quinta-feira, 28 de junho de 2012

"Meu caminho..."



......Estava parado no terminal do metro em Santana. Para quem não sabe, no terminal de Santana tem um piano para as pessoas que passam mostrarem seus “dotes artísticos”. Estava parado porque no exato momento em que cruzei a catraca alguém começou a tocar John Cage. Foi aí que me escorei numa parede do longo corredor, perto das escadas, e estagnei com meus 185 centímetros distribuídos em 110 quilos – parecia um búfalo equilibrado nas patas traseiras. No decorrer da execução da obra, muitas pessoas que circulavam por ali tomaram a mesma decisão que eu. Não sei bem se foi decidido, mas enfim, ali estagnamos.

......Terminando a música, palmas e um senhor de cabelos grisalhos, sandálias de couro marrom, calça de moletom cinza e suéter verde ficava olhando as pessoas paradas esperando um pedido. Alguém sussurrou “my way – do Sinatra”. E começou my way do Sinatra. Enquanto ouvia a execução da música pensava em Sid Vicius e sua versão. Marcelo Nova – do Camisa de Vênus- e sua versão. Aquele momento estava muito interessante. Meu corpo que estava cansado de andar pelas ruas, esqueceu que estava cansado. E foi aí que apareceu um outro senhorzinho... calça jeans, camisa do Corinthians – tinha que ser...- cabelo grisalho, óculos e tênis da nike. Tinha um rosto cinzento de velho maluco. Ele se escorou no piano. “Toca aquela!”. As pessoas se olharam. Já haviam umas trinta pessoas em volta do piano. Góticos de sobretudo preto. Um punk de calças puídas e correntes. Uns caras de terno e gravata, umas senhoras com sacos de compras nas mãos, dois estudantes com mochila nas costas e por aí vai. O outro senhor do piano, pigarreava e olhava para suas mãos rápidas executando acordes complexos e de uma precisão cirúrgica – não dos cirurgiões do SUS, claro. E o senhorzinho do Corinthians novamente “toca aquela, cara”. Via as expressões nos rostos de todos os outros que estavam ficando chateados com aquela xaropice, mas pelo visto ninguém era deselegante o suficiente para dizer:_ CALA A BOCA FILHO DA PUTA DO CARALHO!- embora tenho certeza que todos pensavam nisso; porém só eu pensava nisso ao mesmo tempo em que me visualizava pegando o senhorzinho pelos braços e sacudindo-o. Acho que a maioria perdoou o senhorzinho por causa da camisa que estava usando. O pobre diabo não tinha culpa disso. Era como um vírus zumbi daqueles filmes de terror b. Provavelmente o senhorzinho não podia evitar de ser chato pacas, assim como o zumbi não pode evitar de resmungar “cerebrooooooooooo”!


......Uma das senhoras com saco de compras nas mãos resmungou “pelo amor de Deus, tem gente que não se toca”. E o senhorzinho do Corinthians cutucou ela na teta e disse:_ eu também não aguento mais, o cara não toca “aquela lá”. Mais uma multidão passou por nós correndo em direção à escada, todas as pessoas atrasadas – passam a vida atrasadas para qualquer coisa. E o senhor do piano terminou esse número. Aplausos e uma única vaia. Os que aplaudiam começaram a aplaudir mais alto para cobrir a vaia. O senhorzinho do Corinthians começou a pular e vaiar. Os que aplaudiam, aplaudiram mais alto ainda, assoviando e pulando e batendo os pés no chão. O senhorzinho corinthiano sentou no chão e começou a girar e vaiar enquanto sacudia os pés no ar. Batia com as mãos nos que aplaudiam. E foi aí que todos, inclusive o senhor do piano saíram dali rapidamente, menos eu. Ele se levantou do chão escorando-se no piano com lágrimas nos olhos. Dizia:_ não tem motivo para ele não querer tocar aquela... não consigo entender porque Deus faz isso comigo... Ajudei o senhorzinho a levantar. Bati a sujeira nas suas costas e disse:_ o senhor está bem? Não me respondeu. Olhou sério para mim e saiu correndo para outro lado.

......Fiquei ali parado. Que bosta é essa?- pensei. Será que esta todo mundo ficando louco? Subi as escadas – não as rolantes, preciso me exercitar- e entrei no metro. Desci na Sé e peguei o metro Corinthians Itaquera, parei na estação Pedro II.





r.A.

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