quarta-feira, 4 de abril de 2012

Colaborar com forças sociais que combatem... - Parte I



“TOPOS”

......É evidente que “bater boca” com pessoas cujo o “ego” está atravessado nos ouvidos não leva muito longe. Por isso a postura mais inteligente é ignorá-las enquanto atiram nos próprios pés e no seu devido tempo – dito e feito! Mas, contudo, não podemos deixar o estrago no ar... é preciso dar (ou pelo menos ensaiar) respostas para aquilo que se vê, ao invés de fazer pose e lançar confetes sobre a própria cabeça. É preciso um olhar desconfiado e uma postura descrente, uma coragem para questionar, uma atitude “contra-contra-cultural” para buscar estratégias no campo da cultura visando ao mesmo tempo: 1- Um espaço para produção estética (e maturidade para esse espaço), 2- Não colaborar com forças sociais que combatemos e 3- Forçar o mecanismo cumulativo da cultura (as modificações trazidas por uma geração incorporadas pelas gerações seguintes de maneira mais “adequada” à sobrevivência) sem pensá-lo historicamente como “continuidade ideal” (pensar 1 e 2 intrínsecos, para pensar o 3) . Sinto, mas não posso sair por aí fazendo de conta que se imaginar num “novo reduto hippie” é resistência ou re-existência em relação a uma dada “organização” social que se discorda [na verdade, isso se revela mais um consolo – um domingo entre amigos- para se preparar para a segunda-feira]. E se chegamos a isso, quase tudo perdemos e muito nos enganamos. Em termos políticos bastante sintetizados: Uma criança que grita com o pai, ou sai de casa ou atira o pai para fora de casa para fazer valer o seu grito – fora disso, resta apenas uma surra pela “mal-criação”. Também há o adolescente que aprecia o gozo de gabar-se com os amigos por ter gritado com o pai (reviver na memória o momento do grito como se se masturbasse), mas quanto a esses já podemos contá-los como superados. Este texto só se destina aqueles que são pai de si mesmos!
......Ontem, Terça-feira, após o segundo show de Roger Waters no estádio do Morumbi em São Paulo (70 mil pessoas e eu no meio), certamente fiquei deslumbrado, sem palavras, e na seqüência tiroteios, policial ferido e carros depredados. No inicio do show, a sensação de estar no meio de uma guerra (e estávamos de certa forma!), pós o show, descobri que realmente estava em uma guerra. Alguém próximo comentou “me pague novecentos reais por cabeça e eu também critico a shell e a mercedes-benz” – o cara não entendeu, mas deixa!. E no final de “Mother”, pelo que entendi, Waters pergunta se devemos acreditar no governo ou no muro... Penso que, se ainda existem pessoas capazes de ir em um show desses para usá-lo como “barreiras” ou confetes, para tentar usar o fato de ir em um show desses como autoridade sobre outras e suas palavras, então eu acredito em ambos: governo e muro. Acredito porque eles “persistem” e é daí que os combato. Todavia, um tiro sempre será um tiro! É “bonito” recordar o que significou o 11° álbum do Pink Floyd, é, até certo ponto, revolucionário (na medida em que podemos resignificar ao invés da mera nostalgia)... mas preciso manter os tiros longe de mim para pensar sobre isso – o que revela uma hierarquia das “importâncias”. Ainda não consigo parar de pensar, com um sorriso tragicômico, nas palavras de Michel Foucault na obra de organização do filósofo Roberto Machado (Microfísica do Poder): “não mais cantor da eternidade, mas estrategistas da vida e da morte”. Foi daí que esta frase me apareceu e é a partir desta frase que agora vou trabalhar!
......Marcel Proust (Sobre a leitura) nos conta que “nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos” e o motivo disso é que a leitura é INSUFICIÊNCIA, “não podemos receber a verdade de ninguém, devemos criá-la nós mesmos”. A leitura não pode ser substituída por conversação, pois ela é o “estímulo de um outro espírito, mas recebido no seio da solidão”. A leitura põe em movimento a “atividade criativa” coisa que “a mais elevada conversação, os conselhos mais profundos” não conseguem “produzir diretamente”. Ora, para Proust, a leitura é a comunicação no seio da solidão! É esse ritual silencioso capaz de “reintroduzir força na vida do espírito”, no qual as pessoas “subitamente reencontram o poder de pensar por si mesmos e de criar”. É preciso criar, mais que tudo! Mas criar qualquer coisa???? Nem preciso responder. Aqui, vejamos, a SOLIDÃO SE REVELA COMO ALGO NECESSÁRIO. PARTE DO PRECESSO CRIATIVO. Não a conversação, a princípio. Mas a LEITURA. Agora é o momento em que posso remanejar o significado de leitura. “LEITURA” É UMA PALAVRA, O QUE IMPORTA É A CONEXÃO QUE A PALAVRA INDICA. Evidente que Roger Waters mostrou que além de conseguir, ao mesmo tempo, “cantar a eternidade” – atingir uma verdade ficcional, metafísica, que ultrapassa o fenômeno, ultrapassa o fato de estar ali – e ser “estrategista da vida e da morte”- gerar esteticamente uma mudança de sentido existencial mediante sua obra e a possibilidade de, “driblando as adversidades”, estar ali, executando sua obra, abrindo espaço mediante força- tinha sua criação ARRANCADA DA COMUNICAÇÃO NO SEIO DO SILÊNCIO, uma continuidade pós sua leitura [preciso especificar que ampliei o conceito de leitura para além do mero gesto motor de debruçar sobre os livros?], um pensamento próprio, singular, aliás, ali no Morumbi, um conjunto de singularidades arrancadas da comunicação no seio do silêncio. Arrancado do Silêncio, não do Grito. Eís um lugar!Pensem bem! (“clic”, piscadinha de olho).
......Em uma conversa com Michel Foucault (filósofo e historiador), Gilles Deleuze (filósofo) comentando sobre alguém ter dito estranhar a relação de sua teoria e prática filosófica, resolve o “problema” com a divertida e séria frase: A PRÁTICA É UM CONJUNTO DE REVEZAMENTOS DE UMA TEORIA A OUTRA E A TEORIA UM REVEZAMENTO DE UMA PRÁTICA A OUTRA.[...] NÃO EXISTE MAIS REPRESENTAÇÃO, SÓ EXISTE AÇÃO: AÇÃO DE TEORIA, AÇÃO DE PRÁTICA EM RELAÇÕES DE REVEZAMENTO OU EM REDE. A graça é que ainda existem aqueles que, “atrasados” nestas concepções ainda acreditam que movimentar ou agir socialmente não é escrever, ter ideias ou até mesmo decidir não participar daquilo que suspeita ou acredita ser “furada”. Quando alguém escreve publicamente faz falar várias vozes! A ilusão de que movimento só se faz “lá na rua” é fruto de uma concepção histórica tradicional “Wikliche Historie”. Também há aquela velha crença nos grupos. Acredita-se (os religiosos dessa ultrapassada seita) que só há movimento se é visível em grupos. É um sintoma daqueles que, acostumados a uma vida "bruta" – irrefletida, não aprofundada, superficial, voltada a catalogar dados- e presos aos aspectos apenas concretos do olho (que não se volta para dentro e por isso sente uma dificuldade de criticar o conjunto do corpo) deixam passar movimentos muito mais intensos e muitas vezes mais devastadores! O fato de na falta do que fazer, fazer algo, não é necessariamente poético, pode ser a encarnação do insuportável em si mesmo! O nojo de olhar no espelho, de pensar em si.
......Na mesma conversa, Foucault fala aquilo que os “agitadores” quase sempre esquecem – ou se fazem de esquecidinhos por motivos bastante mesquinhos e patéticos: A TEORIA NÃO EXPRESSARÁ, NÃO TRADUZIRÁ, NÃO APLICARÁ UMA PRÁTICA; ELA É UMA PRÁTICA. Deste modo podemos ver com bastante clareza que há uma dificuldade imensa em dizer algo em um contexto onde A MAIORIA NÃO QUER MAIS DIZER ou não tem o INTERESSE DE QUE OUTROS DIGAM ALGO. Por isso é preciso, ocupar o LUGAR de livrar nossas palavras de qualquer pessoa ou regra que queira esvaziá-la de sentido. Vejam bem, quanto mais houver aqueles que tentem nos impedir de falar ou tentam ridicularizar nossas posições e LUGARES de onde falamos, mais devemos abrir esse espaço com força, empunhar o poder e usá-lo também. Não podemos deixar que, evocando alguma autoridade, alguém ou uma regra “interdite” nosso discurso. “LUTA CONTRA O PODER, LUTA PARA FAZÊ-LO APARECER E FERI-LO ONDE ELE É MAIS INVISÍVEL E MAIS INSIDIOSO”. Por mais patética que for a manobra daqueles que arrastamos para fora de suas POSIÇÕES QUE DESESPERADAMENTE DEFENDEM, precisamos mantê-los firmes até onde o arrastamos para que eles se mostrem ao se debaterem – seja na estratégia de seus discursos (coagir outros a entrar em um movimento para mais fácil manipula-los) ou na suas próprias encarnações INTELECUAL, ACADÊMICO, POLÍTICO, ETC. No entanto ninguém disse que seria fácil. E é preciso atravessar, por vezes, o mais medíocre dos discursos como se metesse a mão na enxurrada de vômito de um tagarela, para atravessando socar-lhe a boca. Isso se chama DENÚNCIA. Falar publicamente daqueles que enganam é uma luta!
......A firmeza do lugar onde se fala, não está relacionada a uma posição social que se ocupa, ou o dito “status”. Onde estamos, no contexto onde nos encontramos não há o “dentro e fora”, não se estabelecem mais essas concepções que outrora servirão de consolo. Há um único espaço em jogo e um único poder em jogo. O poder da palavra que interpreta! Interpretar é exercer o poder da palavra. O truque da relação capitalista social é dizer que precisamos lutar por um lugar de voz e vez para nos autorizarmos! O lugar (TOPOS) é demarcado pelo momento em que você se arma de coragem para interpretar e dizer. A PALAVRA É UMA MULTIDÃO! A palavra não é representação, é ação. O momento do dizer/escrever é a explosão estética do lugar. Não é postergado ao futuro, não é utópico. É o objetivo no objetivo. Imanência. E para isso, não precisamos de convite!


r.A.



“Pouco interessa se sou ou não sou, o importante é que estou – e incomodo".

Nenhum comentário: