segunda-feira, 17 de junho de 2013

Filósofos de todo mundo: apartai-vos!



......A maior armadilha para um jovem filósofo é pensar que depois de ter se revolvido em dois milênios de tradição, levando cruzados de direita, de esquerda, de cima, de baixo, dos velhos mestres, será tranquila sua convivência com um rebanho que tem dificuldades até mesmo para pedir licença para usar o banheiro. Você não acha? Embora seja fácil para eu escrever essa frase de abertura, não podemos perder de vista que a escrita não é sempre a linguagem mais adequada para manifestar o ruído de nossos ossos estalando enquanto apreendemos algumas verdades. Ou você acha que os escritores de todos os gêneros apenas se sentavam e cagavam obras primas? Primeiro eles/elas levaram uma “centena de milhar” de bofetadas na cabeça – e outra centena de bofetadas no espírito! É claro que as coisas ficam mais críticas quando o aluguel vence no dia 5.
...... Eu imagino que se você já ponderou todas essas questões que levantei acima, já deve ter superado uma série de outras questões mais “prosaicas”. Quer dizer, você já se deu conta que bajular as massas não é filosofia, que salvar o mundo também não é filosofia (Ou Batman seria um grande filósofo!), assim como deve ter sentido na pele que fazer críticas a sociedade nunca transformou ninguém em filósofo, e que é mais fácil dizer “Adeus à filosofia” do que dizer “E aí gata, pronta pra outra?” (Viu Cioran? Achou que eu não tinha respostas para você?). Com o pouco de experiência que tenho já deu para entender que escolher se expressar por onde a tradição nos liberta é escolher levar a sério uma fratura exposta! Ora, sugiro para qualquer um que desanima, que examine com mais cuidado sua própria solidão. Foi conquistada? – Já começamos bem! Foi infligida por outros? – Já começamos mal!
......Para mim a Arte – sim, a com “A” maiúsculo – seria a prima da filosofia. Provavelmente a parente mais próxima nesses dias. Talvez a diferença mais óbvia entre ambas no trato – na maneira em que comumente se trata ambas, quero dizer – é que as grandes obras estão disponíveis para se tirar uma bela foto ao lado! (Eu mesmo já escapei de um segurança e tirei uma foto em frente a uma obra do Modigliani!). Já no caso da filosofia não dá para você tirar uma foto ao lado de um conceito! Por isso a maioria das pessoas acreditam saber o que fazer com uma grande obra de arte, mas não sabem muito bem o que fazer com um conceito. Já que não é possível ensiná-lo (um conceito em filosofia só se conquista com um salto, nunca com um mero lance de escadas), não é possível comprá-lo numa galeria, não é possível trocá-lo por uma imensa quantia em dinheiro (é com a escada que a editora fatura, não com o conceito!) e mesmo que você insista em colecioná-los, não vai dar para se gabar quando aqueles seus amigos chiques vierem visitá-lo. No máximo aquela sua amiga ou aquele seu amigo chique cairão na gargalhada se você jogar um conceito filosófico sobre a mesa durante um jantar. Irão dizer:_Uau, não entendi nada do que você disse, você deve estar louco! Obs: Ser chique é quase sinônimo de ser idiota! – Só para constar. Obs 2: Não reduzi a arte a “tal coisa”... apenas disse que “tal coisa” é possível com a arte – e é claro que ela perde sua singularidade no trato, algumas vezes, mas não sempre!
......Por outro lado, temos a poesia. Dizer que a poesia não faz parte da filosofia – depois de Nietzsche – é querer levar umas duras bordoadas na frente de um filósofo (risos). Mas você já foi num recital de filosofia? Não me leve a mal, mas mesmo que houvesse, eu não iria! Para ser sincero, é difícil para mim ir até a um recital de poesia – ao menos que tenha vinho bom no cardápio (e de graça, assim como em exposições de arte! Alguém tem que acalmar meus olhos e ouvidos por aturar tanto...). Nada contra a poesia, mas os recitais são tipo um atentado contra a poesia! Mas dá para fazer! Vê? Já é alguma coisa – ruim, mas é. Os poetas ou seus funcionários terceirizados (risos) conseguem fazer isso. E em geral, tem muita gente que adora! Alguns até pagam. Ei! Me ocorreu uma ideia agora. Provavelmente foi isso que matou Sócrates: Recitar filosofia! Se ele tivesse dito que era um poeta, teria chegado aos 73 anos! Mas voltando ao assunto, se você disser que é um poeta, aqueles que não pensam que você não passa de um vagabundo, pensaram que você é um grande intelectual. Sendo um grande intelectual, você já corre o risco de ter sua foto estampada na capa de alguma revista – e nem precisa ser de poesia -; já vi foto de poeta até em capa de folheto de revendedora de carros, calendários para fixar na geladeira, bandeira de time de futebol, camiseta de roqueiros em decadência, etc.  Mas e quanto aos filósofos? Ops, recordo de uma história! Um cara uma vez me abordou – obviamente em um show de rock – com uma tatuagem do Nietzsche. É claro que mandei ele a merda! A tatuagem estava horrível. Mas vamos continuar...
......É impossível para mim não abordar uma passagem cômica na vida de todos (ou a maioria, pelo menos) que escolheram a filosofia muito cedo. (Consigo até ver algum engraçadinho dizendo “nunca é cedo demais para a filosofia” – então ensine Schopenhauer para uma criança de 2 anos, cowboy!). Aquele domingo, naquele encontro de família, onde algum parente seu pergunta o que você faz da vida e você responde:_ Sou filósofo (A). Ou professor(A) de filosofia – que é uma tautologia.  Diga aí, qual é a próxima pergunta? Ah, não seja tímido! A próxima pergunta é:_ E ganha quanto com isso? Ou “que diabo é isso?”. É nessas horas que toda a galera violenta vem na sua cabeça (Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles – pulemos os medievos, ok? – Descartes, Hume, Kant, etc.) e você sabe que quanto melhor explicar sua escolha, menos será compreendido. Também há dois riscos em não ser compreendido nessas situações: 1- É louco (A). 2- É vagabundo (A) e essa vagabundagem já o levou a loucura! Era mais fácil ter dito que era poeta – pelo menos se livrava do “louco”.  Sempre gostei de um termo que minha família usava para mim: “Louco de sem vergonha”. Bem, melhor do que ser vereador.
......Depois, chegando na reta final para o término do seu curso de filosofia (eu imagino que você não é bobinho o suficiente para dizer por aí que é filósofo sem nunca ter cursado filosofia em uma universidade – e não estou me referindo à “filosofia da educação” – razoável), se você for um sujeito dedicado irá perceber que seus professores lhe ensinaram apenas o superficial. Pior que isso! O superficial de suas próprias interpretações dos filósofos! Eu me referi aos dedicados porque sei que existe uma porção de ‘sofistas’ no curso de filosofia. Quero dizer, gente que teria sucesso como vendedor de t.v. à cabo tanto quanto filósofo! Gente que quase desmaia quando ouve falar em Marilena Chauí ou Viviane Mosé – nada contra, mas que tal começar a falar de Deleuze, Foucault, Heidegger, até Sartre...? Os professores nem sempre tem culpa da superficialidade, mas acontece que numa universidade – que não dá bola para a filosofia, e é raro uma universidade se preocupar com a filosofia – os professores são obrigados a trabalhar muitos períodos e autores que não dominam. E é pior quando não gostam! Resumindo: Na reta final, se você for alguém que se dedica para além das demonstrações de erudição patética no bar, começará a perceber que terá de reler quase tudo – novamente! Pelo menos isso aconteceu comigo. Passei dois anos com um olho nos “clássicos” – sem perder de vista que o clássico é sempre uma conveniência – e com outro olho nas questões atuais – nos contemporâneos, por assim dizer. E o aluguel ainda vence dia 5.
......Para esse texto não ficar mais longo do que já é, vou resumir mais alguns problemas. O descaso do estado com a educação, a baixa remuneração, a sociedade de cultura banalizada gerando adolescentes lobotomizados – que você raramente consegue reverter suas energias em pensamentos... –, a guerra de cargos nas escolas... Tá bom para você ou quer mais? Seguimos. Se você quiser retornar para a universidade, espero que tenha um bom padrinho! – Só isso. Já vi muito ‘sofista’ desfilando por aí com doutorado. Gente que ainda acha que teoria das ideias não é uma ilustração que Platão ironizou para tirar um sarro da cara de uns sofistas. Gente que pensa que Nietzsche era nazista! (risos). Já vi cada coisa nesse campo meus amigos... Já vi até historiador escrevendo artigo sobre Paulo Freire e relacionando com “Assim falou Zaratustra” – e se dizia filósofo à praga! E já que para ser filósofo hoje em dia basta dizer que é (assim como para ser artista basta expor nos sesc’s por aí...), tenho me espantado quando pergunto para o dono do bar aqui da esquina se ele é filósofo e ele me responde “pela milésima vez, NÃO!”. r.A.:_... mas e sua mulher? Não sei não... vai ver ela é doutora da USP e lê Kant escondida de você! – aí o desgraçado finge que não me ouve e saí.
......Não sei não, hoje em dia a gente tem que desconfiar de todo mundo. Antes de vir morar aqui em São Paulo, uma tarde cheguei em casa e vi a porta aberta. Era minha mãe. Já que ela sabia onde eu escondia a chave, entrou para me esperar. Aproveitou que não tinha nada para fazer e correu os olhos em algumas anotações que deixei sobre a mesa da sala. Quando entrei e perguntei como ela estava, ela respondeu:_... olha filho... não querendo ser chata, mas acho que mesmo que você chame de “torção” a maneira como Deleuze aplica os conceitos de um filósofo de um contexto para outro contexto... quero dizer, ignorando o percurso que o filósofo trilha até compor seus conceitos mais maduros, ele se equivocou com Nietzsche ao interpretar “O nascimento da tragédia” com o conceito de “Força” que Nietzsche só desenvolve depois da Gaia Ciência. Mesmo que você desenvolva a noção de história da filosofia de Deleuze como uma geografia do pensamento e não como uma historiografia, você ainda vai ter que melhorar isso!
-Pronto. Minha mãe. Nem completou o ensino médio. Filósofa e aniquilando meu projeto para o mestrado! Obs: Isso que vocês não viram ela falando de Diderot.
......Outro dia ainda, entrei no bar e o dono do bar, enquanto recolhia os copos resmungava:_ Hegel. Sua fenomenologia do espírito era simples demais. Disputa de duas consciências-de-si! Que disparate! Não estou certo se uma história que se desenvolve em uma dialética rumo ao absoluto possa ser chamada ainda de dialética. Que fiasco! – Ainda prefiro Schopenhauer. Unff.
(rá rá rá).
 É por isso que eu frequento esse bar!
......O truque para fingir que há alguma coerência em todos os meus escritos, é retomar a primeira frase! Digamos então que você esteja se vendo em maus lençóis por ter escolhido a filosofia em algum momento de sua vida. Digamos que você se vê nesse estado porque não vê resultado, não faz fortuna com isso e nem fica famoso. Isso são problemas a longo prazo. Vamos pensar nos mais imediatos. Digamos que você nota que o número de pessoas com quem você frequentemente conversava, agora, o simples timbre de suas vozes lhe causa um mal estar e você pensa que o problema é com você. Te diria que realmente é com você. Para ser franco, não entendo como pessoas que reclamam dessas coisas ainda não mudaram de curso ou profissão. Quero dizer, vá para o direito, para a arquitetura, faça um concurso para um banco, essas coisas – você sabe. Com essas reclamações, não vai dar pra ti! E isso é só o começo. As coisas vão piorar muito daqui para frente. Eu já trabalhei numa mecânica, numa floricultura e cogitei a hipótese de trabalhar numa funerária – buscava tranquilidade, sabe. Se você descobrir que queria reconhecimento e dinheiro, vai descobrir que realmente não queria filosofia! Em algum momento você pensou – por alguma interpretação equivocada, sei lá – que a filosofia era bacana! Ser filósofo, nesses termos, nesses tempos, é pior que... ser lutador de boxe ilegal – também fiz isso por um tempo, mas tinha um problema no nariz (ele doía quando batiam nele). 
......Tem tanto Marx e Freud por aí, não revelados ainda, passando fome, escrevendo boas coisas, parindo bons conceitos, etc.; e esses caras, daqui meio século ou mais - se você for apenas um idiota que pensa ser um gênio porque já leu todos os filósofos e entendeu Kant-, quero dizer, esses caras, vão ajudar outros caras a rirem das besteiras que você pensou durante uma vida toda. Isso se você chegar até lá! Se você for bom o suficiente para ser um mediano! Deixe-me te encorajar ainda mais: Nada disso é a curto prazo. Nada disso é próximo a quando você terminar de pagar a última prestação do seu carro (em 40 x sem juros). Embora os escritores nunca admitirão isso – muito menos os artistas -, ser filósofo é pior que ser escritor! Porque todo escritor de merda, que vomita besteiras bem torneadas, onde a merda e o vazio se oculta por trás de um estilo (geralmente cópia de algum outro escritor), vai rir dos filósofos. Faz parte de ser um escritor: Falar merda, escrever nada e rir da filosofia (eu sei muito bem disso, ataco de escritor às vezes e com outros escritores medíocres como eu, falo merda, escrevo nada e dou risada da filosofia – com conhecimento de causa)! E as ciências humanas então... bebem descaradamente da fonte da filosofia sem nunca admitir! O que é sociologia, psicologia, história, boiologia, se não métodos lapidados, polidos, até reluzir? Eles nunca aprendem um conceito, mas se acham aptos para julgar precisamente as ingenuidades dos filósofos – que enfim, eram apenas humanos, mais humanos do que as ciências humanas! Prefiro Descartes a qualquer psicanálise! – Não porque “funciona”, mas porque estava menos preocupado com o funcionamento do seu bilau.
......Vamos as coisas boas então, finalmente! A coisa boa é que eu entendo e posso responder cada frase desse texto. (Os gregos antigos, quando não tinham nada mais importante para fazer, chamavam isso de “logos”). E cá do meu canto, não tenho padecido de 99% das coisas que vejo as pessoas padecerem todos os dias. Tudo que tenho vivenciado em termos de filosofia se resolve imediatamente. Não vivo corroído por questões (ouviu essa Cioran?). Me sinto bem a vontade com paradoxos, com o caos (Nem acho o Caos grande coisa, me dá até sono!), com a morte de Deus, e para ser franco, é coerente e racional demais para mim o capitalismo. Estou dizendo como a coisa é, não estou reclamando de como as coisas são. Podia ser diferente? Podia. Isso tem a ver comigo e com você? Tem! Dá para manter a morte afastada? Não. O quê mais você quer perguntar? Se sua mulher (homem) vai lhe trair um dia? Depende. Se der na telha dela (e), ela (e) vai! Se vai adiantar matá-la? A longo prazo, não. A curto prazo, também não. Vão rir da sua cara do mesmo jeito. Mas fique tranquilo, algum clube vai te aceitar! – não sei que diabo deu na cabeça das pessoas de pensar que filosofia é formular questões ou responder questões!
......As coisas boas? Ah, já tá longo demais esse texto. Leia aí. Tire algumas coisas boas. Não é possível que eu só tenha escrito coisas ruins – o pior é que é bem possível. Pior é encontrar uma metodologia para interpretar a memória de uma sociedade (risos) e acreditar nisso! Pior é acreditar no jornal! Mas se apesar de tudo você ainda vai querer continuar, conte-me o que foi que encontrou lá. Lá, onde poucos foram. Lá onde não basta dizer que se é. Lá, onde as palavras não bastaram, mas foi o que restou. Apesar de tudo, temos a música.


r.A.

“A vida sem música seria um erro”
_Nietzsche, possivelmente sóbrio.

“A vida sem música ou com música continuaria sendo uma sucessão de erros, mas errar com música é melhor”.
_Rodrigo. Copo de vodca do lado direito.


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