sexta-feira, 26 de junho de 2015

É sempre tarde

(O Desenho para esse conto foi especialmente produzido pelo Artista Emerson Ferreira da Silva) *


“Tudo está nas mãos de um homem e ele o deixa escapar por covardia”.
Dostoiévski – Crime e Castigo.

Em trinta anos só fui abandonado para morrer duas vezes. Uma vez foi num hospital; esqueceram meu corpo adoecido numa maca em um porão escuro e frio. A outra foi na praia onde alguns colegas pensaram que eu estava fingindo que me afogava. Nas duas vezes dei um jeito de escapar. O que quero dizer é que com essa vez contabilizo três vezes que fui deixado pra sorte. Agora tem a ver com uma mulher e cá entre nós, prefiro as duas vezes anteriores.
         Alana me mandou ir ver se ela estava na esquina e eu fui, já que aprendi a nadar no mar e meu plano de saúde não estava atrasado. Quando voltei pra casa só tinha um bilhete em cima da mesa da sala. Me mandava ir para o inferno – e não é que estou nele?
Pelo menos no inferno tem vodca.

***
         Antes de abraçar o satanás a gente sempre pensa que tudo vai bem. E eu atravessei meu corpo gordo por uma porta e entrei em uma sala com outras trinta pessoas em silêncio. Escrevi meu nome na lousa com giz, abri minha pasta de couro sob a mesa e retirei dois livros e umas anotações. Ninguém disse nada. Ainda bem, porque minha cara coçava por ter feito a barba pela manhã e ter perdido o ônibus para o curso de produção literária que tinha de ministrar me deixou mais irritado do que vespa.
_Alguém tem algo a dizer? – perguntei tirando os óculos escuros. A claridade da sala fez minha cabeça latejar. Ressaca.
_Sim. O senhor está atrasado! – rosnou uma jovem no meio da sala.
         Algumas pessoas seguraram o riso e eu segurei um “foda-se” que pedia passagem na minha garganta. Fitei os peitões dela e isso irritou um pouco mais, ai eu sorri diabolicamente.
_Alguma outra observação óbvia? – disparei pra turma.  
_Você só passa esses exercícios malucos para a gente e não fala de produzir literatura... – os peitões ainda rosnando feito um motor de opala.
_As coisas não são simples assim, moça. – bocejei. Ela bufou e virou os olhos, eram olhos verdes. Eu continuei – mas hoje a gente vai escrever um pouco... – ela bufou novamente e eu continuei falando, fingindo não lhe prestar atenção – vamos produzir literatura ou alguma coisa que lembre vagamente isso. Que Deus nos ajude.
         Tinha que enrolar aqueles chatos por três horas. O pior é que teria que corrigir trinta narrativas curtas. Ninguém levava jeito nem se quer para uma redação publicitária ou um artigo jornalístico – o que é gravíssimo para quem sonha em ser escritor. Mas o sonho deles era necessário para pagar meu aluguel e a conta no bar. Refletindo sobre isso dei um jeito de mudar meu humor e meu ceticismo.
_Deem o melhor de si, pessoal. Acredito em vocês, serão bons escritores! – menti com convicção. Até dei um tapinha na mesa. E o peitão rosnou pela terceira vez.
         Escrevi na lousa algumas coordenadas para a frescura toda. Vai que alguém da direção entra na sala e comprova que não estou fazendo o que não estou fazendo, de fato. Seguro morreu de velho. Ninguém passou do mediano em exercícios básicos e isso não me surpreendeu.
         Se mataram escrevendo e eu saí duas vezes para fumar. A terceira vez que saí foi para pegar um café na secretaria. Foi uma torração de saco que só vendo. “Posso ser pornográfico, professor?” – manda ver, cara. “Posso falar da minha mãe?” – Deve, garota. Deve! “E se eu usar o estilo do Bukowski?” – Melhor não, rapaz. Deixe os deuses em paz. Com religião não se brinca. “Pode ler esse parágrafo que escrevi, professor?” – Escreve aí que eu leio depois. Acredite em si mesmo! – achei engraçado o que eu disse e disfarcei uma risada com um acesso de tosse.
         Depois de se passarem duas horas e meia, recolhi os textos. Dois não haviam terminado – galera do fundão; simpatizo.
_Um conto é uma narrativa estruturada e tem inicio meio e fim. Mas não precisa ser necessariamente nessa ordem. O começo pode ser o final, mas o grosso da coisa, o miolo, não pode ser o final e nem o inicio. Fica chato se fizerem assim.
_Por que não falou isso antes? – reclamou um carequinha.
_Porque ninguém perguntou, ora – devolvi.
         Foram entregando seus contos enquanto eu falava alguma bosta sobre escrever em primeira e terceira pessoa. De qualquer forma todo mundo entregou e eu guardei suas coisas na minha pasta. Todo um cuidado teatral com suas folhas suadas. O bar, cara, você sabe, estou devendo lá. Com essas coisas sérias não dá para vacilar.
         Foi aí que dei a aula por encerrada e lá se foram os jovens promissores – e duas senhoras que devem ter cansado de fazer tricô. Joguei os livros e as anotações na pasta. Mas a xarope mestre, com seus olhos verdes e tudo mais, se aproximou. Agora pude notar os detalhes da sua voz grave e seus 1, 72 m., com seus cabelos verdes cortados na altura das orelhas.
_Eu li suas coisas, Adriano. – jeito desdenhoso.
_Pois é. – resmunguei.
_E eu vou escrever muito melhor do que você! – sentenciou.
_Não é difícil – sorri.
_Você só deve ser um fracassado para estar ministrando cursos por aí – acusou.
_Concordo com você. Mas agora tenho mais o que fazer, se é que você se importa. – falei e lhe apertei a mão.
         Saiu fungando e pateando o chão. Que que esses diabos querem de mim?

***
Há tempo para mudar o que se é, mas esse tempo já passou para mim. Estava tentando pagar uma multa por atraso de livro na biblioteca e enquanto aguardava na fila cheguei a essa conclusão óbvia. Esse cara negro e com os olhos vermelhos – três dias sem fechar os olhos -, sou eu. A questão é que estava retirando mais livros porque não tinha dinheiro para comprar e acabou que recebi tantas multas que poderia ter dado inicio numa biblioteca. Quando a gente se fode é que começa a procurar respostas enquanto se amaldiçoa a própria vida. Foi em Nietzsche que aprendi que amaldiçoar qualquer coisa é uma espécie de anestésico para o sofrimento.
_O senhor deve... – começou a velha de óculos atrás do computador.
_Eu sei o quanto devo. Tai o dinheiro. – alcancei o dinheiro junto com os livros.
         Ela respirou fundo, como se eu tivesse sido muito grosseiro e tivesse ofendido sua honra e merecesse levar um tiro de espingarda bem no meio da carona de búfalo. A velha digitou umas coisas no computador, contou o dinheiro com atenção, imprimiu um comprovante e resmungou “próximo”.
         Peguei meu comprovante e saí me odiando pelos corredores, por uma rampinha, até chegar na porta. Minha mãe falava “você não esquece a cabeça nos lugares porque está grudada no seu pescoço”. Verdade mesmo você só encontra nas mães, nos livros não.
         Desci a escadaria da biblioteca e havia um bar bem na frente. Adivinhe o que foi que eu fiz.

***
         Juarez é magro e baixinho, cabelos pretos e olhos de cachorro na espreita de algo. Cursa letras na mesma universidade que eu e outra de suas características é que não fuma maconha – come com farinha. Sempre que o encontro por aí espero dois minutos antes de começar uma conversa.
_Odeio quando você fica me analisando em silêncio – urra gesticulando com as mãos.
_Há males que vem para o bem, cara. – dou um sorriso.
_Você é um bêbado desgraçado e eu não te julgo, Adriano. – Devolve ele.
_Julgue, Juarez. Se isso fizer bem para sua vingança vale a pena ser feito. – acendo um cigarro.
_Não estou chapado! – diz alto.
         O dono do bar, gordinho e de cabelos brancos, que passava perto da nossa mesa na calçada, começa a rir. “O de sempre?” – sussurra.
_Sim, ele tá chapado. – comento.
_O de sempre para você, quero dizer. – ri o dono do bar.
_Claro! Não vê? O Adriano é um pé de cana que se acha no direito de julgar a vida dos outros. – fala Juarez, raivoso, e dá um tapa na mesa.
_Sim. Mas apenas um copo, o senhor sabe que maconheiro passa mal quando mistura com cerveja a sua bosta de cavalo. – aviso o dono do bar. Ele da uma gargalhada e coça a barriga.
_Dois copos! – resmunga Juarez. – não estou chapado, já disse.
_Ok, dois copos. Se ele desmaiar eu o arrasto pelas pernas até o latão de entulhos da esquina. Fica tranquilo. – digo.
_Cara, eu me arrependo todos os dias de ser seu amigo – diz Juarez enquanto o dono do bar vai buscar a cerveja.
_Melhor você pegar uma senha e entrar na fila, Juarez. Sempre foi assim comigo – começo a rir.
_Não duvido! – diz ele.

***
         Acordo numa casa estranha. Estrelinhas fluorescentes no teto. Tem uma loira de costas para mim numa cama. Levanto as cobertas e estamos nus. Ela resmunga, mas não acorda. Faço um esforço tremendo para sair da cama em silêncio. Cato minhas roupas que estão espalhadas por todo o quarto. Afasto seus cabelos do seu rosto para dar uma olhada na sua face. É feia, mas eu já chamei coisa bem pior de meu amor. Duvido que ela não pensou o mesmo.
         Abro a porta do quarto e encontro um banheiro no fim do corredor. Jogo água no rosto e escovo os dentes com pasta e o dedo indicador. Tem quatro camisinhas no lixeiro – alguém se divertiu e não lembra da diversão.
         Tranco a porta da frente da casa e jogo a chave por baixo. Pulo uma cerca de um metro e meio, saio na rua deserta. Que raios de lugar é esse?, sussurro. Sigo andando.
Peço, numa barraquinha de pastel, se existe um metrô por perto. Um cara aponta com o dedo para uma direção. Não entendo o que ele diz, mas sigo a direção. Encontro o metrô e analiso o mapa fixado na estação. Estou do outro lado da cidade! Puxa vida, numa madrugada dessas vou acordar sem um rim, reflito.
 
***
         Vejamos o que é um bom jogo: bom é um jogo que lhe dá tempo e bons jogos são aqueles que não falamos sobre. Tirei a semana de folga sem comunicar ninguém – um dinheiro de um concurso, nada mais. É importante um bocado de desleixo para com os compromissos na vida de um homem. Tenho pena de quem leva isso tudo muito a sério. Melhor, não tenho tanta pena assim porque nem ocupo minha mente com gente séria. Fiquei em casa e bebi e fumei e escrevi. E estamos lhe enviando esse e-mail, prezado Professor, porque não atendeu mais o telefone e o substituímos por outro. E passe na instituição para pegar o seu pagamento. “Estava doente?” – perguntou a secretária. O dono da tal instituição não queria nem ver minha cara. Empatamos, não queria ver a cara dele nem na privada enquanto mijava.
_Sim, estava doentíssimo! – Respondi, rindo.
         Eu estou doente faz tempo. Desconfio que nasci doente pra caralho. Doente de gente, de compromissos, do mundo. Não aguento mais nem meio segundo. Tudo me vence por W.O. Comigo é ausência confirmada. Nem me retiro já que nem vou.
         Peguei minha grana, paguei minhas contas e comprei o suficiente para comer por quinze dias. O resto é futuro. Dos dinossauros eu sou dos que jogam o rabo para frente para melhor se equilibrar.

***
         E daí que me fodi de novo. Acostumei com a coisa. Não é que goste é que sei do que é necessário – no meu caso específico. Trabalhei de garçom quando a água bateu na bunda. “Você com dois diplomas e tudo mais?” – perguntou um colega. Pois é.
         Mudei para um apartamento menor e numa região mais proletária. E apareceu um cara com uma camiseta do Chê Guevara. Sempre tem desses, você sabe.
_Camarada, você tem que lutar por seus direitos! – Resmungava ele, coçando a barbicha suja.
_Sim, sim. Agora vá para lá. – acenei com a mão para o outro lado da lanchonete.
_Você tem que fazer parte do sindicado! – disse ele e me cutucou no peito.
_ é , né? Eu tenho...  – resmunguei.
_Claro que sim, camarada! Nós lutaremos juntos! – relinchou ele.
_Sim, sim, lutaremos sempre juntos. Os fodidos de todos os tamanhos e espécies. – Devolvi.
_É esse o espírito, camarada – disse ele.
_E não seremos manobrados por ideologia política alguma, e nos engajaremos pela última vez. Porque daqui para frente tudo irá mudar. – sorri.
_Exatamente. Tudo é resultado de uma luta. E tudo foi conquistado por luta pós luta. E se você está na situação que está hoje é porque lutaram por você e você dará sequência nessa luta.
_E eu sou o que sou hoje por causa da luta e etc., isso? – perguntei.
_Exatamente! Se não fosse isso a coisa estaria bem pior para você, meu camarada amado! – bateu no peito, bem no nariz da sua estampa.
_É a mesma coisa que a igreja diz... – sussurrei.
_Mas não é a mesma coisa. A gente é confirmado, camarada! – devolveu coçando a barba suja.
_Cara, vai cagar e me deixa em paz! – falei.
_Então você é de direita! Eu sabia. Você é de direita. Você é de direita. De direita, meu Deus do céu, você é de direita! – relinchou feito um burro raivoso.
_Se faz bem para seu ego, eu devo ser... – resmunguei – mas saí daqui que você me enche o saco, muito. – disse.
_VOCÊ É DE DIREITA – gritou.
_É cara, deve ser. Não enche o saco, porra. – Devolvi. Só queria que ele parasse de cuspir em mim e bater no peito feito um gorila.
         Juro que ele ajoelhou e rezou uma prece para seu sindicato. Talvez outra prece para o partido. Fez um sinal da cruz e chorou com os dedos da mão entrelaçados. Enquanto isso eu servi uma porção de batatas e uma pizza bem ruim. Deve significar muita coisa para sua existência, pensei. Todo mundo tem que professar sua fé em alguma coisa, concluí. Improvável que se obtenha o que se pensa que mereça, mas vai saber. Não me dirigiu a palavra pelo restante do mês em que trabalhamos juntos.
Melhor, né?

***
         Encontro Juarez novamente, desta vez na igreja. Brincadeira - foi no bar mesmo. E ele me diz que viu Alana na semana passada. Fico em silêncio. “Não precisa me avaliar, Adriano “ – ele ri – “desta vez eu estou chapado”.
_Não é isso cara. É que nem lembrava dessa desgraça.
_Acho que é ela que não se lembra de você. Estava feliz da vida de mãos dadas com outro cara. Não colocando em risco nossa amizade, mas o cara parecia bem melhor do que você. – sorriu.
_Sem ressentimentos. – falei.  
_Mentiroso. Tá todo magoado aí que dá gosto de ver. Bem feito. – pegou um cigarro do meu maço que estava sob a mesa.
_Você nem está chapado, nada. – falei.
_Tô sim. – devolveu soltando uma baforada de nicotina na minha cara.
_Nem tá.
_Não mude de assunto! Não vou deixar você escapar dessa. Guardei essa informação uma semana inteirinha para ter o prazer de lhe contar. Agora o cabelo dela está azul, ficou bem melhor do que o verde. Ela também não escreve mais, viu que é coisa de miserável. Está tocando baixo em uma banda de rock. Tá mandando bem.
_Bem, mas pelo menos a fila andou para mim também... – peguei um cigarro também.
_Andou porra nenhuma! – gargalhou – além de ter levado para casa a mina mais feia do bar ela espalhou para todo mundo que você é um brocha! E é tão brocha que fugiu antes de amanhecer.
_Me arrependo todos os dias por ser seu amigo. – resmunguei.
_Pega a senha! – gargalhou.

***
         Dei por falta do Chê Guevara no bar, pois estava movimentada a noite. Perguntei para uma cozinheira se o revolucionário tinha dado no pé. Ela enxugou o suor no avental e riu. Fez uma cara de velha safada que estava louca para uma fofoca. “Nada disso. Você não soube? O vereador que seu amigo estava apoiando se elegeu e arrumou um empreguinho para ele num sindicato. Agora ele não faz mais parte da classe dos fodidos, como nós”.
_Que bom que o mundo tem dessas coisas. – falei.
_O mundo tem de tudo, garoto. – devolveu ela, filosoficamente.
_Vamos fumar um cigarro nos fundos? – fiz o convite.
_Não deveríamos, mas vamos lá. – sorriu ela.
         Jogou o avental numa cadeira e saímos pela porta da cozinha. Alguém gritou meu nome e eu fiz que não ouvi.

***
         A morte tocava sua música na sala do meu apartamento. Mas isso não significa que chegou minha hora. Fiz umas apostas erradas, porém foram apenas falta de talento para decifrar tais melodias. O jogo é saber dançar apesar de tudo. Quanto a mim, dancei mais um pouco, riscando até doer – linha após linha. E as noites me ajudaram suportar os dias até que consegui um resultado satisfatório.  E chegou pelo correio aquela carta que esperava: É com imensa satisfação, Adriano Maranello Jr., que lhe comunicamos que seu conto recebeu o primeiro lugar no nosso concurso.
         Meti Alana naquela história desesperada. Daquela vez que lambi o chão cinzento do inferno. E Maristela não era uma loira feia que dizia por aí que eu era brocha. Aliás; era uma princesa polaca que arrancava com as unhas o seu coração do peito e lançava na minha cara – com sangue e tudo. Menti tanto e de maneira tão graciosa, que de fato, merecia os vinte mil. Me senti plenamente vingado com minhas mentiras. Mas eram mentiras e eu sabia que eram. E, imagine só, teve vinho importado e publicação de luxo. Entrevistas em revistas literárias (que engolem qualquer lorota):_ Produziu uma verdadeira obra de arte, Adriano. “Sim, tenho consciência disso. Produzi. Em nome de todos aqueles que não se entregaram para todas mazelas políticas do nosso tempo”. Mostrei os dentes para o mundo feito um tigre e um lobo. Só que me senti um mico. Um pouco menos do que os cagados que vejo por aí copiando outros escritores – e há tantos!
Pelo menos no inferno tem vinho bom também.

***
         Em trinta anos, no fundo, fui apenas eu que me abandonei para morrer. Correndo a favor do tempo – não contra. Novamente dando curso de literatura e remando na maré das contas. Cheguei atrasado e entre tantos lá estava Alana, anotando o que dizia, no seu caderninho.
         Falei qualquer bosta e levaram a sério. Escrever tem a ver com o que se sente, com o que se vive, com o que lhe mata – principalmente com o que lhe mata, pode anotar!. O resto é não literatura. O que não é perigoso não vale a pena ser escrito. Você acha que eu conto isso por aí? Acertou, não conto.
         Daí que dei a aula por encerrada depois de horas de embromação. E Alana veio com seus peitões – dessa vez tímidos – perguntar qualquer coisa.
         “Você me deu o inferno para calcular lajota por lajota e eu fiz isso porque merecia conhecer cada detalhe de minha danação; fiz isso e mudei, meu amor, mudei, até meu sangue mudou de cor e espessura. Nunca mais serei o mesmo por ter sido deixado para morrer pela terceira vez! Tudo aqui é ressentimento e beber o sangue que escorreu da língua, gargarejar e fazer bochecho com o próprio veneno” – Foi o que não disse. O que disse? Você quer saber?
_Vamos lá para casa, hoje? – perguntei.
_Sim, vamos. Mas não posso ficar até tarde! – sorriu.
É sempre tarde.
É sempre tarde.




r.A. 


*Outros trabalhos do Artista Emerson Ferreira da Silva, que ilustra este conto, podem sem encontrados em :

http://billyilustrar.blogspot.com.br/

Um comentário:

Ivandro disse...

Very good!

you changed the spelling, used more humor