domingo, 24 de agosto de 2014

Como se não bastassem todos meus defeitos

      


      O importante é desistir lentamente porque o problema é que não há problema algum – a gente que é dramático. O tempo não é remédio para nada. Criatividade não é solução.
         De orgasmo em orgasmo se escala o amor. Encapamos esse delírio com as melhores palavras que esses resmungos adestrados foram capazes de produzir – vai ver é porque o tesão não suporta uma tarde de domingo. Observar a bunda de alguém se apagando no horizonte, depois o pôr do sol.
         Um escritor não pode se perguntar sobre o sentido da vida, pois se responde a pergunta primeira, é com palavras que se revolve, nunca com a realidade. Essa coisa é suportável – repito –, a gente que é dramático. Jogamos com as palavras, os termos são palavras cruzadas. De oração em oração (subordinadas ou não) atiçamos nosso próprio demônio.
_Sei lá.
         Toda vez que alguém tentou me ensinar o que é importante tive ataque de risos. Não acredito mais que conseguiremos preencher o silêncio para nos salvar... daí que consigo ser feliz quando calado. Só não quero ser salvo do silêncio. Todo dia é domingo. Entre o velório de um e o nascimento de outro é uma choradeira sem fim: apegue-se aos pequenos e belos detalhes da vida. “É importante”. Essas vitrolas, rapaz, me chutam no saco.
_Só me deixem quieto, por favor.
         Me restou escrever, como se não bastassem todos meus defeitos. Enquanto escrevo, vou enfeitando toda minha desistência, colorindo meu abandono – de si. Ambição – jamais vou confessar! Se a questão fosse ser feliz, poderíamos falar em otimismo e pessimismo. Porém, nem dá para ser triste sempre. E o problema é que não há problema algum – a gente que é dramático. Até Freud já li e não mudei de opinião: Sonho é o cocô da consciência. Mas se a gente não caga, apodrece de dentro pra fora. “O mundo é um sonho” – disse Buda. Tai que a diferença de Buda para Bunda é apenas uma consoante. Nunca vi o Buda desaparecendo no horizonte... acho que não queria ver uma coisa dessas. Sou muito apegado com consoantes.
         Tenho uma lei, que para mim, é mais verdadeira do que as leis de Newton. Segundo essa lei, sujeitos que escondem a sujeira embaixo da gramática, não se sujeitaram a nada. Tudo uns bosta! O tempo não me curou e se tenho sido criativo ao longo dos anos em que imitei o silêncio escrevendo, é porque fui bom numa única coisa: Esconder o jogo. Brincar com as regras.
         E pensar que toda vez que encarei a bunda de alguém, sempre me deparei com o horizonte – e foi lá que Rimbaud disse que encontrou a eternidade. Penso que Rimbaud não assimilou direito à lição. Era jovem demais quando desistiu. Eu não sou Outro – a gente é dramático demais.
         Existe vida antes da morte? Várias – e várias mortes também. Os mestres em suicídio não conseguem dar aula inaugural! Como se não bastasse morrer uma única vez, seguimos resistindo. (É que “resistir não é resistir” – me segredou Mirisola; fudeu com minha ingenuidade). De bunda em bunda mentindo o amor. Depois o pôr do sol.

r.A.

Para Flademir Roberto Williges,
Paulo Cesar Padilha,
Marcelo Mirisola – melhoras pra ti.
Rodrigo Inácio.


Fonte da imagem: Blog Fabíola Cidral.

Nenhum comentário: