sábado, 7 de junho de 2014

Imaturidade fritinha com limão e sal Ou "depois de Rimbaud a gente só improvisa"...



......Você pode não acreditar, mas já tive meus BAIXOS e baixos. Altos nunca! Quando você está por baixo é sempre bom lembrar de quando esteve mais baixo ainda. 
......O caso é que andava trabalhando num emprego fodido de seis horas diárias. Seis horas remuneradas, quero dizer. O restante ia para os cofres públicos para ajudar algum político com sua vida difícil de herói que salva o mundo. Eu trabalhava bem mais do que seis horas - como todo mundo. E andava quatro horas de metrô e ônibus todos os dias, para ir e para voltar do tal trabalho. Foi meu estágio provatório no centro da humanidade. Acordava às quatro da manhã e precisava estar dormindo ou desmaiado às nove da noite - mas nunca conseguia dormir na hora que necessitava. Deitava na cama e olhava para o teto. "Que merda de vida é essa?" - resmungava até desmaiar, quando conseguia. 
......Ganhava 50 reais por dia, mas gastava 30. Minha piada favorita naqueles tempos era: "um dia tudo vai melhorar". Deve ser em momentos como esse que desenvolvi um senso de humor bastante dissimulado. Reduzido a nada ou você se torna um humorista no palco de sua tragédia ou se torna um assassino. Tudo depende de alguma coisa que nem sei. 
......Sentava por horas dentro de um café e me concentrava em não desabar por baixo da mesa. Durante essas horas que me concentrava em fases piores - e se não eram fases piores, usava de toda minha criatividade para torná-las, pelo menos, insuportáveis - ruminei um passado não muito distante daquele café. 
......Vou contar só para você sobre esse passado. Queria me tornar um escritor e achava que esse tipo de coisa se aprendia na universidade e na vida. Agora sei que isso é mentira, mas na época me capturaram vivo. Morava de favor e tinha uma bolsa de estudos. Precisava decidir entre comer, dormir ou encher a cara. Para ganhar tempo, nunca fazia uma coisa só por vez. Isso quer dizer: Comia cerveja num estado fisiológico entre o sono e o pesadelo, com os olhos abertos. Nos intervalos despertava sentado com a água do chuveiro entrando pelo nariz e pelos ouvidos - até hoje sou fanho e surdo! ha ha ha (some a isso o fato de ter desenvolvido deficiências visuais das mais variadas, pode-se concluir que eu sou mais parecido com uma berinjela do que com um humano). Rapaz, só dói quando a gente ri. 
......Se não bastasse eu estar no auge do meu "Sonho de um homem ridículo", escrevendo minhas "Notas do subsolo", ainda estava envolvido em uma relação com três mulheres histéricas.  Existem mulheres suficientemente loucas para se sentirem atraídas por berinjelas - digo isso antes que você pense que eu era sedutor. Por falar nisso, nunca fui capaz de "conquistar" nenhuma mulher. Não é difícil você imaginar os motivos. Mas! Ser um idiota ajuda muito mais com elas do que ser um cara descente. Não é uma lei, mas é quase uma regra de ouro. (se você é mulher, não muda muita coisa você morder os lábios e fazer que não com a cabeça depois de ler isso. Você sabe do que estou falando).
......Quando você é um desgraçado todas suas habilidades convergem para piorar tudo. E todas as vidas que se entrelaçam à sua sentem o sabor da dinamite. É quase uma música sertaneja dos anos oitenta! Sim, eu também acho cafona. 
......Tão logo eu brigava com uma das histéricas, me acertava com outra e continuava investindo na terceira. É claro que elas queriam me matar e quanto a mim, também andava pensando em morrer logo. Imaturidade fritinha com limão e sal. Depois de Rimbaud a gente só improvisa. 
......Arrastava meu corpo de berinjela pelas ruas me achando o máximo. E minha miséria espiritual podia ser ouvida em tudo que escrevia no meu quarto emprestado. As imagens mais nítidas na minha memória - pensando sobre isso - são a rua úmida que levava de um bar à outro e a luz do poste iluminando parcialmente meu quarto enquanto escrevia compulsivamente. 
......Um dia um cara bateu na minha porta e pediu para entrar. Um cara alto, negro e com olhos de assassino. Ele foi até meu quarto e catou alguns rascunhos que estavam pelo chão. Acendeu um cigarro e examinou meus textos por uns minutos. Fui até a cozinha e peguei duas garrafas de cerveja para nós. Ele resmungou:_ a maior parte do que você escreve é infantil, não acha? - Sorri e pensei: tai um cara que sabe como insultar um escritor onde dói! 
_Acho! - devolvi. 
_Um dia alguém vai acabar com essa tua festinha, camarada. - Resmungou ele, rindo. 
_A festa sempre acaba para todo mundo... - devolvi. 
_Mas parece que a tua vai acabar meio cedo... - prosseguiu ele. 
_Então vou aproveitar! - retaliei. 
_É. Aproveite. - devolveu ele. Depois saiu. 
"Não há quem tenha me conhecido que não tenha se decepcionado" - podiam muito bem escrever na minha lápide. Antes que o cara saísse ainda tive a audácia de perdi-lhe um cigarro. Não contente com isso pedi que ele acendesse para mim. Enquanto fumava refleti: Rapaz, você acha que está num filme de cowboy, mas a verdade é que está num pornochanchada de quinta categoria. 
......Bem, depois do ocorrido, uma das mocinhas se endireitou - o que prova que às vezes as mulheres ficam entretidas com idiotas até que um homem de verdade apareça na vida delas. Outra das mocinhas decidiu que arranjar outras mocinhas era mais interessante do que berinjelas - o que prova que em alguns casos mulheres se entendem melhor com mulheres do que com homens, se é que você me entende. E a últimas das mocinhas que restaram naquela minha vidinha ridícula achou mais interessante ir bater palma para o sol e tomar chá de mijo para salvar a espiritualidade. E não tiro sua razão, o sol é muito mais interessante para ser aplaudido. Quanto ao chá de mijo, melhor ficar com a cerveja.
......E seus escritos dessa época? - Você pode estar se perguntando. E se for esse o caso, é óbvio que coloquei todos num saco preto. Antes de deixar o quarto emprestado esqueci os textos no lixão da cidade. Dizem às boas línguas que, quando tacaram fogo no saco preto, um cheiro de merda queimada pairou sobre a montanha mágica. Não duvido. "Mas se você está escrevendo sobre isso é porque ainda não foi tudo superado" - dizem os psicanalistas de plantão. Mas nesse caso me parece que só escrevo sobre o que consegui superar (Como dizia Nietzsche). Bola pra frente - dizem os técnicos de futebol e os maconheiros profissionais. 
......Se eu me orgulho de tudo isso? É claro que não! Mas você acha que eu sou daquele tipo que só escreve para inflar o meu ego? Terapêutico mesmo é confessar vergonhas! E se eu lhe contei tudo isso é para "salvar" o que havia de literatura nisso tudo... O que é pouco, aliás. Fora o aprendizado na ingenuidade!
......Vamos voltar agora ao interior daquele café onde minha luta era não desmaiar. Eu quero te contar uma coisa sobre ser escritor. Toda a "filosofice" sobre ser um escritor é papagaiada, mas ninguém que escreve consegue pular essa página. Quando estou nos meus BAIXOS e baixos escrever é a coisa menos importante na minha vida. Falar "apesar de todas as dificuldades ele continuou escrevendo" é de uma besteirada inacreditável. Esse papo de vocação deveria ser banido da literatura. E não confunda "vocação" com "dedicação". Quando se multiplicam os livros sobre isso invés de se multiplicarem os próprios romances e tudo mais, acho que à coisa toda está desandando - feito água na maionese. Para mim isto se torna mais óbvio quando se nota que em uma palestra com escritores eles falam mais de suas obras do que sobre "como escrever uma obra". Todo escritor mais ou menos esperto sobre a composição só dá palestra para vender seus livros. Eles sabem que não se ensina isso para ninguém. Cá entre nós, eu sempre desconfiei de gente que fala sobre literatura e nunca publicou nada - exceto em jornais. (em jornal se escreve para vender jornal, pô!- quem não admite isso é mal caráter). Os "críticos", veja só, são aquele tipo que chupa bala com o plástico e faz cara de "gotosu pu bebezinho". Se você é um caso dos que embarcam nessa onda acho que você caí na mesma ilusão que eu caí por anos. 
......Não sei se você já soube sobre Henry Charles Bukowski, mas ele mesmo admitiu que essa conversa fiada de sofrimento não faz de um escritor um Escritor. Mas e se houver alguma coisa que possa salvar disso tudo? Quando um cara que realmente sofreu tem coragem de dizer que não é o testemunho do sofrimento, mas a escrita, que poderá perdurar um pouco mais, me parece que um pouco de sinceridade conseguiu penetrar pelo rabo do mundo. 

"O homem pode ser destruído e derrotado. Enquanto o Homem for feito apenas para ascender e não para cair, o Homem será derrotado, e destruído e derrotado e derrotado e derrotado e destruído. Somente quando o Homem aprender a salvar o que puder é que será menos derrotado e destruído."- Bukowski: Pedaços de um caderno manchado de vinho - Um velho bêbado que a sorte abandonou.

......E o que eu salvo - por exemplo agora- nunca é a ficção de minha história. É outra coisa que minha escrita pode deixar "entrever" nas frestas e nas faíscas. Se um macaco pudesse escrever a sua história você acha que ele diria que é um macaco ou um super-homem? 
......Fiz um gráfico aqui, nessa madrugada, enquanto olhava para a parede, com todo rigor da matemática econômica e segundo consta os dados nossa existência oscila entre o zero e o "-7". É de aplaudir de pé, não é?


r.A.

"Eu passava por um longo e fodido processo de aprendizado". 

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