......As
mulheres são difíceis! Se você disser o que pensa a queima roupa, elas só vão
entender comparando com o que elas pensam sobre o assunto. Se você disser o
contrário do que sente, julgando que dessa forma estará de acordo com o que
elas pensam , elas discordam de si mesmas com o único objetivo de te afrontar!
Por outro lado, se você não disser nada, elas partem para outro – afinal, elas
não curtem esses tipos “caladões”. Se você falar demais, elas partem para outro
porque você falou demais. Por fim, se você ficar confuso com elas e ir parar
num sanatório, elas mandam uma carta dizendo que sentem muito – e uma foto com
o atual namorado que ocupou seu lugar, já que você está no sanatório. Se você
gosta de mulheres, vai descobrir que com elas você só acerta quando tem certeza
que está tudo errado. Abri minha correspondência essa manhã e lá estava uma
carta de Gabriela contando que o problema era com ela, não comigo! Finalmente
concordei com ela e voltei para a cama para aproveitar uma linda manhã de
sexta-feira, recheada de ressentimento.
......O
lado positivo de enlouquecer sozinho porque uma mulher partiu seu coração é não
ter que se abrir com ninguém, tão pouco receber conselhos de amigos que dizem
que isso tudo é normal. O lado negativo é que gostava dela e, por incrível que
pareça, achava que as coisas estavam indo muito bem – obrigado! – uma vez que
estava me sentindo feliz. Claro que passou pela minha cabeça que estava sendo
egoísta já fazia um bom tempo! – Mas ela escreveu que o problema era com ela,
não comigo... Você acredita nisso? Eu prefiro acreditar. E pensar que quase fiz
uma tatuagem com o nome dela... aquela vaca problemática! A psicologia não
explica, mas a zoologia explica o motivo da natureza não permitir vacas e
burros de formarem um par.
......300
horas se passaram na minha percepção, mas o relógio denunciou que nem estávamos
próximos ao meio-dia. Quando a gente não se diverte o tempo conspira contra
nós! Um ano e meio e parecia que conheci Gabriela ontem. Lembro que ela dizia
que eu não dava ouvidos à suas necessidades – e dizia mais algumas coisas que
não lembro direito. De qualquer forma a vida deveria seguir seu curso e aqui no
sanatório estava faltando comida. De qualquer forma o mercado não muda de lugar
mesmo que o mundo congele e parta aos pedaços diante de nossos olhos...Escovei
os dentes, joguei água fria no meu rosto balofo e sofrido. Saí.
......Por
dentro, sentia que estava acontecendo uma hemorragia grave. Quando a balconista
do mercado – Ângela – disse “bom dia Adriano”, quase não consegui responder: o
sangue já estava na minha garganta e me sufocava. Devolvi um tímido “olá” e tive a sensação que
uma bolha de sangue se formou no meu nariz. Andei duas vezes em cada corredor e
acenei com a cabeça duas vezes para o açougueiro. Vi o meu reflexo no vidro da
geladeira de cervejas – estava com a camisa do avesso! Mas a culpa não era
minha, ainda semana passada estava feliz e sabia vestir uma camisa! Pelo menos
a cerveja estava em promoção – sempre esta, por isso o preço é sempre o mesmo.
_Puxa
cara, você está uma merda! – Resmungou o açougueiro quando passei pela sétima
vez na sua frente.
......Suspirei
e olhei aquele avental com respingos de sangue já em tom de rosa. Ria. Dei a
única resposta que veio a minha mente.
_Pelo
menos não sou um açougueiro!
...Continuou
rindo. “Você é bom nos diálogos!”. Retrucou. “É que minha vida não se resume a ser
gentil para vender carne” – Repliquei. “É que eu sou casado, sabe? Minha mulher
não me abandonou porque sou um escritor falido”. – Achei boa a resposta dele e
fiz uma anotação mental para usar em um conto mais tarde.
_...Não
seria rude com um sujeito que bota um sorriso na face de sua mulher enquanto
você está trabalhando! – disse.
_Você
nem sabe onde eu moro! – sentenciou ele.
_...prefiro
que você morra acreditando nisso, amigo!
......Uma
veia apareceu na sua careca branca. Percebi que era a hora de correr. Nunca se
sabe o que alguém com uma faca afiada na mão é capaz de fazer. Não que eu seja
covarde, mas vivo de pequenas vitórias em pequenas lutas mesquinhas. – Aprendi
essa com o Zorro. Infelizmente só consegui aprender isso...
......Voltei
para o sanatório. É quase como estar em casa! Corrigindo: É com estar em casa. Sabia
que Gabriela não estava lá, mas mesmo assim gritei:_ Gabriela, voltei! Não, ela
não morava comigo. Gritei para o fantasma, afinal, o fantasma dela não iria
embora tão logo. Melhor se acostumar. Chega uma hora na vida de um homem em que
ele deve deixar a loucura aflorar! – quem é casado sabe do que estou falando.
Deixar a loucura aflorar é quase um remédio, com o detalhe de que o remédio
tende a curar: por isso o “quase”.
......Seus
cabelos cacheados eram perfeitos, mas ela vivia reclamando deles. Suas unhas,
bem cuidadas, acho que eram perfeitas – nunca foi de ficar prestando atenção em
unhas! Seu sorriso, sua boca, seus olhos, suas pernas, a bunda, os seios, a
força de vontade e a esperança e a perseverança – de estar comigo, quero dizer
-, tudo era perfeito e ela vivia reclamando de tudo! Gabriela, cheiro e cor de
café, até suas reclamações agora estavam tão nitidamente ausentes... vai ver eu
era perfeito também – por isso ela vivia reclamando de mim! Por que as mulheres
nunca reconhecem nosso esforço antes de fechar a porta quando saem? Eu bebia ao
seu lado, escrevia ao seu lado, até ia no mercado ao seu lado – será que é
pedir muito que se leve todas essas dedicações em consideração? Muitas vezes,
relutante, deixei que ela lavasse minhas roupas... me sacrifiquei em nome dessa
relação – qualquer um percebe! Até quando ela se filiou a um movimento
feminista, aceitei desde que ela lavasse a louça! Não consigo entender como
esse sonho lindo acabou...
......Depois
da vigésima cerveja entendi que a vida deve seguir seu curso. Reli a carta de
Gabriela e continuei aceitando tudo que ali ela manifestou – principalmente a
parte em que dizia que o problema era com ela, não comigo... Bola pra frente,
pensei, não dá para atrapalhar o movimento da vida! Peguei o telefone e disquei
timidamente o número de Bety. Atendeu no quinto toque.
_Bety,
aqui é o Adriano jr. Preciso de companhia para conversar...
......Uma
voz calma e um pouco sonolenta respondeu do outro lado. “São trezentos reais a
hora, querido”. Trezentos? – Refleti. Vai ver é à alta do dólar...
_Mas
o táxi não vou pagar! – afirmei – As mulheres são difíceis!
_Já
está incluso, querido! – sussurrou aquela voz macia.
_...Você
é tão gentil...
r.A.
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