“Começou
como se fosse um erro”.
......
É assim que começa o primeiro romance do escritor Henry Charles Bukowski e foi
assim que começou esse blog e talvez minha própria existência... Hoje pela
madrugada – lá pelas 4 horas-, não conseguindo dormir resolvi levantar esta
enorme carcaça e fumar um cigarro na sacada do apartamento. Pensava
intensamente, como em outras situações, como vim parar aqui e com isso tudo
acontecendo em torno de mim. Se me dissessem, um ano atrás, que estaria em São
Paulo, vencedor de um concurso nacional de contos, com um artigo na USP para
ser defendido e com portas se abrindo para minha banda (ou duo) – Sodoma H.- eu
cantaria um trecho de uma música da banda punk “Os replicantes”: A minha casa
era um canto no porão e meu destino era morrer na escuridão! Mas começou como
se fosse um erro. Eu encontrei um livro na biblioteca da escola. Schopenhauer.
E aqueles dias eram dias em que olhava para o mundo e ele não me dizia nada! Cursava
o primeiro ano do ensino médio e ficava maluco com o fato dos professores não
me darem nada para pensar... Então era isso! Eu era um cara fodido com uma
história fodida, as poucas coisas que tinha vieram de fracassos dolorosos e a
melhor frase que encontrei foi “o mundo é feito de dor e morte”. Muito tempo se
passou até que constatasse que uma vez que o fundamento do mundo era dor e
morte, tudo que construímos só se mantem de pé se esquecermos do fundamento...
e o corvo empoleirado na janela (poema de Edgar Alan Poe) só sabe dizer “NEVER
MORE” (nunca mais).
......Assim
a minha vida é o “blues note”, aquela nota maluca no meio da escala “penta
tônica do blues”. Ela aparece mediante a sua noção sentimental de que é preciso
“inventar” essa nota para que a escala atinja alguma harmonia! É como se fosse
um erro, mas se torna um obscuro acerto. Para mim o jazz nunca será tão
perigoso quanto o blues! E se você quiser me perguntar o motivo “venha como
você é” (Come as you are), mas não esqueça de trazer uma garrafa de conhaque.
......A
filosofia é a tradição de pensamento mais arrebentada que o mundo já viu – e pariu.
Todos os nomes que figuram nesta tradição são marginais! Todos – de Heráclito à
Cioran- pagam com suas existências a dor de um exílio, “o não pertencer a isso
ou aquilo”, e só depois de destruídos em uma existência que arde na loucura
alguém de fora diz: Quem sabe esse fodido tinha lá alguma razão (o segredo é
que ter razão não nos importa...)... Schopenhauer, já com o pé na cova,
repreendia seu cachorro em público – quando este mostrava as presas para
alguém- dizendo:_ QUIETO HUMANO! => Numa madrugada regada na cerveja e na
reconciliação com um amigo caro, cuja amizade pude por à prova (pois meus
verdadeiros amigos são aqueles que já cruzaram espadas comigo e quem é meu
amigo sabe disso...) antes de me erguer cambaleante da cadeira disse:_... mas
fique você sabendo que vivo bem com a filosofia! E o que esse amigo pensou desta
frase nem sei, pois realmente nem eu sei! Mas é só isso AND NOTHING MORE!
......Quando
o sol nasceu, eu estava lá. Não o saudei com orações, obviamente. Aliás, brandi
o punho desafiador para ele! Disse:_ era isso a vida? Pois bem, quero uma dose
dupla e sem gelo! E o vizinho respondeu:_ esse maldito filósofo outra vez
provocando Deus! Quanto a mim, não pude conter um sorriso no meu rosto. Ando
vagarosamente pelas ruas sujas de São Paulo, embriagado de vida e morte, mas
sinto que existe uma chama negra ardendo em mim! Quão patético é alguém julgar
que a filosofia é uma escolástica – mera disciplina da história das ideias. Eu
arranco conhecimento de situações e não de livros! O livro é uma palavra morta –
já disse Sócrates (talvez disse...), o que importa é o “blues note” que arranco
desta tradição. Filósofo para mim é quem vive como um filósofo e não quem
estuda filosofia! Quem será que o Tales de Mileto estudava quando caiu num
buraco?- É sério que você leu Nietzsche? Então guarde para si, pode ser que
este conhecimento interiorizado te exploda e daí você terá alguma coisa para
falar de filosofia. Mas se você apenas leu... na boa, vá montar um movimento.
Salve o mundo, apesar de mim.
......Hoje,
não estou longe do lugar onde nasci. Nasci no meu joelho, quando meteram seis
pinos de platina nele – depois de dez anos lutando Judô. Nasci quando roubei um
livro do Schopenhauer, pelo motivo que pensava que era uma perda de tempo para
o livro ficar juntando poeira dentro de uma biblioteca. Nasci quando numa aula
de estatística na universidade o amigo “Tonho” me respondeu uma pergunta sobre
teoria musical:_Você me perguntou quando se usa a “blues note”? Não se
preocupe, você vai descobrir... essas coisas não se ensina! Nasci quando minha
mãe me ligou e disse:_filho, acho que sua irmã não está bem! Nasci quando um
amigo e professor me disse:_acho que você deve voltar para casa e aprender a
escrever! Quando disse para mim mesmo:_ Foda-se essa gente que acha que é
preciso ser especialista para dizer alguma coisa sobre isso tudo! Quando andei
quatro horas de metrô para ir trabalhar! Quando André Romanoski disse:_acho que
podemos montar a Sodoma H., quando foi demitido de uma mecânica em Balneário
Camburiu e fiquei com vergonha por não conseguir dinheiro para ajudar em casa
(com onze anos de idade)!, quando chorei escrevendo isso, quando aprendi a
nascer de mim mesmo e de todas as situações, quando amei e fui amado, quando
fracassei e não quando venci, nasci agora pouco, você não viu? Me fale mais de
contextualização histórica enquanto me acabo de rir da sua cara!
......
Comecei como se fosse um erro e não me interessa mais se acertei! Hoje tem
gente que recebe tapinha nas costas criticando este blog e eu penso: que bom
que você conseguiu os parabéns, pelo menos fui um degrau para algo e você não
receberia esse tapinha nas costas se eu não escrevesse o que escrevo! Quem
enche a boca para me criticar está simplesmente transbordando de mim! Eu o
penetrei, fui uma espécie de estupro sem querer (clic, piscadinha de olho).
Você pode ler todos os textos deste blog e eu não estou contido em nenhuma
contextualização já que minha escrita fluí e não se ocupa de levantar dados – e
nem por isso é menos ou mais verdadeira. Ontem uma amiga, professora de
história, disse:_ depois da nossa última conversa e de ler o seu blog, percebi
que não sei se consigo descrever um fato... mesmo tendo me ocupado disso já faz
tantos anos, agora fico pensando... “calma aí, você está entrando na filosofia”...
Respondi:_ Olha, você não está entrando na filosofia. Está começando a entrar
na história enquanto vigor de pensamento. Você só entra na filosofia quando ela
entra em você, você não escolhe isso- conscientemente!
......
Hoje, lá pelas 4 horas, percebi que comecei como se fosse um erro e por isso
sigo errante por aí... Olhei para esse blog e foi uma das poucas vezes que
senti que um dia acertei.
r.A.
Nota:
Se você mora no velho oeste e pensa assim:_ porra, o cara precisa falar que
está em São Paulo? Saiba que se eu escrevi é porque preciso, sua anta! Hahaha.
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