segunda-feira, 17 de junho de 2013

...Da biografia\autobiografia. fama, rock n' roll e macacos que riem!



......No renascimento (alemão e italiano) os burgueses pagavam escritores medíocres para escrever a biografia de suas vidas. Que essas biografias não tenham chegado até nós é um acontecimento que poderia ser estudado com profundidade. Mas minha hipótese é que a vida de um burguês é tão entediante que até um escritor medíocre sentia que fora um mau negócio ter aceitado a empreitada! Quer dizer, provavelmente não valeria o esforço e tão pouco à recompensa.
......Schopenhuaer (aquele filósofo alemão que ninguém conhece) disparava na cara de sua mãe que os relatos de viagem que ela fazia e que lhe renderam uma espécie de aceitação enquanto literatura, não passava de uma baboseira. Ora, baboseira essa que enganava, inclusive, caras sérios – tipo Goethe. Basta você saber que Schopenhauer era um filósofo para entender que tomar biografias como literatura só podia ser de péssimo gosto!
......Dia desses eu andava dentro de uma livraria – estava procurando um livro de Russell –  quando parei por um segundo para pensar, me vi trocando olhares com Neil Young. Uma cara de velho, um pouco sombria, com um chapéu puído e o olhar escondido na sombra da aba do chapéu. Li na capa: Autobiografia. Ao lado desta capa, biografia do ACDC, biografia do Metallica, biografia do Aerosmith, biografia do One direction, Justin “baby”, até do Restart! Perguntei para a moça que atendia no balcão:_ Isso tudo vende? E ela, sorrindo gentilmente:_ É o que mais vende na nossa livraria! É claro que pensei: O dia que eu estiver falindo, tratarei de escrever minha autobiografia, vai que consigo um dinheiro para o aluguel?
......Se você pensar a sério sobre um autor de transição do renascimento para a modernidade – na França -, você chegará em Renè Descartes. E seu “Discurso do método” e o seu “Meditações metafísicas”, começam com um caráter autobiográfico. Sabe o que é engraçado? Quando passo pelas bancas de jornais na Av. Paulista, o que mais vejo é esse livro Discurso do método. É claro que fico pensando quem teria saco para ler esse livro – embora saiba de sua importância histórica e filosófica... aliás, nunca vi um autor mais mal compreendido nas universidades do que Descartes. Quando alguém das ciências humanas fala “essa modernidade cartesiana” eu sei que se trata de alguém que não sabe o que é modernidade e não sabe o que é cartesiano! Fora Descartes, você encontra também, nessas banquinhas de jornais, algum diálogo do Platão. Outro bem pouco compreendido. Quando alguém das ciências humanas fala “esse idealismo platônico”, sei que se trata de alguém que não sabe o que é Idealismo e não sabe o que vem a ser Platão.  Sabe, quando alguém fala “mundo das ideias” ao invés de “mundo das formas”, eu já sei que tipo de tradução o infeliz andou lendo. Agora, você acha que eu me incomodo com isso? Claro que não! É bem sabido que o lugar onde mais se falam coisas sem se compreender do que se está falando é nas universidades.
......Ontem, enquanto estava matando tempo e me esquivando de diversos afazeres, folhava uma revista de história. Lá pelas tantas me deparo com um artigo com um tema mais ou menos assim: “o resgate histórico das biografias”. O artigo, “bem mal” escrito, obviamente. Realmente gostaria que o pessoal das ciências humanas fizessem algumas oficinas de escrita para parar de acreditar que basta meia dúzia de citações e alguns comentários para atingir um trabalho “razoável”. Mas enfim, me torturei lendo o bendito artigo. Não havia nenhum resgate da escrita biográfica, havia apenas uma nota do tipo: “então, hoje em dia, se tem retomado o valo histórico da biografia e autobiografia” – só. Tratava-se de um doutorando em história... fiquei mexendo nos meus bigodes e me perguntando:_ quem orienta esses diabos? Espremendo o artigo de dez laudas, não dava para retirar cinco frases razoáveis.  Você não acha isso triste?
......Acredito mesmo que existem autobiografias dignas de passagem, por exemplo “Ecce Homo” de Nietzsche. Esta autobiografia me livra das baboseiras de comentadores que pensam poder chegar ao conceito de um filósofo se fiando na bendita “contextualização”. Uma lógica que desanda em um imenso fiasco: “e fulano pensava assim graças ao seu contexto histórico-social, blábláblá”. Está é a leitura mais idiota que se pode fazer de um filósofo, de um escritor, de um artista, etc. É muito raro você precisar o que foi causado pelo contexto e o que não foi em um autor. Um filósofo, com raras exceções, transvalora seu contexto em texto! Essa passagem, esse tipo de “alquimia”, as palavras não fazem figurar. A palavra é insuficiência no caso da filosofia. Porém, um mal necessário. Coerência é ingenuidade de matemático – até um matemático sério sabe que seu pensamento transmutado em função passa por uma aproximação, uma analogia, nunca uma igualdade! Calcular é “calcular em relação a algo” e isso é mais metafísico do que se quer admitir! A maiêutica socrática, Platão transformou em ironia para dar bordoadas nos sofistas. Os pitagóricos nunca iludiram Platão!
......Não lembro direito onde Cioran (filósofo e antí-filósofo, ao mesmo tempo) disse isso (acho que foi em uma obra chamada Silogismos da amargura), mas disse que achava engraçado que na possibilidade da biografia, alguém ainda não teria renunciado a vida. E está foi minha chave de interpretação para este fenômeno editorial (risos) da biografia – autobiografia. Dado o interesse crescente pelo “indivíduo” (não confundir com o individualismo), a biografia e autobiografia passou a suscitar curiosidade. E no capitalismo todos sabem que gente curiosa pode significar lucro! Os que já foram famosos (até tu Neil Young? – risos) agora tentam o último golpe, revelando como chegaram até lá! E os que nunca tiveram fama, agora, contratando um escritor medíocre, sentem que podem, pelo menos, gerar uma biografia que insista em uma identificação com o público. Veja só, eu falo isso com conhecimento de causa – bem profunda, aliás. Tenho aqui, entre os livros na minha biblioteca particular, biografias de Kurt Cobain, Jim Morrison, Ian Curtis, Sex Pistols, Charles Bukowski, e alguns outros. (Cito biografias de bandas porque nessas biografias se tem uma coleta de dados em conjunto).
......Tenho cá comigo que há duas maneiras de conseguir “fama”. E nenhuma delas são positivas. O(s) sujeito(s) que persegue(m) fama, parece(m) se encaixar muito bem no que Cioran disse: Renunciam a vida pela possibilidade de uma biografia interessante – interessante para as massas, para o coletivo. Se é esse o seu caso, vou lhe dar uma boa dica – de graça, ainda! Faça o diagnóstico do que agrada a maioria das pessoas. Feito esse diagnóstico, fale em público apenas o que agrada – guarde para si o que desagrada! Simples. É assim que hoje se faz política no Brasil. Tanto faz se você é de direita ou de esquerda, isso é um detalhe. Os partidos estão tão desvinculados com suas ideologias, que fazer política está mais para fazer marketing pessoal do que para “lutas ideológicas”. Nesse sentido, só um bobalhão acredita em um partido por pressupostos ideológicos! As reuniões de portas fechadas nos sindicatos não são mais para decidir rumos ideológicos, são para fixar parcerias! A verdadeira decisão é tomada no bar ou no churrasco de domingo! Não sou tão pessimista assim, imagino que existam pessoas que realmente vistam a camisa “política-ideológica”, mas estes estão mais para o sujeito que vai num baile de formatura de chinelo de dedo – E reclama porque as “minas” não querem ficar com ele! (risos).
......Uma segunda possibilidade de adquirir a bendita “fama”, reside em ser “garoto/garota propaganda de alguém/empresa/marca – fantasia/ etc.”. Também é um jeito ótimo de renunciar a vida na possibilidade de uma boa biografia. Se até o Tom Zé conseguiu, por que você não conseguiria? (risos). Dado que Tom Zé deve possuir muito mais pressupostos e conceitos sobre arte do que você – e eu. Agora você gostaria de resmungar algo para mim sobre indústria cultural e capitalismo? Rapazes/ Moças, conheço Adorno melhor do que ele gostaria de ser conhecido, nem vou entrar em méritos filosóficos!
......Só para finalizar esse texto, já que sei que tenho entre meus leitores muitos músicos, vou contar um caso para vocês. Conversando com um roqueiro aqui de São Paulo sobre gravadoras, empresários, rock n’ roll, etc., este sujeito me conta sobre a biografia (risos) musical de sua banda. Contava-me ele, já com cabelos brancos, que estava cansado de tocar nas centenas de bares de rock da grande São Paulo e não passar de “entretenimento noturno para bêbados bem intencionados”. Repliquei que conheço bem essa situação. Inclusive, em São Paulo, na noite, nos bares de rock, você encontra gente de todo tipo e de todos os lugares – do mundo! Estávamos, durante essa conversa, num show de um trio de blues vindo dos EUA. Este sujeito me contava sobre o contato que teve com um estúdio (Bonadio – produziu Mamonas Assassinas, CPM 22, NX Zero, etc.), onde a própria produção de um disco envolvia o lançamento nas melhores rádios de rock de São Paulo e apresentações televisivas nas emissoras SBT e GLOBO. Eu não sei se você entendeu, mas eu vou repetir para você. A produção de um disco já envolvia o lançamento nas mídias de grande circulação nacional – já estava incluso no pacote.
......É claro que pedi para ele prosseguir com o causo! Dizia ele, então, que chegou até a pré-produção e lá já não existia mais a sua amada e com longa carreira na noite paulistana, banda. Eles só mudaram a nome da banda, o “tipo” de som da banda, o release da banda, a maneira de se vestir dos integrantes... só. É claro que tudo isso envolvia também um contrato de 500 mil reais para ser assinado, referente à produção do disco de estreia – os discos independentes da banda não contavam! Pagar esses míseros 500 mil reais não era o problema! Seria descontado da banda – que já tinha a sua “aparição de sucesso” garantida – fazia parte do pacote, obviamente. Como dizíamos antes, nada mais do que renunciar a vida em nome de uma biografia! Vou resumir a história. A banda aproveitou a oportunidade, mas não “vingou” e agora tinha só uma despesa de 500 mil reais a serem pagos. Disse-lhe:_ bem, aproveite o disco e se inscreva nos editais dos sesc’s por aí! Respondeu-me o sujeito:_ Não resolveria nada. Os sesc’s manufaturam as apresentações culturais e pagam uma migalha tão insignificante que o artista termina por pagar para se apresentar. Embora engorde o “currículo” (biografia?) do artista para apresentações futuras! Depois disso, tentamos chegar a uma conclusão. Se valia mais a pena, para um artista, se apresentar no sesc ou tocar viola na “feira da madrugada” – no Brás. (para quem não conhece: feira de produtos que escaparam da fiscalização e por isso são reduzidos à metade do preço).
......O filósofo Safranski escreveu a biografia do filósofo Schopenhauer. O título é muito instrutivo: “Os anos mais selvagens da filosofia”. Conta Safranski que certa feita, Schopenhauer se livrou de uma tentativa de golpe estelionatário de um banco. Disse ele ao gerente:_ Infelizmente você tentou passar a perna num sujeito que leu KANT. Quer dizer, o filósofo sabia dos riscos de um investimento de conhecimentos “à priori” e “à posteriori”. (risos). E tem muito idiota aí que ainda se perguntando para que serve a filosofia. E mais idiotas por aí falando em filosofia enquanto vendem o rabo para jornais... esses são piores!
......Pois bem, é preciso concluir. E lá vamos nós. Pensemos que a moral da história (risos) é que muita gente confunde sua produção no campo artístico com fama. Existe um maremoto de paspalhões que estão mais implicados em se mostrar do que em produzir sua arte. Também há uma outra enxurrada de salões, festivais, concursos, todos loucos para corresponderem ao maremoto de paspalhões. Alguém, provavelmente um idiota – eu tenho facilidade em irritar idiotas... isso ainda vai me arruinar! – deve estar resmungando: “ e você r.A., que não faz nada, fica aí sentado debochando de todo mundo”. Acho que é isso mesmo, eu não faço nada e fico debochando de todo mundo! Para esses eu digo que preciso mesmo de gente para debochar enquanto tomo minha cerveja! E graças aos deuses, material para mim trabalhar não falta! (gargalhada). E para ser bem sincero, estou desapontado com Neil Young... ele não está tão velho assim e falido para precisar publicar sua autobiografia – ou está? Na dúvida, faça como Descartes, tome um porre de vinho e comece a pensar que está sendo enganado pelo diabo! Mas não se engane com essa moda de escrever sobre si mesmo como se fosse grande coisa, ou pedir para que alguém faça isso. Faça como faz o macaco – ria! Pare de acreditar em concursos, recitais, partidos, biografias, boas intenções, gravadoras, revistas de história, seu emprego e sua dignidade moral. Você é um macaco que pensa, então ria! Ria enquanto pode...

r.A.


ps. – Numa dessas noites paulistas um produtor musical disse:_ Que tal mudar o nome do duo de rock que você faz parte? Tipo, de Sodoma H. para “Pop duo rock”? Seria mais comercial! Minha resposta:_ E que tal se eu mudar o seu nome para “Enfia o dedo no cu e rasga”? Seria mais comercial!

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