domingo, 1 de dezembro de 2013

Encontro de um introspectivo sem fé na gramática



......Até agora a mística para mim não passou de uma grande frescura. Sinto muito, mas de saída contradigo o título! Nem as coisas me parecem correspondentes à topologia “dentro” e “fora”, nem acredito que a voz interior seja possível fora do delírio na gramática. Delirar na gramática me parece próprio de poetas – e o que tenho a ver com os poetas? Eles que chorem suas pitangas! Ainda na subjetividade aguda, quando raspo o limo que a envolve, vejo argumentos! Seriam meus olhos “viciados”? O verdadeiro monólogo, quem sabe, não seria o silêncio dentro de um caixão? – O falso no monólogo não seria o que o verborrágico questiona nas próprias palavras? E o diálogo final, quê me diz dele? Os vermes e suas intensas carícias nos defuntos.
......Signos sobrevoam a carcaça e estímulos revoltam os nervos – enquanto podem. É triste observar o animal doméstico... ele nos lembra nós: dando piruetas para ganhar um pouco de comida ou um afago na cabeça. Fora isso tudo, nós falamos de amor.
......Poucos resistem em manter a falta de sentido intacta! Operários constantes da semântica, ou inventamos nossos próprios significados ou pegamos emprestado. Entre a lembrança e a memória, a hereditariedade da identidade que jura para nós que não somos uma pedra. Você acredita nisso?
......Mas vou lhe dizer o que importa! Importa não pensar e seguir o melhor roteiro para salvar o mundo. Aquilo que se entende por “seguir”, aquilo que se entende por “roteiro”, aquilo que se entende por “salvar” e aquilo que se entende por “mundo”. Depois, no restante dos domingos de sua quase solidão, você coloca um entretenimento qualquer no lugar do tédio (em termos econômicos, o tédio sempre cobra um alto preço...). É importante você seguir uma carreira e ter bastante ambição. Também é importante ter um pouco de lucidez política – um pouco, não muita... numa caminhada até a esquina você vai encontrar uma seita quase praticável e um Deus quase perfeito. Essas são minhas dicas, hoje. O que você está fazendo que não está anotando? Pois é. É chato lidar com gente que não anota – e depois reclama!
......No fim das contas a vida é boa e o importante é ser feliz (veja pelo lado bom do suicídio...). Entre uma coisa e outra, se desenrola o drama – como se fosse um tapete vermelho. No final as coisas dão certo, você dorme e segue dormindo. Quem sabe na beira do lago Tarkana, com uma pedra na mão, assistindo o pôr do sol. Aposto uma caixa de cerveja que Caronte não existe! – isso não quer dizer que ele não persiste.

Para os céticos, a cerveja existe.





r.A.

(para o amigo Camposanto)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Filosofia no metro, na chuva, lavando a louça e fazendo bosta nenhuma!


(Fonte da imagem:http://gartic.uol.com.br/resiak/desenho-jogo/dancando-na-chuva)

......Hoje saí de casa com um pensamento “engasgado” no cérebro. Fiz uma anotação no metro, enquanto me equilibrava de uma estação até outra – precisava das duas mãos para anotar numa agenda -, para compor um aforisma mais tarde. É obvio que este aforisma não está pronto e por isso não vou revelar seu rascunho aqui. Mas vou falar da ideia. Veja só. Nos acostumamos em meio a uma multidão a pensar “ali estão os outros”, como se nós fossemos o ponto de referência, com olhos que fisiologicamente estão fadados a olhar para o exterior. Mas se outro nos olha, no meio de uma multidão, não passamos de parte “dos outros” até que algo de nossa singularidade seja notada, percebida ou até que algo de nossa singularidade irrite o observador. Se por um lado a ideia brotou enquanto cruzava a porta e apertava o botão do elevador, por outro lado o melhor lugar para dar forma a essa ideia foi um metro lotado! Lembrei de Buda e de Bukowski, na mesma hora. Modelos de fricção com o ambiente em que se encontravam, por excelência! É possível que se eu fizesse uma relação entre Buda e Bukowski na academia, em um trabalho acadêmico, quero dizer, é possível que a banca debocharia de mim na mesma hora – diria, na melhor das hipóteses, que sou um pseudo-filósofo, um idiota legítimo. Mas no metro, eu posso ser filósofo do meu jeito. Ser filósofo, para mim, não foi uma questão de “querer ser”, fui pego pela expressão, fui pego pelo sabor do pensamento... “começou como se fosse um erro”, mas não vou falar sobre isso agora. O caso é que me senti filósofo naquele exato momento.
......Meia hora depois, estava andando até o terminal de ônibus. Entrei no ônibus – também abarrotado de gente – e em meio ao calor dos corpos agrupados, em meio a mistura de diferentes cheiros, de diferentes humores, olhares, reclamações, conversas, em meio a tudo aquilo, me flagrei pensando ainda sobre a filosofia – quê é a filosofia?. Nunca soube responder essa pergunta, mas sei o que não é filosofia! Sei que filosofia não é o que esta escrito no jornal, por exemplo, também não é a chuva: seria interessante se fosse a chuva! Bastaria um banho de chuva até o trabalho para você adquirir esse tipo de conhecimento, esse tipo de sensação. Muito se falou que filosofia é um pensamento no ócio, na calada da noite, revolvendo suas próprias reflexões, etc. Não penso que seja isso agora – e tenho apenas vinte e poucos anos. Talvez Platão riria de mim, porque não contemplo nenhum tipo de certeza e se fosse possível uma ponte de milênios – pelo menos uns dois -, encontraria Deleuze rindo na minha cara. “Criar conceitos, rapaz”, ele sussurraria naquela voz cavernosa. É claro que o conceito é alguma coisa da produção de um filósofo, mas têm mais os estados de espírito, a potência e a impotência corporal, o estilo, a escolha literária, o flagrar-se “a meio caminho da estalagem da razão” (Como escreveu Fernando Pessoa no Livro do desassossego... – Fernando Pessoa não era um filósofo, resmunga alguém na banca...), imanências, transcendências, olhares ônticos, ontológicos, etc. Cá entre nós, eu ainda estava me sentindo filósofo. Depois que o ônibus me deixou no meu ponto e eu tinha que subir três quadras, passar em frente a uma igrejinha, atravessar uma minúscula praça, na chuva, ainda estava rodeado de pensamentos. Quase podia tocá-los! Transferia um conceito para outro muito diferente, contextualizava mentalmente um pensador e outro, me contextualizava, afirmava, argumentava, duvidava de mim, ria sozinho e assim fui indo.
......Meia hora depois, já estava numa sala de aula. Terceiro ano do ensino médio. O combinado era que falaria de Karl Marx, precisamente sobre organização social do trabalho, luta de classes, lucro e mais-valia, meios de produção. Era o roteiro da aula, uma aula expositiva após a leitura de alguns textos, etc. Precisava abordar rapidamente conceitos que julgava não serem bem salientados no material didático que fora destinado aos estudantes, aquela coisa toda. Perguntas vieram, algumas foram respondidas, outras deixaram reflexões no ar – particularmente prefiro deixar reflexões no ar a responder perguntas...-, argumentos foram aceitos, argumentos outros foram refutados, o que quero dizer com tudo isso é que me sentia ainda filósofo, me sentia ainda em plena Àgora, intensamente e vigorosamente pensante. Sem um tipo estranho de inspiração, você não consegue se manter filósofo dando aula em uma escola! Uma porta se abre, um celular toca, alguém chega atrasado, alguém grita no corredor, outros riem, boa parte da atenção é desviada, alguém boceja para te informar que está entediado, etc. Quem da aula em escola pública sabe sobre o que se passa durante 50 minutos. 10 minutos são destinados a alunos que entram atrasados, mais 10 minutos são destinados à chamada – carimbar o gado (risos) -, digamos que mais 10 minutos são gastos com todo tipo de interrupção – de um comentário desnecessário à um acesso de risos que emerge de uma piada contada por alguém em um grupinho. Restam-lhe uns 5 minutos para entrar no clima, 5 para responder possíveis questionamentos ou observações, 10 minutos dedicados exclusivamente a filosofia – se tudo correr bem. Mas dez minutos de filosofia são incríveis! Dez minutos são como uma troca de socos de dois pugilistas, podem definir o resultado da luta toda, resultado de horas, de meses, de anos, de séculos! Quando acontece, é como se a humanidade respirasse um novo ar, tomasse um novo fôlego! Eu luto por esses dez minutos uma manhã inteira! Se você soubesse quantas vezes perdi essa luta, diria que é absurdo – ou até masoquista – esse objetivo.
......Você acha que todas esses pequenos acontecimentos grandiosos são levados em conta quando alguém irá te avaliar? Pois é, minha opinião sobre isso tudo é que NÃO. Numa sociedade, falando hodiernamente, creio que o filósofo e todo esse seu empenho sejam sinônimos de tolice. Ao menos que aquele que escolheu para si ser filósofo não sinta uma espécie de “recompensa” nos pequenos detalhes do seu cotidiano, nos pequenos tesouros – que se revelam imensas montanhas de sabedoria -, ao menos que o filósofo não sinta uma grandiosidade intrínseca em seu próprio exercício, ao menos que não defenda esse “resto” que tudo conspira para jogar no lixo, creio que sua autoestima e sanidade sofrem de hemorragia silenciosa. É alguém quer me avaliar, e alguém quer me medir – o quanto sou digno de ser filósofo -, e alguém quer levantar suspeitas sobre mim, e alguém ocupa um lugar no estado e se diz preocupado com a educação, e alguém acha que não somos o bastante... E fazem pelo menos uns três anos que tenho gabaritado em provas do Estado – provas terceirizadas e na maioria das vezes mal formuladas: gasto mais tempo tentando corrigir as avaliações que me são aplicadas para entender o que é que realmente gostariam de me avaliar, do que respondendo questionários e justificando dissertações. “Duvido muito que Platão conseguiria um orientador em uma universidade para fazer uma pesquisa sobre Platão”. – tai, acabei de tecer um bom aforisma (risos). – “Bem senhor Platão – é seu apelido, não é? Pelo visto você andou publicando um bom bocado, mas não teve muitas participações em eventos filosóficos, não publicou muita coisa em revistas especializadas, e seu Lattes anda meio magro... complicado... assim fica difícil.”
......Talvez, você esteja pensando agora:_ poxa, mas que dramalheira, que choradeira, você fica aí só reclamando, que porcaria rapaz! E se esse for o seu caso, sinto muito lhe informar, mas não estou reclamando – estou até alguns quilômetros longe disso. Quase desapareço no horizonte! Aceito o “jogo”, jogo ele nos conformes de minhas possibilidades – até um pouco além. Se fosse experto não estaria escrevendo isso aqui. Muito menos publicando! Mas não sou um sujeito muito esperto, embora ame a filosofia – mas é claro que só isso não basta. Nunca bastou. Sei como é acordar num quarto pequeno, pagar um aluguel absurdo, espremer a agenda toda semana para reservar pelo menos duas horas diárias de leitura e reflexão. Sei como é comer mal para conseguir comprar um livro no fim do mês, sei como é andar com um sapato furado na sola ou com uma camiseta desbotada só para manter a chama (semelhante a uma ponta de fósforo) acesa diante de tanta escuridão.  Isso não me desespera nem me aniquila; isso tudo me constrói. De outra maneira, duvido muito que minha filosofia teria algum valor. Valor esse que preservo como um pai atrapalhado cuida de seu filho. Me afirmo de tal maneira que, semelhante a Nietzsche, seria capaz de publicar uma obra elogiando minha doença! Se Rimbaud não tivesse sentado a beleza em seu colo para repudiá-la, antes de mim, eu provavelmente já teria feito. Tanto atraso teria me poupado a História...
......Mais tarde estava lavando a louça. Lavando a louça de uma semana! Um pouco de preguiça, um pouco de descaso, uma apologia da falta de tempo, mas ainda assim lavando-a. Em algum momento ri de mim. De “mim”, não de “eu”. Foi um riso nefasto, um riso de ridículo. Consigo ser ridículo e ainda assim me sentir filósofo? – resmunguei. A resposta era tão óbvia que a própria pergunta foi tola. Me senti muito capaz de lavar a louça. Aliás, me senti no lugar mais correto do meu mundo. Mesmo com aquela sensação de estar fazendo “bosta nenhuma”, num sentido filosófico, ainda me sentia filósofo! (Ouvi falar que foi um espanto para alguns sujeitos que foram visitar o sábio Heráclito, encontrá-lo simplesmente aquecendo as mãos diante de uma fogueira. Nada de “genial”, apenas aquecendo as mãos). Não sou Heráclito, não sou nem um pedaço de uma sombra dos grandes, sou alguém muito satisfeito em lavar a louça e se sentir filósofo – mesmo que sozinho. E se isso tudo não bastasse, ainda escrevo. Não sei o porquê – ser a multidão do outro deveria esfriar essa febre. Se você souber, por favor, não me conte.


r.A.


Para Rodrigo Menezes e Fernando Klabin. Amigos que tanto devo e não vejo como pagar. – ah se Klabin não tivesse traduzido Nos cumes do desespero... não quero nem pensar nisso!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Política Harry Potter




......Sejamos práticos e realistas: Pensemos! Tai algo que tenho estranhado em termos de uma discussão política no sentido amplo do termo! Não conheço ainda alguém que pensa sem o corpo. Se tomo uma atitude no campo mais íntimo, mais micro de minha singularidade, posso citar milhões de exemplos, mas ficarei apenas com esse: Se ando pela sala e decido acender um cigarro, a força de meu pensamento perpassa meu organismo sendo “uno” com o mesmo. Também não conheço ninguém que fuma sem o pulmão e, em longo prazo, sem a obsessão.  Se decido militar em determinada causa, não há como militar sem levar o corpo. Apenas no livrinho infanto-juvenil de título Harry Potter, um professor levanta para dar aula e esquece  - nada mais que – o corpo. Vai só com a alma. Por que você está dizendo isso r.A. (você pode estar se perguntando agora) ? Digo porque tenho ouvido por aí que não há mais espaço para as bases ideológicas no “jogo” político! Aqueles que afirmam isso, para mim pelo menos – e para a história da política e seus teóricos moderno-contemporâneos -, aqueles que afirmam que não há espaço para a ideologia na política hoje, só podem ter lido muito Harry Potter esquecendo-se que era uma literatura de fantasia! Cá entre nós, só entre mim e você, não posso viver num país que pratica uma política de Harry Potter! Vai que começam a passar um chapéu na cabeça das pessoas para decidir de maneira mágica a que grupo essas pessoas pertencem. Saca só!
......A política – esse tema que as vezes é encarado de maneira fanática ou com descaso ou com parcial caso... -, tal como eu a entendo junto da história da humanidade, foi uma atividade inventada pelos gregos. Nela ainda há um termo grego: “polis”; que a grosso modo significa “cidade”. Nesse lugar cercado (geográfica e culturalmente), onde essa curiosa espécie hominídea de longo percurso – a saber o homo sapiens – se junta aos seus para evitar não apenas a solidão, mas para melhor garantir sua existência frente as adversidades da natureza, a cidade habitada precisa debater diretamente sua organização. Questões que passam cotidianamente despercebidas como, por exemplo: De que maneira distribuir o “poder” de decisão?, quê estratégias adotar para resistir as adversidades da natureza – como preservá-la e ainda assim usufruí-la-?, como  julgar aqueles que violam as regras básicas desse convívio?, etc., como dizia, essas questões necessitam de um mínio de pensamento e principalmente reflexão.
......Desconfio, e toda a história humana é álibi ao favor de minha desconfiança, como dizia, desconfio que se não houver pensamento e reflexão, não há cidade – nem grega, nem italiana, nem cubana, nem brasileira. Onde não se organiza para discutir os posicionamentos básicos de sobrevivência, não há política. A não ser que o plano seja um retrocesso histórico até um período anterior a linguagem. Não me parece o caso desse animalzinho que se autoproclamou “hominídeo que sabe”.
......Se eu, que faço muitas coisas sem pensar – chega ser incrível essa minha inconsciência em momentos derradeiros -, mas mesmo se eu que faço muitas coisas sem pensar e admito, não consigo acender um cigarro sem pensar – e preciso do meu corpo para fumar e até para dormir-, como poderia separar a atitude de pensar de um agir prático? Ou é Harry Potter, ou é algo bem objetivo. Pergunto: tem alguém aí que está lendo esse texto sem possuir minimamente um corpo? Chico Xavier, é você?
......Agora que ficou bem claro que não se pensa sem o corpo e que não se faz política sem reflexão, pense você como me sinto quando me dizem que hodiernamente se afirmam, nas mais distintas “forças políticas”, que estamos diante de uma nova fase onde a ideologia – sentido amplo do termo: conjunto de ideias pensadas por um determinado grupo – deve ceder em nome de uma política mais prática? Ora, como sujeito pensante, me sinto meio fora de moda! (risos). Até aí tudo bem, já me acostumei a ser uma exceção quando a desgraça e a burrice se tornou regra! Mas aí começo a desconfiar que partidos políticos, obviamente necessários numa pluralidade democrática, dispensam minha cabeça e soletram para mim que o que interessa é minha ficha de filiação e o pagamento da contribuição: em outras palavras mais simples: “Companheiro, não precisamos nesse momento de suas críticas filosóficas e etc; mas do seu apoio”. Pois é.
......Pergunto para você, caro leitor desse infame blog: o que faço com meu cérebro? Faço o quê com esses anos todos dedicados a leitura e compreensão das ideias que movem a organização social política? E esse corpo que já não é lá grande coisa (praticamente se arrasta feito uma lesma na superfície de um planetinha chamado Terra), enfio ele onde? No cu? Enfio toda minha existência no rabo afim de desaparecer e deixar apenas meu sincero apoio? Então a conversa na escola de “pensamento crítico” era apenas um jogo da velha? Então a universidade onde muito pesquisei, muito investi meu tempo, meu dinheiro, meu intelecto, no fundo era só uma piadinha?
...... “Espaços há, devemos ocupá-los” sussurrou para mim um anarquista dia desses, vai ver o cara ainda está no anti-semita Proudhon, amanhã depois joga um judeu nos trilhos do metro, vai saber. Não adianta em nada ocupar espaços ou as ruas ou as praças ou um motel para chegar nos finalmente depois de uma noite na balada, se tenho, nessa curta vida, que podar minha inteligência! – castrar minhas ideias é como arrancar-me a cabeça e ainda manter meu corpo funcionando para puxar carvão para o diabo!
......Agora se você, ovelha fiel, está aí resmungando:_ r.A. diz isso porque é destro, porque é canhoto, porque gosta de polêmica, porque gosta de distribuir bofetadas nos amigos e nos inimigos, porque não se adaptou ainda a política Harry Potter, se você está ainda nesse nível de leitura – bééééééééééé -, agarre-se a sua querida bandeira da moda e vá dormir. É por causa de pessoas como você rapaz/moça, que os campos de extermínio Nazistas foram o melhor modelo de burocracia (burrocracia?) fanática que o nojo desse mundo já produziu. Toque sua punhetinha trivial com as lascas do mastro da bandeira e sonhe com os anjos - que só um idiota pleno consegue dormir tranquilo nessas condições.

r.A.


obs: A gente ainda nem começou...

(Para L. A. Z. - que me fez pensar...)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

00:39



......Não é a insônia, o entregar parte da vida na performance trivial de um piloto automático, as contas vencidas, o estar longe de casa – o não ter casa-, e o não se encaixar em lugar algum (provando o fel do exílio ontológico). Isso não é o pior! Não é a morte que vaga lambendo seus garrões, nem a azia de tanto comer miojo, nem andar com a carteira vazia. Ser incompreendido nem de longe é o pior.
......A evidente falta de caráter humano, a apologia da estupidez, o coração peludo e defeituoso, o olhar feio, o passar sem meio termo do tédio a euforia, a tristeza que chega sem aviso prévio, o desgaste,  pequenas depressões encaradas no lado escuro da rua, perder o controle sobre o próprio tempo... Nada disso é o pior. A solidão... a solidão não é o pior!
......Viver uma vida desregrada, não levar nada muito a sério – inclusive a dor -, desconfiar de tudo que até hoje se teve como certeza, ter consciência aguda da aniquilação constante das coisas, fritar num ódio silencioso, ter vocação mais para a ironia do que para o nexo, ter um slow blues por trilha sonora, a cabeça decepada da arte diante de si em uma bandeja de papelão, não. Nada disso considero o pior.
......Sem habilidades para a distração, sem concepções políticas redentoras, sem religião, sem Deus, sem capacidade de dar um passo em direção a utopia e fé. Nem isso é o pior. Nenhum desejo de crachá de autoridade em alguma coisa, salvo o nada. Nada de convicções!
......O pior é se descobrir uma fraude. O pior é o cheiro de fraude impregnado em torno de si. Mas diante do pior ainda há a perspectiva do “mais pior”. O não se descobrir uma fraude, sendo-o.


r.A.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Um pequeno texto enquanto espero o sono




......É óbvio que você e todo mundo que você conhece sabe como é um dia ruim. São 23 horas e estou no finalzinho do meu. Parecia que o dia iria ser bom pela manhã, digo, o clima, os pássaros cantando – coisa rara no centro de São Paulo -, não cruzei nenhum chato pelo caminho e consegui chegar em silêncio no trabalho. Mas depois do meio-dia, parece que o tédio, a sonolência, a falta de sentido, finalmente me alcançaram. A única coisa que me fez rir de verdade foi uma briga entre um motorista de ônibus e um cobrador. Vou contar como foi.
......Dentro de um ônibus lotado, indo em direção ao terminal de Barra Funda, um sujeito de cabelo black power pediu uma informação para o motorista. “Onde fica o banco mais próximo? Preciso sacar dinheiro” – disse numa voz preocupada. O motorista, um velho com cara de nojo, bastante barrigudo e mal humorado, resmungou:_ Desce nesse ponto aí rapá! Aí na esquerda tem um banco! – gesticulou com o braço num sinal de “não me amole, porra”. O sujeito de black power pagou o cobrador. O cobrador estava cambaleante de sono e usava um óculos escuro espelhado. Parecia uma mosca na beira da morte. A simples visão do cobrador magro, enfiado dentro de um uniforme três vezes maior que ele, já era cômica por si só. Quanto a mim, estava escorado em um canto próximo a uma janela. A essa altura o tédio e a falta de sentido já ocupavam o mesmo espaço que meu corpo. Antes de descer, o sujeito de black power sentiu de agradecer pela informação do motorista e gritou:_ valeu aí MASTER.
Master...
......A palavra Master ficou no ar. O sujeito de black power saltou do ônibus um pouco estabanado e correu na direção indicada pelo motorista. Ergui os olhos acima dos meus óculos e vi que realmente havia uma agência uns poucos passos do ponto de ônibus. A farra veio depois!
......No outro ponto, ao avisar o motorista que podia fechar as portas porque os passageiros já haviam saído, o cobrador resolveu fazer graça.
_Pode fechar as portas aí, Master! – disse isso com uma voz esganiçada, claramente debochada. O motorista carrancudo fingiu que não prestou atenção no gracejo, mas alguns passageiros – inclusive eu, pela primeira e única vez no dia – riram.
......O riso empolgou o cobrador. Incentivou as suas gracinhas. Ele que a pouco parecia uma mosca na véspera da morte, agora parecia um mosquito excitado esfregando as minúsculas mãozinhas. Era um mosquitinho cheio de energia porque encontrou a paciência de alguém para atazanar.
......No outro ponto, próximo a um viaduto, o cobrador sorriu assim que os passageiros terminaram de saltar da escadinha na porta.
_Fecha Master!
......O motorista bufou e resmungou alguma coisa que lembrava “máster é o teu rabo...”. Mas seguiu. Desta vez eu não ri, mas muitos outros riram com mais vontade.
......Para mim a piada já tinha perdido a graça. Por isso fui me agarrando nos bancos até encontrar um lugar vago no fundo do ônibus. Infelizmente o lugar que encontrei batia um sol de 30 graus. Se não bastasse o tédio e a falta de sentido, agora estava começando a ficar com dor de cabeça.
......Resumindo o baile, mais quatro paradas fez o ônibus, e em todas as paradas eu ouvia um “vai máster”. Às vezes o Master era dito da seguinte forma – afim de dar ênfase na piada: Más- Têr! Um ponto antes da chegada até o terminal, o motorista mal humorado freou bruscamente o ônibus, desafivelou o cinto e se pôs em pé.
Pude ouvir, mas não pude ver direito a situação toda.
_MASTER É A BUCETA DA SUA MÃE SEU PORRA! MASTER É O SEU CU ARROMBADO! MASTER É A CHAPULETADA QUE VOU TE DAR NESSA SUA CARA DE BICHA!
_...pô cara! É brincadeira! Fica frio ai chefe! Não gosta de descontrair um pouco, pô?
_VOU DESCONTRAIR MINHA MÃO NA SUAS FUÇAS SEU CABRA DE MERDA! SE FALAR MAIS UMA VEZ MASTER VOU ARRASTÁ-LO PARA FORA DESSE ÔNIBUS E VOU PASSAR COM O PNEU EM CIMA DA SUA CABEÇA – TÁ OUVINDO?- SEU PORRA!
......Foi aí que a piada acabou. Podia ouvir o som da respiração dos demais passageiros. Quando chegamos ao último ponto senti uma tentação tremenda em resmungar lá do fundo “valeu Master”. Mas algum engraçadinho falou isso na minha frente, fazendo todos os passageiros cair na gargalhada mais uma vez. Porém não havia muito que o motorista pudesse fazer. Não deu para identificar o engraçadinho e todos desceram do ônibus ao mesmo tempo.
......O clima havia mudado. Todo mundo parecia mais irritado do que o de costume. E eu, enquanto subia as escadas do terminal, junto com um rebanho de mais uns cinquenta humanos, pensava comigo mesmo que a humanidade não foi feita para dar certo. Basta você observar um agrupamento de pessoas para sentir os ânimos exaltados. Um mormaço paira no ar. Parece que a qualquer momento, por qualquer motivo que seja, todos vão cravar os dentes e as unhas uns no pescoço e nos olhos dos outros. É terrível!
......Estava acabado. Meu corpo protestava contra o que eu estava o submetendo. Seguia suando e ardendo como se fosse uma enorme ferida. Sentia-me como uma febre, como um rasgo embaixo do dedão do pé, como um ferimento de bala, como um chute no saco. Mas ainda tinha que enfrentar uma fila na lotérica e pagar um maço de contas atrasadas. Bukowski falava em um estágio próximo a loucura, induzido pelo cotidiano. Não tinha como não lembrar disso.
......Permaneci na fila. Oito pessoas na minha frente. Seis atrás de mim. Todo mundo praguejando. Se você quiser aprender palavrões, o melhor lugar é uma fila de lotérica ou de banco. Ali você conhece o potencial humano – fila de lotérica, ônibus lotado, metro. Outros lugares são bares, igrejas e puteiros. Você não conhece o potencial humano em mansões, iates, restaurantes chiques e assembleias sindicais. Nessas horas você entende que manifestações são festas de fim de semana – prefiro uma bala de borracha no olho a qualquer fila! Quero ver você falar de soluções para o paradoxo da sociedade capitalista na fila de um banco nos últimos e primeiros dias do mês. O povo te arranca a cabeça fora e joga futebol com ela... Eis a incoerência de teorizar utopias humanistas no fundo de gabinetes com o ar condicionado a toda! – Todo mundo bate palma feito foca para o Rousseau passeando no bosque ou o Thoreau se masturbando no meio do mato, ou o Dalai “Lhama” evitando mexer no tico enquanto medita, ou o Buda contando suas respirações, etc., ... aí não dá para ser; aí não dá para ser. Mas todo mundo vai salvar o mundo um dia, amém.
......Depois que fiquei 500 reais mais pobre, o que restou de mim foi disputar uma fresta no metro. Ali, continuaram as doses cavalares de humanidade. Dose dupla, sem gelo e com dois dedinhos de veneno puro. Socos, cotoveladas, xingamentos e desejos de guilhotina – Greatest hits! Você pode não acreditar, mas um pedaço de mim se arrastou para fora disso tudo, cruzou a porta do apartamento e deu duas voltas na tranca. Mais tarde fiquei sabendo de alguns que não resistiram bravamente. Dois se atiraram nos trilhos, um se enforcou com os fones de ouvido do celular, outro ainda simplesmente parou de respirar em algum ponto da jornada, e por aí vai.
......Agora chega. Este texto já ficou chato demais. Acabaram-se as sacadas ilustrativas e as piadinhas ácidas. Pelo menos ainda tenho um cigarro, meio copo de trago e nenhuma esperança. Não ter esperança na humanidade não depende de um dia ruim – como você deve estar pensando nessas alturas. Não ter esperanças tem a ver com um pedido de demissão em relação à ingenuidade habitual (vale dizer “comum”). Boa noite.


r.A.

ps. Escrever não é desabafar, mas é engraçado como a gente se sente melhor depois que escreve um pouco... 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pedaços de um ensaio escrito ao longo de quatro copos de Vodca - ao som de Imitation of life (R.E.M.) !



(Título de referência a Bukowski)


......Uma caneta trêmula segurada por uma mão tímida sob uma folha em branco. Fora da moral cristã também há o sentimento de arrependimento? Um animal que desenvolveu a técnica curiosa de exteriorizar-se em signos. Existe algo de ridículo no endeusamento ao escritor. O escritor que não se sente um animal exibido em uma jaula de palavras está fazendo alguma coisa errada... levei 40 minutos para concluir esse parágrafo, já foi mais fácil – até onde me lembro.
......O bom escritor é aquele que ao escrever cria uma relação de empatia com seu público – MENTIRA! O bom escritor é aquele que possuí leveza e domínio das palavras ao expressar suas ideias – OUTRA MENTIRA!  O bom escritor...- MENTIRA! Não existe essa história de bom escritor. Ideia, expressão, técnica, domínio, blábláblá para boi dormir. Existem pessoas que não cabem mais dentro de si e para não explodir ou se atirar de uma ponte, escrevem. O resto é jogo. Jogo e tédio. Jogo, tédio e opinião.
......Não entendo como alguém pode (querer) se expressar sem fraturas e fricções. Gente de bem com a vida se vira melhor batendo palma para o sol, comendo maçã do amor, discutindo o socialismo X capitalismo no bar com os amiguxos, do que escrevendo. Quando escrevem há uma reprodução desnecessária do império da baboseira. Alguém disse (foi Voltaire?): “Posso não concordar com sua opinião, mas lutarei ao seu lado até o fim pelo direito que tem de expressar sua opinião”. Foi mais ou menos isso? Vou aplicar minha correção. Posso não concordar com o fato de você exprimir opiniões. Só.  
......Desconfio. Lá onde algumas pessoas dizem “acredito que...”, eu desconfio. Não sei dizer se sou realmente um escritor, mas desconfio que tenho feito isso direito. Garanto para você que não é algo que alguém deve se orgulhar. Um colombiano safado disse que “escrever é um problema a mais”. Efraim Medina Reyes é o nome desse tal colombiano, que não menosprezo por abandonar! E ele roubou esta proposição de um filósofo chamado E.M. Cioran. Um dia pretendo escrever uma filosofia para rebater Cioran, mas não aqui, mas não por enquanto... por enquanto sou jovem e molenga – mas não é disso que quero falar. Quero falar sobre Cioran ter dito que “a literatura é a verdadeira filosofia”. É claro que (só por hoje...) não concordo. Filosofia vive em um porão na casa onde a literatura habita. O filósofo é um palhaço tentando avisar que o circo tá pegando fogo! (Kierkegaard). Ainda assim, para qualquer um que escreve, que precisa escrever, que não explode nem pula da ponte por covardia ou descrença, escrever é um problema a mais. E escrever é, sem dúvidas, um gozo masoquista. Uma vergonha altruísta.
......Ninguém pode se dar bem virando-se do avesso e exibindo as tripas e o coração. Também não há dinheiro, nem reconhecimento, que pague o preço por esse ato de loucura espontânea. Seria uma terapia se o anonimato esfriasse essa febre! Quer saber mais sobre isso? Desenterre o cadáver de Lima Barreto e pergunte até ele responder. Ou melhor! Nem queira saber mais sobre isso... isso não é para você. Vá escrever num jornal – ziguezagueando entre propagandas de lojas e puteiros! Quem sabe você não se convence que é “O cara” ou “A mina” e deixa a literatura em paz. Eu conto assim: 1 no jornal, -1 na literatura! Eu também tenho minha matemática (risos). Obs: Lima escapa das funções matemáticas! Então não venha com o papinho de que estou sendo contraditório – eu esfrego o saco com paradoxos.
......Uma caneta trêmula segurada por uma mão tímida sob uma folha em branco. Agora já era! A virgindade da folha foi profanada. Dizem as más línguas que Pai é quem cria. Responsabilidade inimaginável para um vagabundo como eu. Justo eu que escrevo como quem depreda a vidraça de um banco – mas sem máscara e sem bando! Tenho concepções políticas óbvias: Sou de direita quando o copo de vodca está do meu lado direito – tipo agora – e de esquerda quando o cigarro está do meu lado esquerdo – tipo agora. “Os filósofos passaram séculos interpretando o mundo, agora é hora de transformá-lo” – Interpretou o filósofo Karl Marx. E como você pode perceber, cá estou do meu canto mudando o seu mundo e o meu mundo enquanto escrevo – isso porque você leu até aqui! Já sabemos o que faço com paradoxos... (riso triunfal).
......Caneta tipo espada em mão firme sob uma folha de brancura profanada! Rolou uma apatia entre nós (?), ou...



r.A.

sábado, 17 de agosto de 2013

A paixão é uma questão de... CALE A BOCA!



......As mulheres são difíceis! Se você disser o que pensa a queima roupa, elas só vão entender comparando com o que elas pensam sobre o assunto. Se você disser o contrário do que sente, julgando que dessa forma estará de acordo com o que elas pensam , elas discordam de si mesmas com o único objetivo de te afrontar! Por outro lado, se você não disser nada, elas partem para outro – afinal, elas não curtem esses tipos “caladões”. Se você falar demais, elas partem para outro porque você falou demais. Por fim, se você ficar confuso com elas e ir parar num sanatório, elas mandam uma carta dizendo que sentem muito – e uma foto com o atual namorado que ocupou seu lugar, já que você está no sanatório. Se você gosta de mulheres, vai descobrir que com elas você só acerta quando tem certeza que está tudo errado. Abri minha correspondência essa manhã e lá estava uma carta de Gabriela contando que o problema era com ela, não comigo! Finalmente concordei com ela e voltei para a cama para aproveitar uma linda manhã de sexta-feira, recheada de ressentimento.
......O lado positivo de enlouquecer sozinho porque uma mulher partiu seu coração é não ter que se abrir com ninguém, tão pouco receber conselhos de amigos que dizem que isso tudo é normal. O lado negativo é que gostava dela e, por incrível que pareça, achava que as coisas estavam indo muito bem – obrigado! – uma vez que estava me sentindo feliz. Claro que passou pela minha cabeça que estava sendo egoísta já fazia um bom tempo! – Mas ela escreveu que o problema era com ela, não comigo... Você acredita nisso? Eu prefiro acreditar. E pensar que quase fiz uma tatuagem com o nome dela... aquela vaca problemática! A psicologia não explica, mas a zoologia explica o motivo da natureza não permitir vacas e burros de formarem um par.
......300 horas se passaram na minha percepção, mas o relógio denunciou que nem estávamos próximos ao meio-dia. Quando a gente não se diverte o tempo conspira contra nós! Um ano e meio e parecia que conheci Gabriela ontem. Lembro que ela dizia que eu não dava ouvidos à suas necessidades – e dizia mais algumas coisas que não lembro direito. De qualquer forma a vida deveria seguir seu curso e aqui no sanatório estava faltando comida. De qualquer forma o mercado não muda de lugar mesmo que o mundo congele e parta aos pedaços diante de nossos olhos...Escovei os dentes, joguei água fria no meu rosto balofo e sofrido. Saí.
......Por dentro, sentia que estava acontecendo uma hemorragia grave. Quando a balconista do mercado – Ângela – disse “bom dia Adriano”, quase não consegui responder: o sangue já estava na minha garganta e me sufocava.  Devolvi um tímido “olá” e tive a sensação que uma bolha de sangue se formou no meu nariz. Andei duas vezes em cada corredor e acenei com a cabeça duas vezes para o açougueiro. Vi o meu reflexo no vidro da geladeira de cervejas – estava com a camisa do avesso! Mas a culpa não era minha, ainda semana passada estava feliz e sabia vestir uma camisa! Pelo menos a cerveja estava em promoção – sempre esta, por isso o preço é sempre o mesmo.
_Puxa cara, você está uma merda! – Resmungou o açougueiro quando passei pela sétima vez na sua frente.
......Suspirei e olhei aquele avental com respingos de sangue já em tom de rosa. Ria. Dei a única resposta que veio a minha mente.
_Pelo menos não sou um açougueiro!
...Continuou rindo. “Você é bom nos diálogos!”. Retrucou. “É que minha vida não se resume a ser gentil para vender carne” – Repliquei. “É que eu sou casado, sabe? Minha mulher não me abandonou porque sou um escritor falido”. – Achei boa a resposta dele e fiz uma anotação mental para usar em um conto mais tarde.
_...Não seria rude com um sujeito que bota um sorriso na face de sua mulher enquanto você está trabalhando! – disse.
_Você nem sabe onde eu moro! – sentenciou ele.
_...prefiro que você morra acreditando nisso, amigo!
......Uma veia apareceu na sua careca branca. Percebi que era a hora de correr. Nunca se sabe o que alguém com uma faca afiada na mão é capaz de fazer. Não que eu seja covarde, mas vivo de pequenas vitórias em pequenas lutas mesquinhas. – Aprendi essa com o Zorro. Infelizmente só consegui aprender isso...
......Voltei para o sanatório. É quase como estar em casa! Corrigindo: É com estar em casa. Sabia que Gabriela não estava lá, mas mesmo assim gritei:_ Gabriela, voltei! Não, ela não morava comigo. Gritei para o fantasma, afinal, o fantasma dela não iria embora tão logo. Melhor se acostumar. Chega uma hora na vida de um homem em que ele deve deixar a loucura aflorar! – quem é casado sabe do que estou falando. Deixar a loucura aflorar é quase um remédio, com o detalhe de que o remédio tende a curar: por isso o “quase”.
......Seus cabelos cacheados eram perfeitos, mas ela vivia reclamando deles. Suas unhas, bem cuidadas, acho que eram perfeitas – nunca foi de ficar prestando atenção em unhas! Seu sorriso, sua boca, seus olhos, suas pernas, a bunda, os seios, a força de vontade e a esperança e a perseverança – de estar comigo, quero dizer -, tudo era perfeito e ela vivia reclamando de tudo! Gabriela, cheiro e cor de café, até suas reclamações agora estavam tão nitidamente ausentes... vai ver eu era perfeito também – por isso ela vivia reclamando de mim! Por que as mulheres nunca reconhecem nosso esforço antes de fechar a porta quando saem? Eu bebia ao seu lado, escrevia ao seu lado, até ia no mercado ao seu lado – será que é pedir muito que se leve todas essas dedicações em consideração? Muitas vezes, relutante, deixei que ela lavasse minhas roupas... me sacrifiquei em nome dessa relação – qualquer um percebe! Até quando ela se filiou a um movimento feminista, aceitei desde que ela lavasse a louça! Não consigo entender como esse sonho lindo acabou...
......Depois da vigésima cerveja entendi que a vida deve seguir seu curso. Reli a carta de Gabriela e continuei aceitando tudo que ali ela manifestou – principalmente a parte em que dizia que o problema era com ela, não comigo... Bola pra frente, pensei, não dá para atrapalhar o movimento da vida! Peguei o telefone e disquei timidamente o número de Bety. Atendeu no quinto toque.
_Bety, aqui é o Adriano jr. Preciso de companhia para conversar...
......Uma voz calma e um pouco sonolenta respondeu do outro lado. “São trezentos reais a hora, querido”. Trezentos? – Refleti. Vai ver é à alta do dólar...
_Mas o táxi não vou pagar! – afirmei – As mulheres são difíceis!
_Já está incluso, querido! – sussurrou aquela voz macia.
_...Você é tão gentil...


r.A.


Decote...



......“Você pensa que o seu problema são as pessoas, mas o seu real problema é que você não passa de um imbecil” – Gritou Gabriela e depois bateu a porta. Um provérbio de Willian Blake dizia que “Aquele que já esteve sob seu domínio, te conhece”. Tanto faz. Blake é fresco e Gabriela vai voltar. A coisa toda começou lá pelas duas da manhã. Ela insistiu em me apresentar para dois amigos dela da faculdade de letras. Diziam eles que seria bom para seus estudos conhecer um escritor de verdade e trocar umas ideias... Bem, não sei o que é um escritor de verdade e desconfio da integridade moral de gente disposta a trocar ideias. Você já percebeu que todo bunda mole se sente excitado com essa ladainha toda de sentar num bar e trocar ideias?
......Lá estava eu, Adriano Maranello Jr, ouvindo blues em um bar e esperando os tais amigos de Gabriela. Minha camisa estava meio apertada na gola e meus sapatos novos estavam apertando os ossos nos meus pés; mesmo irritado com essas coisas, tudo melhorava meus ânimos uma vez que tinha o blues! Ela, com seus longos cabelos escuros e um decote descomunal, olhava apreensiva para o relógio. “Eles estão atrasados... será que se perderam?” – Resmungou preocupada. Aquela sua voz de menina meiga... Encarei seus olhos castanhos e sorri.
_...eles não vão vir. Vamos indo! – Falei.
......Uma faísca brilhou no fundo daqueles olhos castanhos. Aquele era o sinal de que eu acabara de irritá-la.
_...Sei o que você quer... Quer voltar para casa, transar, tomar um porre e ir dormir! Estou cansada disso Adriano! Chega de ficar trancafiado naquele apartamento! Precisa fazer como as pessoas normais! Conhecer gente nova, se divertir, porra!
......Exceto sobre o porre, Gabriela havia acertado. Exceto sobre o “fazer como as pessoas normais”... exceto sobre o “conhecer gente nova”... ela estava certa! A ideia do porre começou a ganhar espaço na minha mente. Ao som do blues, cantarolava mentalmente agora: O porre... o porre... tomar um porre e ir dormir... transar e tomar porre e ir dormir...
......Os caras apareceram. Estavam sorridentes. Tinham os dentes bem alinhados e as roupas bem passadas. Gabriela se levantou e acenou para eles. Primeiro abraçou o mais alto. Claudio era o nome dele. Estava vestido de azul e usava um cachecol vermelho. Tinha olhos grandes e voz anasalada. Depois ela abraçou o mais baixo. Jorge ele disse que se chamava. Usava uma jaqueta de couro e parecia que malhava da cintura para cima. Falava pouco, mas compensava sorrindo para todo mundo. Quanto a mim, até que fui simpático, até que apertei e sacudi a mão dos dois, quase me levantei da cadeira. Quase não sorri. Pensei nos avanços da pediatria, no quanto era complexa a manipulação de remédios nos laboratórios e nos conceitos chave do neoliberalismo. Aí acenei para o garçom e pedi mais uma cerveja e mais dois copos.
......Fiz um balanço geral sobre a situação. Bem: eles vão falar bastante... talvez duas horas? Aí serão quatro da manhã. Adriano é um sujeito de mente aberta. Enquanto bebe, consegue conversar sobre todos os tipos de assunto. Pode entrar e sair de qualquer pauta. Por exemplo, pode falar sobre o Oriente Médio, sobre a Rota da seda, sobre a economia atual, sobre o teatro e a dança, sobre as diferenças ideológicas dos jornais Folha de São Paulo e Estadão, sobre as costuras duplas nas botinas dos pedreiros, sobre a raça ideal de cachorros para se adestrar no interior afim de facilitar o trabalho com o gado, sobre o horóscopo chinês e o último filme sobre o Wolverine. É bastante coisa, não acha? Estipulei uma meta. Sair às quatro da manhã, pegar um táxi e depois pegar a Gabriela, tomar as seis últimas cervejas na geladeira, fumar um cigarro e ir dormir fedendo. O que faz um homem são seus objetivos e metas na vida! – e quantos rounds ele é capaz de suportar antes de cair ensanguentado ou jogar a toalha.  
“Tudo é simples, apenas não se mate” – dizia um cara que trabalhava numa ferro-esquadrilha.
......A coisa toda seguia conforme o planejado. Até que Claudio e Jorge foram ao banheiro. Gabriela esperou eles sumirem de vista e começou com a chateação:_ Caralho! Você só sabe dizer “sim”, “não”, “talvez” e “concordo”? Por que está sendo tão chato com as pessoas?
......Parecia ser uma questão interessante. Não havia me dado conta que tinha evitado por uma hora inteirinha qualquer tipo de conversa longa. “Então você escreve?- Sim – Gosta de Sam Savage, não é? – Talvez- Essa banda é boa... – Sim – Estamos estudando Graciliano Ramos na faculdade...- Concordo – É bem remunerado esse tal mercado editorial? – Não.”
_...Gabi... Prometo que entrarei a fundo no próximo assunto. – Jurei. “Assim espero” – ela reclamou.
......Vi, lá longe, nas outras mesas, que os sujeitos estavam voltando. Arrisquei uma apologia para salvar meu lado com ela.
_Gabi... Como posso te dizer isso... Sou um cara velho, sabe? Um sujeito um tanto cansado e sofrido... Tenho uma certa reserva para com as pessoas e além do mais, sou tímido...
......Gabriela girou os olhos nas órbitas e suspirou. Balançou os seios e isso chamou a atenção dos meus olhos para aquele decote. Essa parte foi ruim porque me fez pensar no preço que me custaria espiar um pouco mais daquele decote. Senti um minúsculo Adrianinho dentro de mim, vagando solitário por entre imensas geleiras, arrastando os pés com dificuldade. Na medida em que os sujeitos se aproximavam da mesa onde estava sentado, visualizava esse pequeno “eu” escavando com as mãos nuas no gelo em busca de um pouco de graça e simpatia. Lágrimas brotavam dos escuros olhos deste pequeno Adriano, mas decotes de morenas balançavam no horizonte gélido para incentivá-lo. E agora, dentro de mim, uma decisão fatal deveria ser tomada... uma questão de prazer ou morte! As mulheres não ligam para o gosto do fel na boca do sujeito que corre o risco de voltar sozinho para casa...
......A seis passos de Jorge e Claudio chegarem a mesa, Gabriela resmungou “Você não é velho e não é tímido, você é um mentiroso cara de pau”. Enfim, a verdade surge quando a gente menos espera, pensei.
......As intenções mais estranhas estão por trás de uma mulher que exige você ao seu lado. Às vezes você é bonito – esse não é o meu caso. Às vezes você é um sujeito em evidência que uma mulher pode usar para se destacar em um grupo – também não é o meu caso. Às vezes uma mulher te ama incondicionalmente – dizia mamãe... Augusto Cury, uma canção de sertanejo universitário e duas adolescentes bêbadas. Ou às vezes você é um cara legal com essa mulher e ela gostaria que você fosse tão legal como é com ela com os amigos dela... Tudo exige muito empenho!
......Quando os sujeitos voltaram, mudei da água para o vinho – um milagre, quero dizer! Porque na verdade mudei da cerveja para as doses de whisky. Teci tratados filosóficos sobre a literatura, a música, a existência e tudo mais. Eles adoraram, um deles até aplaudiu. Gabriela adorou o quanto me tornei afetuoso. Empurrei-lhe vários copos de cerveja até que ela sentiu de ir ao banheiro. Quando voltou os sujeitos decidiram que era chegada a hora de partir. Vai ver eles não gostaram muito do meu lado mais humano, concluí. Nos abraçamos afetuosamente, trocamos telefone, prometemos nos ver qualquer dia desses. Alguma coisa me dizia que esse negócio de conhecer gente nova, travar novas amizades e etc., enfim não era lá tão ruim assim.
......Gabriela acabou de bater a porta e dizer que sou um imbecil. É claro que esse tipo de situação é muito constrangedora para um homem. Mas pensando bem, acho que ela vai voltar... Olhei no relógio e passava um pouco da uma hora da tarde. Abri uma cerveja e sentei no chão do apartamento porque estava um pouco grogue – ressaca. Vi um bilhete sob a mesa do computador e estiquei a mão para alcançá-lo. Era, sem dúvidas, a letra de Gabriela – uma letra feia dos diabos! Li. “Imbecil. Não acredito que você subornou meus amigos para eles irem embora e quando eles não aceitaram o suborno, você ameaçou bater na cabeça deles com uma garrafa. Você é estúpido e não quero mais ver você! Espero que morra”.  
......Como ela descobriu o meu feito, nem sei. Imaginei que ela ligou para eles logo que acordou. Terminei minha cerveja com um pouco de vergonha de mim. Aquilo não foi muito gentil, realmente. Peguei o celular para ver se alguém havia me ligado nesse meio tempo. Ninguém. Decidi me castigar por ser um sujeito tão ruim – tomei banho e voltei para a cama.



r.A.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Nem r.A. desagradou todo mundo - mas quase!



......Maria Rilke, aquele poeta chato, quando um jovem lhe pediu “dicas” sobre escrita, respondeu o seguinte:_ basta sentir que seria possível viver sem escrever para não ter o direito de fazê-lo! (Cartas a jovem poeta). Lembro disso porque simplesmente não deveria estar escrevendo – agora -, mas estou. Comecei mentindo para mim mesmo que este blog “deveria” ser movimentado... Depois, pensei que faço isso por respeito aos leitores desse blog... E quando dei por mim, já tinha aberto uma cerveja... Acho que já devo ter dito em algum lugar que escrevo por obsessão (nunca por incentivo! Já que a maioria sonha com o dia em que eu sofra um acidente com uma motosserra e decepe as mãos!). Fora tudo isso, é ultrajante alguém se atrever a escrever depois de ler Lima Barreto. Podemos concluir esse primeiro parágrafo afirmando que: 1- escrevo por obsessão; 2- escrevo para decepcionar as expectativas do grande público (risos); e 3 – sou atrevido e ultrajante. Detalhe: Tudo isso depõem contra mim e de forma alguma é um elogio. Eu só não me mato porque não estou afim de antecipar o carnaval.
......Antes mesmo do contato com a Filosofia, sempre tive uma desconfiança em relação a qualquer entusiasmo humano. Quero dizer, sempre que vejo um grupo, um coletivo, um amontoado, uma turba, uma “galera”, animada com algo, começo a pensar que abismo esse “algo” oculta logo abaixo de si. Isto é, quê buraco, quê “falta de sentido”, a multidão está escondendo embaixo do tapete? Você não se pergunta essas coisas? – Sei que não! Depois, bem mais tarde, depois do contato com a Filosofia, eu descobri que “toda opinião é um esconderijo”. Então, talvez, esta minha opinião é que seja meu esconderijo! Do que me defenderia? Do grupo, do coletivo, do amontado, da turba, da galera animada – certamente!
......Aprendi lá com uns alemães ‘Modernos’ que ser um “indivíduo” é muito mais uma “inatualidade” do que um equívoco de concepção! Embora todo discurso “contra o mal e o capitalismo” fizesse por anos a fio me sentir meramente um descontente (risos). Hoje eu sei que se fosse meramente um descontente haveria ‘remédio’ para mim! – Me filiaria a um partido, ou Religião, ou Sindicato, ou Ong, ou Coletivo bem intencionado, ou Grupo que jura salvar o mundo e os animaizinhos sem lar, ou simplesmente tomaria uma injeção de paroxetina! Quem disse que resisti? (risos).
......A diferença entre quando era um adolescente atormentado e agora que me tornei um adulto debochado, é que finalmente descobri que meu lugar é exatamente esse aqui! Não exatamente o vagabundo baudelairiano, mas com uma preguiça imensa para com ocupar um lugar na bendita “Sociedade”. Isso mesmo, preguiça. Só de pensar em fazer uma defesa de cargo, dizer que não sou “qualquer tijolo no muro”, já começo a sentir sonolência! – Deve ser por isso que Pink Floyd não me encanta mais! Sou um aposentado da crítica e um entusiasta do deboche. Confesso que me assustei dia desses pensando sobre isso. Perguntei: Será que sou um cético? Quero dizer, será que agora suspendo todos os juízos, não acredito, mas investigo? Felizmente, ser um cético se revelou para mim um imenso trabalho – por isso fiz a finta e driblei o ceticismo! (Acredito em uma porção de coisas e muitas delas envolvem cerveja e vodca...).
 ......Ter consciência da tragédia que é a vida faz a gente desconfiar de todos os roteiros. Abraçar causas é um pouco ‘fácil demais’! Não digo isso no sentido de que não vale a pena “lutar” (essa palavrinha “lutar” tá meio clichê e molenga ultimamente...) pelas causas – claro que valem, se você acredita! Digo que é fácil demais, escorando-se nas benditas causas, definir quem você é (ou está sendo...). Ficou mais hipócrita ainda – atualmente – quando ninguém mais quer pensar que é o ‘vilãozinho’ da história toda! Tive uma experiência interessante em relação a isso, nessas férias. Quando quis fazer algumas pessoas – só para mexer com seus cérebros...- pensar que são “massa de manobra” na maior parte do tempo, obtive como resposta os discursos mais moralistas do mundo! (risos). Percebi que é ridículo ninguém querer pensar em si mesmo como um sujeito ridículo! (Imagine o constrangimento do povo Alemão no final da Segunda Guerra Mundial!). Só posso achar “incrível” – lembre-se que essa palavra tem um sentido etimológico...- que nenhum economista ‘sério’ ainda não tenha pensado no fator ‘Vergonha’ enquanto composição da economia (Oikonomos)– pelo menos a psicanálise e a filosofia, antes dela, pensaram nisso!
......Talvez, se você leu até aqui, deva estar pensando que estou escrevendo essas coisas por causa das manifestações que vem ocorrendo em uma grande parte do Brasil – e algumas partes do mundo. Se esse for o caso, sinto desapontá-lo, mas ainda nem terminei de pensar com cuidado sobre as tais manifestações! – Embora tenha muita gente por aí a fora vomitando pontos de vistas! Mas se serve de indicador sobre mim, revelo que sou favorável a maioria das manifestações (e participei de algumas delas!) – e não me sinto mais ‘O cara’ por isso! Em uma época de política “Maquiavelista” (vale mais o “manter-se no poder de negociar” do que a ética), é quase impossível sua manifestação não se tornar uma plataforma de campanha ou engrenagem para ataques partidaristas! Nota: Falarei sobre isso em outro texto.
......Cá do meu canto, esse lugarzinho não tão confortável quando alguns pensam, tenho estado demasiadamente exposto e por isso não dá para acreditar que minhas opiniões são esconderijos! Até pensei em me ocultar por trás de discursos políticos, utopias, ladainhas educacionais (a lá, pós graduação à distância em pedagogia...) e discursos do “amor & terno” para com a sociedade, mas ser um Homem me impediu desse fiasco e máscara! O preço que pagarei por isso, provavelmente, não será baixo. E esse texto não desagradará a todos – imagino – e certamente este será o risco maior de não conseguir parar de escrever.


r.A.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Umas palavras furiosas sobre literatura! Depois, todos vão tomar seu leitinho e nanar no quentinho...



“Brotará por azar, não por sorte! Quando azar for sinônimo de resistir”. (r.A. respondendo um questionário sobre literatura).

......Aconteceu na escola, lá pelos meus 15 anos. Não conseguia ouvir e prestar atenção nas coisas que os professores diziam. Em partes porque os professores eram chatos! Em outras partes porque eu é que era um idiota. Diferente dos idiotas em geral, não me achava alguma coisa, apenas vivia perdido. Também vinha de uma família recheada de problemas, mas isso é choradeira. Andava pela biblioteca da escola olhando todos aqueles livros e vez que outra retirava um da prateleira. Alguns até conseguiam prender minha atenção por algumas horas, mas em geral, não tinha a disciplina necessária para absorver alguma coisa dos livros (ou a maioria era uma bosta mesmo). Por outro lado, não achava as pessoas e o mundo mais interessante que os livros. As pessoas só falavam – e continuam falando- de si mesmas. E suas vidas me davam – e continuam me dando – sono. Foram épocas estranhas que simplesmente não fazem nenhum sentido para mim. Parece que uma manhã eu acordei e já tinha 15 anos. E fora algumas encrencas em que me metia – geralmente brigas violentas-, não tinha feito nada e não sentia que faria alguma coisa, dali para frente. Havia uma fatalidade pairando sobre mim. Aqueles que me viam, de longe sentiam que em algum momento eu  sentaria sobre uma pedra e esperaria morrer de tédio. É. Dramático e enfadonho, mas é assim que penso que era. Até que um dia um sujeito magrelo e baixinho chegou para mim e disse:_ Cara, você é muito idiota! Deprimente! – esse sujeito passou a ser meu melhor amigo.
......Era uma época ridícula em uma cidade patética do interior. Tudo que rolava era melancólico, porque não havia muito o que fazer. Quem não gostava de transar e jogar bola, ou bebia, ou se drogava, ou desembocava na literatura. Eu fui um dos que desembocaram na literatura. Encontrei um livro em uma sessão reservada da biblioteca – permitida apenas aos professores. O livro era do filósofo Arthur Schopenhauer. Foi a primeira vez que cada palavra que lia, cada parágrafo, cada capítulo, parecia estar direcionado para mim. Voltei várias vezes até a biblioteca para ler aquele livro. Cabulava/gazeava aulas, muitas vezes, para ficar em um canto da biblioteca folhando aquele livro. Implorei para o bibliotecário me deixar retirá-lo (embora já tivesse lido o mesmo livro mais de três vezes) e como ele não me permitiu, acabei roubando o bendito livro. Este encontro inusitado com Schopenhauer fechou um milhão de portas na literatura, para mim. Já não tolerava as dez primeiras páginas de outros livros. Tentei outros caras: Platão, Kant, Marx, Foucault, mas não deu. Isso no mesmo gênero literário – Filosofia. Na literatura clássica então, nem se fala! Folhei a biblioteca inteira da escola atrás de alguma coisa, folhei os clássicos da literatura brasileira – Machado de Assis parecia um jornalista e detesto a escrita jornalística! Então migrei para a poesia. Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Baudelaire, foram alguns de meus camaradas. Depois descobri o Marquês de Sade – Romance emprestado por um professor de sociologia – e Nietzsche. Nunca mais saí de Schopenhauer e Nietzsche! Flertei, nessa época, com escritores anarquistas, mas me pareceram cristãos demais! Enfim, foi isso tudo que descobri com 15 anos.
......De lá para cá se passaram 10 anos. Quando a literatura me cansou, caí na música. Descobri uma porção de outros (as) escritores (as) que transformaram meu tédio em algo produtivo. Enquanto isso preenchia cadernos e mais cadernos com escritos – pequenos contos, ensaios, poemas, etc. Na universidade comecei a frequentar oficinas de escrita e os pretensos escritores quase me mataram de tédio! Talvez eu seja mesmo um desaforado, um arrogante, qualquer coisa ruim que se possa imaginar, mas definitivamente, quanto mais conhecia pessoalmente gente que se dizia “das letras”, mais me decepcionava – e não era uma decepção no sentido de expectativas não correspondidas! . As exceções foram sujeitos que não estavam interessados em ser escritores – parecia que esses escreviam “melhor”, mais sinceros, sem forçar a barra.  Percebia que quando alguém decidia dizer sobre si mesmo “sou um literato ou intelectual”, um pequeno grupo o cercava de mimos (como uma nuvem de moscas na merda) e o transformavam em um imenso imbecil – ou talvez esses sujeitos sempre foram imbecis, só as lisonjas os encorajaram a sair do armário.
......Com toda essa experiência frustrante e desencorajadora na literatura, nunca pensei que um dia me dedicaria a ser um escritor. Ao longo de uns três anos passei a “limpar” minha escrita afim de encontrar um estilo por conta própria. As receitas passadas por outros escritores e os patéticos exercícios passados em oficinas só me ensinaram tudo que eu devia evitar. No fim das contas entendi que apenas quando escrevia coisas que podia suportar ao ler – muito poucas, aliás – é que daria um passo titubeante no vazio. Nada de colegas e professores me dando tapinhas nas costas! – Espinhos envenenados brotam de minhas costas...
......Deve haver mais algumas centenas de motivos para se escrever alguma coisa. Mas comigo, tudo se resume a solidão e fratura. Escrever e consultar os outros para saber o que acharam – e olha que essa é uma das receitas de alguns escritores aclamados por aí a fora!- não passa, para mim, de desperdício puro. Obviamente não há escritores sem leitores, mas um bom escrito é “para todos e para ninguém”.
......Quando me entrego a um auto exame, raras vezes chego a concluir que outra coisa poderia ter feito de mim. Escrever se tornou um jeito de me virar – apenas. Escrever também, numa perspectiva de defensiva, é um ótimo jeito de escapar do que os outros pretendem fazer de você! (e não se esqueça que você é o outro de si mesmo!). Saturando com faca quente os membros decepados em uma desconstrução, dá para evitar todo tipo de pomadas que venham a querer aplicar nos seus ferimentos. Fama e sucesso – seja lá o que essas duas palavras sonolentas signifiquem- são metas para quem não experimentou aquela sensação de um porre de vodca barata. “Saldo positivo” são palavras que figuram no dicionário dos mais palermas! Qualquer sujeito que experimente algum contato com a arte e se sinta realizado com isso, certamente teve contato com alguma outra coisa que disseram para ele se tratar de arte. Ninguém que é intempestivo em relação à cultura saiu inteiro e sadio. Até um palhaço chora por dentro enquanto todos a sua volta comemoram. Levar a “alegria e diversão” para o público está mais para animador de platéia de show televisivo do que para arte. Se não for isso, provavelmente Augusto Cury vai vender um livrinho para você – se for o caso, está tudo bem, podia ser Paulo Coelho, Pe. Marcelo Rossi ou Zybia Gasparetto! Quem sabe...
......De outra maneira, há outra perspectiva para abordar essa ladainha toda sobre literatura – e falar sobre literatura raramente não se torna ladainha e um furacão tosco de opiniões! Poderíamos abordar por um viés de especialistas! Períodos, catalogações de escolas literárias, contextualização histórica, a merda toda, enfim. Como eu disse, há outra perspectiva, mas nesses casos corremos o risco de levantar dados sobre um peido! – uma flatulência podre também provoca suas manifestações estéticas... Mas depois de tudo isso que escrevi aqui, acho melhor me poupar de certas coisas. Apesar de contar 25 anos, já não tenho idade para voluptuosos sonhos seguidos de ereção e ejaculação – não nesse plano, já que prefiro as coisas mais “carnais”. Foder, Trepar, são palavras muito fortes para os especialistas! Eles preferem “forma e conteúdo”, não é? – Que Erick Hobsbawn não tenha escrito A ERA DO SEXO ANAL é até tolerável, afinal os historiadores levam a vida à sério e o sexo anal não parece ter surgido com a organização social do trabalho (e eu me acabo de rir aqui!).
 ......No mais, acabaram as ideias. Não tenho nenhuma “sacada literária” para encerrar esse mini ensaio (o que prova que talvez me torne um escritor frustrado!). Então fique com essa piadinha: “Joãozinho chega para o seu pai em casa e reclama que seus colegas na escola vivem o perseguindo e chamando ele de boiola. Seu pai replica:_ Bata neles! Ao que Joãozinho responde :_ Mas eles são tão lindos, não consigo pensar em machucar aqueles rostos másculos! O pai arrisca mais um conselho:_ Então corra deles! E Joãozinho replica:_ Já tentei, mas não peguei a prática ainda de correr de salto alto. O pai de Joãozinho, indignado grita:_ Pegue minha bolsa enquanto eu retoco meu batom! Vou com você até a escola resolver esse problema”. 
 
r.A.


 “Sem dúvidas um jovem promissor na literatura! Quem diria que ele nos surpreenderia encerrando um ensaio com uma piada de inclusão social?”- Times.