......Não
é a insônia, o entregar parte da vida na performance trivial de um piloto
automático, as contas vencidas, o estar longe de casa – o não ter casa-, e o
não se encaixar em lugar algum (provando o fel do exílio ontológico). Isso não
é o pior! Não é a morte que vaga lambendo seus garrões, nem a azia de tanto comer
miojo, nem andar com a carteira vazia. Ser incompreendido nem de longe é o
pior.
......A
evidente falta de caráter humano, a apologia da estupidez, o coração peludo e
defeituoso, o olhar feio, o passar sem meio termo do tédio a euforia, a
tristeza que chega sem aviso prévio, o desgaste, pequenas depressões encaradas no lado escuro
da rua, perder o controle sobre o próprio tempo... Nada disso é o pior. A
solidão... a solidão não é o pior!
......Viver
uma vida desregrada, não levar nada muito a sério – inclusive a dor -,
desconfiar de tudo que até hoje se teve como certeza, ter consciência aguda da
aniquilação constante das coisas, fritar num ódio silencioso, ter vocação mais
para a ironia do que para o nexo, ter um slow blues por trilha sonora, a cabeça
decepada da arte diante de si em uma bandeja de papelão, não. Nada disso
considero o pior.
......Sem
habilidades para a distração, sem concepções políticas redentoras, sem
religião, sem Deus, sem capacidade de dar um passo em direção a utopia e fé.
Nem isso é o pior. Nenhum desejo de crachá de autoridade em alguma coisa, salvo
o nada. Nada de convicções!
......O
pior é se descobrir uma fraude. O pior é o cheiro de fraude impregnado em torno
de si. Mas diante do pior ainda há a perspectiva do “mais pior”. O não se
descobrir uma fraude, sendo-o.
r.A.
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