ainda havia uma garrafinha de cerveja. Arrancou a tampa e seguiu
bebericando.
_caralho... qual é a missão desta vez?
A barata gorda saiu debaixo da geladeira e
ficou parada nos seus pés.
_foda-se! – resmungou para a barata. –
Depois do meio dia eu começo a porra toda. Não enche o saco que te transformo
numa loira peituda e te boto para rodar bolsinha na praça.
A baratona torceu as anteninhas de maneira
ameaçadora. Ele deu uma gargalhada.
_Tô para além da moral! Sou eu que
estipulo o bem, não adianta argumentar comigo!
Andou com uma mão se escorando na parede e
a outra bebericando a cerveja. Seguiu até o fim do corredor e desabou num
colchão de casal. Terminou a cerveja contemplando uma mancha no teto e
apagou.
***
Acordou melhor desta vez. A primeira coisa
que fez foi descer as escadas correndo e entrar em uma lanchonete que
funcionava embaixo do prédio onde morava. Nem cumprimentou o atendente e foi
direto ao banheiro. Certificou-se se havia papel e cagou outra vez. Na porta do
banheiro estava escrito “aqui até o mais forte dos homens geme e o mais macho
pisca o cu”. A voz do povo, pensou.
Entrou na fila do buffet e serviu-se
principalmente de carne. Gostou do bife mal passado. Não havia
muitas opções. Arroz, feijão, carne boiando num molho grosso e marrom. Na
bandeja dos bifes lia-se: no máximo dois por pessoa. Obrigado! Notou uma mosca
nadando no azeite da salada.
Acomodou-se na última mesa da pequena
lanchonete. Um garçom moreno, longos cabelos encaracolados, correu em sua
direção.
_algo para beber? – falou olhando sempre
para um caderninho na mão.
_Cerveja. Bem gelada. Garrafa grande. –
disse com a boca cheia de carne, ainda mastigando.
O garçom correu até o balcão. Os cabelos
não se moviam, pareciam úmidos. Percebeu que o garçom corria porque o chão
estava liso – e o garçom gostava de brecar com os pés e deslizar alguns
centímetros. Voltou com uma garrafa e um copo. Trazia o copo com o dedão
dentro. Tirou um pano do bolso de trás da calça e poliu o copo. Quando ele
sacudiu o pano, ele pode sentir aquele cheiro de bunda suada que a calça social
provoca. O garçom, animado, serviu a cerveja e anotou no caderninho. Jogou a
comanda em cima de uma poça de água sob a mesa. Colocou a caneta atrás da
orelha e disse “bom apetite, senhor”.
_Amém!
Comeu olhando para a t.v. Passava o
noticiário da tarde. Um namorado havia tentado executar a namorada porque ela
não o amava mais – segundo dizia o jornalista com ar de indignado apesar do
cabelo lambuzado de gel. Ela havia sobrevivido a cinco disparos de 38.
“Intervenção divina” – dizia a moça, aos prantos. Não dava para ver o rosto da
moça, estava oculto com os cabelos loiros. “Também... o cara não mirou na
cabeça!” – resmungou o garçom, com ares de quem era perito no assunto. “Eles
não sabem o que fazem” – replicou outro sujeito no caixa. Este, do caixa,
ajeitou os óculos num nariz que lembrava uma batata. Resmungou com uma voz
aguda em direção ao fundo da lanchonete:_ não é?
Terminou a cerveja e limpou a boca com um
guardanapo. Ainda sentia um pouco de cansaço. Mas apesar disso, estava bem.
Fortalecido. Satisfeito. Empurrou o prato sujo para o lado e acendeu um
cigarro. Nem bem tirou uma baforada e o garçom gritou “NÃO! É PROIBIDO CARA”.
Ele se assustou e deixou cair o cigarro no chão. “Se a vigilância nos pega é
multa! Fecham o estabelecimento”.
_Vigilância?
_É cara, a vigilância sanitária! Temos que
manter a higiene aqui nessa porra! – Devolveu o atendente no caixa.
Ele juntou o cigarro do chão e apagou no
prato. O mundo acabando e os caras preocupados com um cigarro - refletiu.
Ergueu-se apoiando as mãos na mesa. Quando passava pelo caixa o sujeito de
óculos falou:_ E a conta cidadão?
_puxa, não tenho dinheiro... – resmungou
mexendo nos bolsos.
_Aqui ninguém come de graça, cara! Se você
não pagar eu vou ter que chamar a polícia. – o nervosismo deixou a voz do
atendente mais aguda, um pouco falha. Parecia uma porta velha rangendo.
_Façamos o seguinte. Quando você pescar um
peixe aqui por perto... o dinheiro da conta vai estar na boca do peixe, te
juro.
O sujeito no caixa sorriu para o garçom.
“Pode chamar a polícia para esse senhor”. Nessa hora ele meteu a mão no bolso e
sacou uma nota de cem.
_Fique com o troco! – Disse.
_O caralho! Aqui a gente trabalha certo. –
Abriu a registradora e devolveu o troco. – se vier com gracinhas, da próxima
vez a gente não te atende.
_Vou te curar desta miopia – falou
estendendo as mãos em direção aos olhos do caixa.
_Sai pra lá! – gritou afastando as mãos
dele com um tabefe.- se me tocar te sento a mão na cara, seu tarado!
_Mas é só passar um pouco de saliva... –
prosseguiu falando...
_passar saliva no seu cu! SOME DAQUI!
O garçom empurrou o sujeito para fora da
lanchonete. Da outra vez foi assim também, pensou. A gente aprende a relevar.
Andou até a praça da Sé. Na verdade era só
atravessar a rua. O movimento do período da tarde era semelhante a um
formigueiro. Entre a catedral, as bancas de jornais e o chafariz, transitavam
centenas de pessoas por minuto. Alguns mendigos com seus cachorros
arrastavam-se nas sombras. O lugar era perigoso e com o passar das horas,
tornava-se cada vez mais hostil. Ao fim da tarde o lugar adquiria um aspecto
terrível. E quando adentrava à noite, todo silêncio dos becos, eram o presságio
puro de uma facada nas tripas.
Encontrou uma sombra, no pé de uma
estátua, e ali ficou, apenas observando. A estátua de mais de três metros era
de um padre jesuíta. Nos seus pés alguns índios - provavelmente sendo salvos.
Um senhor andou até o centro da praça,
onde o sol castigava. Virou seu pequeno corpo, metido em um terninho cinza, de
frente para a entrada subterrânea do metrô. Retirou uma pequena bíblia com a
capa preta de um bolso interno e gritou: ALELUIA IRMÃOS! – com a voz um pouco
rasgada, mas bastante potente. Assim que fez isso, algumas pessoas se
aproximaram. E o senhor de terninho, com os cabelos brancos e o rosto vermelho
por causa do calor, começou a citar trechos desconexos de salmos e passagens bíblicas.
Na parte inferior da praça, perto de um
cruzamento, outro sujeito, desta vez um pouco mais jovem, cabelos castanhos e
terninho preto, fez a mesma coisa. Tinha ele um rosto que lembrava um cavalo.
Colocou uma caixinha de madeira ao seu lado. As pessoas que passavam, atiravam
algumas moedas na caixinha. O sujeito de terno preto agradecia e continuava
pregando o evangelho.
Ele cansou de ficar observando aquilo tudo
e andou até uma pequena farmácia próxima, sempre pela sombra. Seu suor fedia
vinho, evaporava álcool. Ainda se sentia nauseado. “Seria pecado estalar os
dedos e fazer passar a ressaca?” – cochichou para si.
Cruzou as portas da farmácia, percebeu um
senhor negro e de jaleco branco que respirou fundo. Pôde ler sua mente: “agora
um bêbado! Só o que me faltava!”
_Ali colega! – Resmungou – do seu lado
direito, dentro da cestinha. Todos esses remédios são para ressaca.
Pegou
alguns.
_Papel higiênico... – disse, ainda
grogue.
_No final desse corredor aí – apontou o
sujeito do jaleco.
Comprou seis rolos de papel higiênico, uns
frasquinhos com um líquido preto para ressaca e um desodorante. Pagou e caiu
fora.
Subiu a rua e atravessou a praça. A
multidão se aglomerava – ainda! - em torno dos pastores. Do outro lado da rua
viu outro sujeito de terno chegando e repetindo o procedimento dos anteriores.
Este tinha um chapéu marrom diante de si – e ali depositavam, os curiosos,
punhados de moedas.
Acendeu um cigarro e voltou para seu
apartamento enquanto sacudia negativamente a cabeça.
***
Deu um tapinha no topo da careca e catou
uma garrafa de vinho pela metade. Multiplicou por dez. O chão do apartamento
parecia uma adega que faliu. Assoprou na garrafa que estava na sua mão e ela
ficou gelada. Vinho do Chile – Deus te abençoe. Enxugou o suor do topo da
cabeça e secou a mão na perna da calça. Olhou para um lado, olhou para outro
lado. Arrancou a tampa da garrafa e tomou uma golada. O primeiro gole tem que
encher a boca para acostumar a língua com a acidez. Cristo entendia dessas
coisas.
A enorme barata veio correndo da cozinha.
Suas patinhas batendo no chão faziam o som de alguém digitando em uma máquina
de escrever. Tirou os sapatos e a meia e deixou num canto da sala. Desabou no
sofá. Uma mola fisgou sua bunda rechonchuda. “Filha da puta!”. Rolou para o
lado para ficar longe do alcance da mola.
A barata torceu as anteninhas. Parecia
nervosa.
_Para com essa merda aí, cara! – Resmungou
ele e bebeu mais uma golada. – Estar preso nessa forma humana é a pior coisa do
mundo! Só bêbado para suportar isso.
A baratona fez um ruído. Lembrava um garfo
sendo pressionado num prato.
_Não dá para fazer nada hoje. Já está
escurecendo! – Disse e acendeu um cigarro – já é quinta-feira. Vou ver se
começo a missão depois do fim de semana. Até lá, tenho que me acostumar com
isso tudo. Estou traumatizado, se você quer saber!
Exatamente duas garrafas e meia, vinte
cigarros depois, alguém bateu na porta. Primeiro foram três batidas de leve.
Seguiu mais quatro pancadas um pouco mais fortes.
Analisou aquela unha encravada no dedão e
prendeu a respiração. Estava no escuro, a sala parcialmente iluminada pela luz
dos postes da praça.
_A gente sabe que você está aí. Pode
abrir. – uma voz doce, um pouco arrastada, até sensual. Feminina.
_Um homem não pode ter sossego nesse
inferno? – Gritou. Mas com esforço se ergueu do sofá e arrastou os pés até a
porta. Destrancou e abriu.
Ali estavam paradas, duas figuras. Quase
humanas. Um cara com o cabelo preso em coque no topo da cabeça. Sobrancelhas
finas acima dos olhos pintados com sombra azul. Cílios postiços, grandes,
pretos. Nariz pontudo. Boca grande e com os lábios pintados de vermelho. Barba
escura. Pescoço longo. Era um homem magrelo dentro de um vestido curto -
prateado. Usava botas de cano longo, salto alto. Sorria. O outro cara era
forte, músculos forçando uma camiseta branca. Calça jeans e tênis comuns.
Estava sério. A testa um pouco enrugada e os cabelos loiros.
_Eu sou Gabrielê. Gabrielê. – repetiu. E
este é Sediney, meu amiguinho – dizendo isso passou a mão no peito de Sediney e
riu. A gente veio te fazer uma visitinha, gato.
_Não quero receber visitinhas! – Devolveu
ele. Sério.
_Ah, então está é uma visitona! – falando
isso empurrou a porta e entrou no apartamento. – Cê sabe o que eu estou fazendo
aqui! Você não está cumprindo com o pacto benhê. Assim não pode.
Passou a mão na careca – era um cacoete-
olhou em direção a porta da cozinha. A gorda barata estava ali. Observando
tudo. “foi você, miserável” – resmungou. A baratona correu para dentro da
cozinha.
Sediney sentou em uma poltrona verde,
próximo a janela. Ficou ali com seu rosto sério. Olhos profundos, escuros.
Gabrielê acendeu a luz num interruptor na parede.
_Nossa! Isso aqui tá um chiqueiro! – Sussurrou
Gabrielê. E ele ficou pensando: como foi que meteram uma voz dessas numa
aberração?
Gabrielê pegou uma garrafa de vinho do
chão. Abriu e começou a bebericar. Primeiro enxaguou a boca, fez bochecho com o
líquido. Depois acendeu um cigarro. Seu batom deixou marcas no filtro.
_Sou eu que decido quando as coisas
começam. Você sabe como é... – Começou ele bastante irritado. Bebendo de sua
garrafa já no fim. Francamente, invadirem seu apartamento para lhe passar
sermão sobre como deveria fazer seu trabalho?
_nãonãonãonãonãonão, garotinho – a voz
feminina e sensual se contrapôs - Você sabe que todos aqui temos um propósito.
– disse de uma maneira debochada, mas era o ar comum da figura.
_...E o seu propósito é me torrar o saco!-
gritou ele.
***
Depois que Gabrielê e Sediney caíram fora,
não conseguiu dormir. Continuou bebendo, mas o trago não estava mais fazendo
efeito. Seu corpo já havia se acostumado. O propósito de sua volta era anunciar
o fim. O jogo terminou. E mais! Ninguém se salvou. A humanidade, evidentemente,
não deu certo. A coisa toda foi um erro. Deus cansou da brincadeira, mas se viu
refém das cláusulas do contrato. O próprio Satanás, famoso por conseguir piorar
tudo, pediu demissão – e ficou triste por isso. O diabo não tinha como piorar a
humanidade. A humanidade acendeu a uma maldição que transbordava a ordem
divina. O único aperfeiçoamento do ser humano foi para o mal. Era um tipo de
mal gratuito – carecia, inclusive, de inteligência e criatividade. O homem não
chegou nem a ser profano. Era, simplificando, apenas uma criatura idiota. Os
profetas mesmo, mensageiros enviados e iluminados, não conseguiram passar de
imbecis arrogantes. Deus para se esquivar das críticas, dizia que foi tudo um
mal entendido. E o próprio Cristo entrou em pane total. Veja o caso da
humanidade, ela nem se quer se decidia se queria ser erradicada do mundo ou se
queria perdurar – era indiferente.
Agora, apenas por uma questão de
burocracia, os papéis todos que abriam falência da empresa, já começavam a ser
preenchidos. Todos queriam estar salvos da responsabilidade pelo fim da
humanidade. O livre arbítrio parecia ser a válvula de escape para toda a
responsabilidade. Constava na papelada que a humanidade decidiu assim, mas a
verdade era que a humanidade nem se quer decidiu sobre qualquer coisa que seja.
Estava entediada. Não adiantava mais – por séculos – enviar atrocidades! Nem os
anúncios que dramatizavam o fim conseguiam movimentar. O tédio da humanidade já
começava a contaminar o reino dos Céus. Depois que Satanás se demitiu o próprio
Deus tirou uma soneca.
Sentou no seu colchão, esfregou os olhos
com as costas das mãos, repassando a conversa com Gabrielê. “Bonitão, isso tudo
é muito simples! Vai lá, anuncia que a coisa toda acabou e saí de cena –
fofa”.
_Puta que pariu, eu tô fedendo feito um monte
de merda! – Resmungou, sentindo o próprio cheiro.
Levantou-se dali onde estava, no quarto,
tirou a roupa e foi tomar um banho. Ficou uma hora embaixo da ducha e não
conseguiu ver outra solução a não ser parar de adiar seu serviço. Mas que
patético, pensou, eu já tinha vindo outra vez para avisar que essa porra toda
estava prestes a acabar. Ninguém levou a coisa à sério, concluiu.
_Como foi que criamos essa multidão de
babacas? – resmungou.
***
Quando acordou já era domingo. Escurecia.
Estava de cueca e a cueca fedia como se fosse um animal morto. Estalou os dedos e conjurou uma muda de
roupas novas. Camiseta verde de botão, bermudão florido amarelo e sapatos
brancos. Vestiu-se e não viu garrafa alguma de vinho pelo chão. Coçou o saco e
foi até a cozinha. Dentro da geladeira não havia mais nenhuma cervejinha que
usava para rebater o porre.
_Espirito Santo, o que é que tá
acontecendo aqui nessa zona? - urrou.
Mas a baratona não apareceu.
Olhou pela janela que dava para a praça da
Sé. Muitas pessoas estavam aglomeradas por ali. Aparentemente uma banda de
forró tocava na praça. Aquilo serviu de estopim para ele parar de fazer rodeios
sobre o fim do mundo.
Sacudiu um braço no ar e na enorme
catedral apareceu um letreiro luminoso, piscando em cores vermelhas em um fundo
azul: "O apocalipse chegou!"
_Pronto, fiz o anuncio. Cadê meu trago?-
resmungou para dentro do apartamento.
Da porta do apartamento escutou um grito
"esse desgraçado ficou louco!". A porta caiu e saltou para dentro Gabrielê
- Sediney veio logo atrás. Gabrielê estava usando um vestidinho vermelho. Os
lábios pintados de azul fosforescente.
_Que ideia é essa de um letreiro luminoso
numa catedral? - gritou Gabrielê! - Seu pai vai nós matar!!!
_Quero meu trago! Vocês não podem fazer
isso comigo! - Devolveu ele apertando os punhos.
Gabrielê empurrou e este caiu sentado no
sofá. A mola voltou a espetar-lhe a bunda. Ela tentou fazer desaparecer o
letreiro, mas ele substituiu o letreiro luminoso por um ainda maior.
_Não é assim que você tem que fazer! -
resmungou Gabrielê afastando uma mecha de cabelo que lhe caia no rosto - você
tem que se pronunciar para o público de todo o mundo!
_Mas eles vão me matar, porra! - Gritou
ele se jogando de joelhos no chão. Lágrimas saiam de seus olhos.
_Mas o plano é esse fofa! É assim que está
escrito no contrato! - replicou Gabrielê.
Lá
fora o céu escureceu e um raio atingiu a catedral. O riso da multidão deu lugar
a um grito de terror uníssono. A terra tremeu e fissuras começaram a se abrir.
Das fissuras jorrava fogo. Mas a banda de forró não parou, nem se quer vacilou: isso é o que a gente denomina profissionalismo.
_Finalmente acabou... ainda bem. – disse ele
sorrindo e acendeu seu último cigarro.
r.A
-
A ilustração para este conto foi feita pelo artista plástico Emerson Ferreira da
Silva – exclusivamente para esse conto. Outros trabalhos do artista podem ser vistos em:
http://billyilustrar.blogspot.com.br/
http://billyilustrar.blogspot.com.br/
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