quarta-feira, 2 de outubro de 2013

00:39



......Não é a insônia, o entregar parte da vida na performance trivial de um piloto automático, as contas vencidas, o estar longe de casa – o não ter casa-, e o não se encaixar em lugar algum (provando o fel do exílio ontológico). Isso não é o pior! Não é a morte que vaga lambendo seus garrões, nem a azia de tanto comer miojo, nem andar com a carteira vazia. Ser incompreendido nem de longe é o pior.
......A evidente falta de caráter humano, a apologia da estupidez, o coração peludo e defeituoso, o olhar feio, o passar sem meio termo do tédio a euforia, a tristeza que chega sem aviso prévio, o desgaste,  pequenas depressões encaradas no lado escuro da rua, perder o controle sobre o próprio tempo... Nada disso é o pior. A solidão... a solidão não é o pior!
......Viver uma vida desregrada, não levar nada muito a sério – inclusive a dor -, desconfiar de tudo que até hoje se teve como certeza, ter consciência aguda da aniquilação constante das coisas, fritar num ódio silencioso, ter vocação mais para a ironia do que para o nexo, ter um slow blues por trilha sonora, a cabeça decepada da arte diante de si em uma bandeja de papelão, não. Nada disso considero o pior.
......Sem habilidades para a distração, sem concepções políticas redentoras, sem religião, sem Deus, sem capacidade de dar um passo em direção a utopia e fé. Nem isso é o pior. Nenhum desejo de crachá de autoridade em alguma coisa, salvo o nada. Nada de convicções!
......O pior é se descobrir uma fraude. O pior é o cheiro de fraude impregnado em torno de si. Mas diante do pior ainda há a perspectiva do “mais pior”. O não se descobrir uma fraude, sendo-o.


r.A.

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