
......Estava
parado no terminal do metro em Santana. Para quem não sabe, no terminal de
Santana tem um piano para as pessoas que passam mostrarem seus “dotes
artísticos”. Estava parado porque no exato momento em que cruzei a catraca alguém
começou a tocar John Cage. Foi aí que me escorei numa parede do longo corredor,
perto das escadas, e estagnei com meus 185 centímetros distribuídos em 110
quilos – parecia um búfalo equilibrado nas patas traseiras. No decorrer da
execução da obra, muitas pessoas que circulavam por ali tomaram a mesma decisão
que eu. Não sei bem se foi decidido, mas enfim, ali estagnamos.
......Terminando
a música, palmas e um senhor de cabelos grisalhos, sandálias de couro marrom,
calça de moletom cinza e suéter verde ficava olhando as pessoas paradas
esperando um pedido. Alguém sussurrou “my way – do Sinatra”. E começou my way
do Sinatra. Enquanto ouvia a execução da música pensava em Sid Vicius e sua
versão. Marcelo Nova – do Camisa de Vênus- e sua versão. Aquele momento estava
muito interessante. Meu corpo que estava cansado de andar pelas ruas, esqueceu
que estava cansado. E foi aí que apareceu um outro senhorzinho... calça jeans,
camisa do Corinthians – tinha que ser...- cabelo grisalho, óculos e tênis da
nike. Tinha um rosto cinzento de velho maluco. Ele se escorou no piano. “Toca
aquela!”. As pessoas se olharam. Já haviam umas trinta pessoas em volta do
piano. Góticos de sobretudo preto. Um punk de calças puídas e correntes. Uns
caras de terno e gravata, umas senhoras com sacos de compras nas mãos, dois
estudantes com mochila nas costas e por aí vai. O outro senhor do piano,
pigarreava e olhava para suas mãos rápidas executando acordes complexos e de
uma precisão cirúrgica – não dos cirurgiões do SUS, claro. E o senhorzinho do
Corinthians novamente “toca aquela, cara”. Via as expressões nos rostos de
todos os outros que estavam ficando chateados com aquela xaropice, mas pelo
visto ninguém era deselegante o suficiente para dizer:_ CALA A BOCA FILHO DA
PUTA DO CARALHO!- embora tenho certeza que todos pensavam nisso; porém só eu
pensava nisso ao mesmo tempo em que me visualizava pegando o senhorzinho pelos
braços e sacudindo-o. Acho que a maioria perdoou o senhorzinho por causa da
camisa que estava usando. O pobre diabo não tinha culpa disso. Era como um
vírus zumbi daqueles filmes de terror b. Provavelmente o senhorzinho não podia
evitar de ser chato pacas, assim como o zumbi não pode evitar de resmungar “cerebrooooooooooo”!
......Uma
das senhoras com saco de compras nas mãos resmungou “pelo amor de Deus, tem
gente que não se toca”. E o senhorzinho do Corinthians cutucou ela na teta e
disse:_ eu também não aguento mais, o cara não toca “aquela lá”. Mais uma multidão
passou por nós correndo em direção à escada, todas as pessoas atrasadas –
passam a vida atrasadas para qualquer coisa. E o senhor do piano terminou esse
número. Aplausos e uma única vaia. Os que aplaudiam começaram a aplaudir mais
alto para cobrir a vaia. O senhorzinho do Corinthians começou a pular e vaiar.
Os que aplaudiam, aplaudiram mais alto ainda, assoviando e pulando e batendo os
pés no chão. O senhorzinho corinthiano sentou no chão e começou a girar e vaiar
enquanto sacudia os pés no ar. Batia com as mãos nos que aplaudiam. E foi aí
que todos, inclusive o senhor do piano saíram dali rapidamente, menos eu. Ele
se levantou do chão escorando-se no piano com lágrimas nos olhos. Dizia:_ não
tem motivo para ele não querer tocar aquela... não consigo entender porque Deus
faz isso comigo... Ajudei o senhorzinho a levantar. Bati a sujeira nas suas
costas e disse:_ o senhor está bem? Não me respondeu. Olhou sério para mim e
saiu correndo para outro lado.
......Fiquei
ali parado. Que bosta é essa?- pensei. Será que esta todo mundo ficando louco?
Subi as escadas – não as rolantes, preciso me exercitar- e entrei no metro.
Desci na Sé e peguei o metro Corinthians Itaquera, parei na estação Pedro II.
r.A.
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