"Você jamais vai amar alguém na vida!" - M.M.
Geralmente escrevo sobre escritores
mortos. Não sei muito bem o motivo, mas me parece que os mortos decepcionam
menos. Portanto em uma madrugada perguntei: E dos vivos? Tem alguém que se
salva? – E me veio o nome de Marcelo Mirisola com sua obra: O Azul do Filho
Morto (2002). Não que esse cara vá se salvar, mas a obra dele vai!
Mirisola está lançando Hosana na
Sarjeta (2014) pela editora 34. A obra chegou a minhas mãos ontem. Minha
impressão: Se Mirisola fosse um boxeador e seus socos tivessem a precisão e
peso de sua prosa, Mike Tyson –no seu auge-, (se comparado com Mirisola), poderia
lembrar uma boneca Barbie.
Se você gosta de “frescuras &
floreios” quando se trata de literatura, eu não me espantaria nem um pouco de
você não conhecer a escrita de Mirisola. Agora se você se diz conhecedor dos “velhos
cães que brigavam tão bem” e não conhece esse nome, muito provavelmente na
questão literatura brasileira atual, está te faltando Hosana na Sarjeta entre
seus livros.
Marcelo é o tipo de escritor que pisa no
próprio pescoço já na saída. Não é dos que ficam rebolando no alto jogando purpurinas
pra baixo. E no chão sua escrita fica mais perigosa. Com um pé no próprio
pescoço, a outra perna livre lhe aplica rasteiras para que você – leitor –
aprecie a existência por outro ângulo. Ele não te convida para novas
perspectivas – ele te derruba!
Em um cenário de literatura nacional
onde escritores (as) fazem coraçõezinhos e apodrecem seus dentes com tanto açúcar,
a obra Hosana na Sarjeta é como um dos amados touros de Hemingway correndo em
direção contrária. Até o espírito da dona Zíbia G. se vê com um chifre
atravessado na bunda. Daí que poucos tocam no seu nome – quem quer um touro
desmascarando a festinha de gente que só publica, mas não se dá ao luxo de
escrever?
***
Hosana na Sarjeta, como o termo pede,
já começa professando uma ‘crença’ no seu prólogo: “Houve uma época, antes da
internet, que eu acreditava 50% em encontros e 100% em desencontros.
Acreditava, inclusive, que encontros somente teriam possibilidade de acontecer
em função de desencontros. A vida era óbvia, o universo não levava porcentagens
em consideração e conspirava por qualquer coisa [...]”. É nessa grande
decomposição que Mirisola em sua autoficção quebra às vertebras do encontro e
espia o desencontro. Se você está acostumado com os cafonas encontros de amor
da literatura comum (com-um), já é atirado no chão pela obviedade desiludida do
desencontro.
Invés de ficar adiantando a obra com
citações e comentários, deixe-me apresentar mais dois pontos que na minha
compreensão superam muito bem a necessidade de um enredo, mas asseguram
qualquer coisa de coerência. Mas essa “coerência” logo logo se decompõe na
narrativa desse escritor que não tem nada de óbvio.
Quem seria capaz de olhar para um céu
tão feio como o céu de São Paulo? Essa obra, em seus cenários bem pontuados,
bloqueia esse dirigir os olhos para o céu com esperança (se ele não aprendeu
isso com Cioran, deve ter inventado). Essa feiura faz Hosana despencar do céu
para a Sarjeta. E aí tem uma mulher, “sem mulher, não há movimento” – escreve
Mirisola. Se o céu de São Paulo é um limite poluído, no chão a gente improvisa
beijos: “O beijo nos explicava. O beijo apagava o entorno. Essa era a única
certeza que tínhamos, nosso beijo. Depois Ariela subia no táxi e ia embora”.
Alguma certeza no desencontro. Mas nas forças que Mirisola desvela, até a menor
certeza, se estraga.
Um dia, imagino, alguém vai tentar
apreender a força transbordante que Mirisola exerce na sua escrita – lembra que
eu disse que ele seria bom de boxe? -, e nesse dia acho que entenderão que a
questão não é a técnica de não usar um roteiro, mas a técnica do roteiro não
suportar suas ininterruptas bofetadas! – o cara bate com as duas mãos enquanto
escreve, como se suas mãos fossem patas de cavalo.
A
autoficção de Mirisola é arrastada de um lado para outro por duas mulheres. O pior
é que elas não o puxam – cada uma em uma ponta -, é o personagem M.M. que se
arrebenta pulando de um lado para outro. (Sobre isso, leia o livro, não cabe a
mim explicar esse parágrafo).
E o terceiro ponto que prometi acima
passa perto de um encontro. Tão perto que arranca uma faísca nessa fricção! (Eu
chamaria essa obra, Hosana na Sarjeta, de “fricção”, não de ficção!). Uma
metáfora num pesque e pague ao som de Chitãozinho & Chororó: “Homens e
peixes cumpriam seus destinos & enroscos: mais cedo ou mais tarde seriam
engolidos uns pelos outros. A vida fisgada pela morte. Resumidamente, esse é o
enredo das histórias de amor”.
Agora eu estou no epílogo desta obra. E
ali salta aos olhos um termo que deve ter sido demasiadamente caro ao escritor.
“Enrosco”. Se o desencontro, nessas questões de Amor, revela que o universo “conspira
qualquer coisa” e a “graça” de Hosana despenca na Sarjeta, nada –na vida e na
morte- nos poupa do Enrosco. O Amor é o Enrosco violento e avassalador da nossa
vidinha de Desencontros? Eis uma pergunta que você só será capaz de sentir o
peso se deixar Marcelo Mirisola te dar uma rasteira diante do seu livro.
Confesso que Hosana na Sarjeta me nocauteou com sua história – Desde Bukowski,
isso não me ocorria!
_Quem
diria! Finalmente encontrei um escritor vivo!
***
Marcelo Mirisola – eu nunca escrevi
tantas vezes o nome de um cara em um único texto – tem 47 anos e é um paulista
radicado na ponte-rodoviária Bexiga- Rio de Janeiro há dez anos. Escreve e dá
patadas no blog Yahoo! (Se você duvida, vá lá conferir).
Já escreveu mais de uma dúzia de livros
e apesar das patadas nunca relinchou para se comunicar com seus semelhantes. Como
já disse no início desse texto, não acredito que ele vá se salvar, mas a obra
dele vai.
Aparentemente
não gosta de piadas que envolvam Machado de Assis – eu tentei uma e ele quase
me chamou para fora de um bar para trocar uns socos!
Já viveu em Santa Catarina e esse é seu único
ponto fraco – o meu também. Não fuma e bebe vinho chileno moderadamente no
gargalo.
Dizem por aí que ele já fez coisas bem
piores, mas essa história vai ficar para outro texto.
_Ça
suffit!
r.A.
Livros
já publicados:
1998
– Fátima fez os pés para mostrar na choperia
2000-
O herói devolvido
2002
– O azul do filho morto
2003-
Bangalô
2003-
O banquete
2005-
Joana a contragosto
2005
– Notas da arrebentação
2007-
O homem da quitinete de marfim
2008
– Proibidão
2008
– Animais em extinção
2009
– Memórias da sauna Finlandesa
2011
– Charque
2012
– O cristo empalado
2014
– Hosana na Sarjeta
Um comentário:
Se já estava curiosa para ler pelos comentários que o próprio Marcelo vinha postando em suas páginas - imagine agora! Tenho aprendido a gostar imensamente desse autor vivo. Estou aguardando o meu exemplar chegar! Vida longa ao enrosco! Abraços
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