......Entrei
num bar de motoqueiros que também era frequentado por carregadores de móveis.
Na entrada a carcaça da cabeça de um touro. Terminei minha terceira cerveja e
uma dose de Nesquick – um homem tem de manter sua azia sob controle, poxa!- e
tudo ainda estava calmo como no refeitório do pavilhão psiquiátrico da colônia
Santana. Estava lá, escorado num balcão sujo com outros cretinos. Daí um negro
filho da puta acertou uma garrafada no pescoço de um italiano pançudo. O motivo:
alguma coisa sobre piadinhas racistas, pelo que ouvi falar. O italiano gordo e
careca, com uma tatuagem de nossa senhora de Aparecida no muque, se ergueu do
chão agarrando a quina do balcão. Um motoqueiro do meu lado, parecendo um
daqueles caras do Z.Z. Top, resmungou “parem com essa merda ai seus veados da
porra!” e a paz voltou a reinar, mas dessa vez parecendo com o banheiro do
Dalai Lama. Tanto faz.
_Me diga um sinônimo da palavra
absurdo, r.A? – me perguntou Angelito bigodudo, o barman que quando não estava
no bar trabalhava no açougue. Estava fazendo palavras cruzadas com um toquinho
de lápis.
_ A virgem Maria grávida, Angelito...
_não coube...
_Por isso precisaram de uma pomba!-
Sorri. Metade do bar riu. A outra metade não fez catequese, pensei.
......Lá
fora o sol deu no pé. Ali dentro continuamos fumando e bebendo e ouvindo aquelas
músicas de motoqueiro durão, mas na verdade viado. Parecia o melhor lugar para
se estar e todos nós sentíamos isso. Nada pessoal; tudo impessoal. O bar era
uma sala comercial alugada em uma zona de prostíbulos e tráficos de São Paulo.
Zona leste- Mooca. Quanto a mim, morava do outro lado, no lado nobre. Mas é
claro que nunca deixaria que eles ficassem sabendo disso! Levaria uma surra,
certamente. Minha sorte residia no fato de que tudo que não presta vai com o
meu fucinho. Mantinha-se um silêncio sagrado no ar. Fora o barulho das bolas de
sinuca, mas quem jogava não falava. Rolava grana por ali. Eu dizia para todos
que ganhará vários torneios de bilhar e por isso era uma covardia jogar com
eles: “aí vocês vão ficar mendigando cerveja para mim e terei que surrar vocês,
como não passam de uns travestis, irão adorar! Mas se apostarem a mãe...”.
Depois da vigésima vez que repeti isso, perdeu a graça. Por saberem que era uma
mentira descarada, não me convidavam mais.
_Que é essa coisa rosa que tu mistura
com cerveja?- Falou o Z.Z. Top.
_Coração de tubarão exprimido!-
respondi.
_Bicha!
_Só se o tubarão fosse da tua laia!
_Você é boca grande cara, queria ver se
é bom de braço...
_Isso só tuas netinhas vão poder saber,
vovô!
......Nos
encaramos sérios por um momento. Depois não aguentamos e caímos na gargalhada.
Cruz era como chamavam o Z.Z. Top. Tão mentiroso e falastrão quanto eu, quanto
todos ali. Os verdadeiros marginais estavam lá fora. Se matando por uma pedra
de crack. Eles não chegavam perto do bar porque vivíamos fantasiados de
bandidos. Mas no fundo erámos uns otários. Nossas brigas eram brigas de cinema.
Quando um sangrava o outro se borrava nas calças. Até o dia em que Jorge
apareceu armado. Jorge era um eletricista que se hospedará em uma pensão ali
perto. Uma pensão cheia de japoneses sovinas e bolivianos tocadores de violão.
Os japoneses, se você surra um deles, eles trazem a família. Daí você surra a
família toda. Parece que gostam! Depois eles somem. Para os bolivianos você
oferece um trago – se houver algum desentendimento. Eles bebem com você e no
final da noite te abraçam e dizem que você é o melhor amigo deles... e que se
alguém mexer com você eles matarão essa pessoa! É por isso que são bons
escritores e bons tocadores de violão. Mas olha só.
......Jorge não
era alto. Um pouco barrigudo da bebida. Era polaco. Gostava de amarelo e
vermelho – como o corpo de bombeiros. Uma noite nós brigamos porque eu disse
que os polacos gostavam de beijar o cu dos patos! Mas não passou de um
bate-boca, aqueles que eu provoco sempre que estou entediado – correção: estou
sempre entediado. Depois, resolvido nosso problema, até Jorge dizia para outros
“sou polaco, gosto do cu do pato”. Foi aí que começou uma discussão – daquelas que
você só conhece se sair de casa e caminhar até o bar.
_Que negócio é esse de gostar do cu do
pato? Que que o pato fez pra você? – gritou Angelito bigodudo. Doze cervejas no
rabo e nos cornos.
_...eu gosto do cu dele, e daí? –
respondeu Jorge com a mão atrás do casaco.
_POIS EU NÃO GOSTO DE GENTE QUE GOSTA
DO CU DO PATO! MEU MELHOR AMIGO É UM PATO! QUEM GOSTA DE CU DE PATO É FILHO DA
PUTA!
......Todos no bar
gritaram EEEEEEEEEEEEEEAH!- Inclusive eu.
_POIS EU VOU BEIJAR O CU DO SEU AMIGO,
QUER VOCÊ QUEIRA, QUER NÃO QUEIRA!
...... E a briga
começou. Angelito bigodudo jogou a cerveja do copo na cara de Jorge. Que por
sua vez fez sinal no ar que iria beijar um pato. Angelito pulou por sobre o
balcão. Até aquele momento eu pensava que Angelito não tinha pernas – nunca tinha
visto ele da cintura para baixo (tipo aquele boato que existia sobre a Eliana,
aquela da dancinha dos polegares). Jorge sacou um 32 e mirou Angelito, que
recuou. Alguém gritou perto da porta: MEU DEUS, UM PATO LÁ FORA, ALI Ó! Jorge
se distraiu e um grupo o desarmou com dificuldade. Eu? Eu estava lá fora nesse
momento. Procurando o pato, É CLAROOOO! (Provavelmente ele correu para o lado
da minha casa).
_r.A., leve o Jorge para casa! Chega de
bagunça por aqui... – Disse o Cruz.
_mas...
_Não discuta comigo! Todo mundo viu que
você foi quem começou a confusão.
......E lá me
fui levar Jorge para a pensão. Obviamente me sentindo injustiçado. Mas fazer o
que? Numa democracia a maioria aplica a ditadura sobre a minoria. E la minoria
soy yo, mucho prazer! No caminho Jorge chorava e dizia “o pato...r.A., me
arruma um pato...”. É claro que voltei, vinte minutos despues... Iria fazer o
que em casa?
_Vocês viram a cara do r.A.? O campeão
da sinuca, surrador de travecos?
_Fui astuto como um gato, Cruz!-
retruquei tomando meu Nesquick.
_Parecia mais é uma lebre. Das bem gordas
e pretas ainda por cima! Hahahaha!
......E umas de
minhas virtudes, descobri (aprendi...) no bar dos motoqueiros, é ficar em
silêncio de vez em quando... então tá.
r.A.
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