sábado, 4 de outubro de 2014

HOSANA NA SARJETA - Marcelo Mirisola


"Você jamais vai amar alguém na vida!" - M.M.


         Geralmente escrevo sobre escritores mortos. Não sei muito bem o motivo, mas me parece que os mortos decepcionam menos. Portanto em uma madrugada perguntei: E dos vivos? Tem alguém que se salva? – E me veio o nome de Marcelo Mirisola com sua obra: O Azul do Filho Morto (2002). Não que esse cara vá se salvar, mas a obra dele vai!
         Mirisola está lançando Hosana na Sarjeta (2014) pela editora 34. A obra chegou a minhas mãos ontem. Minha impressão: Se Mirisola fosse um boxeador e seus socos tivessem a precisão e peso de sua prosa, Mike Tyson –no seu auge-, (se comparado com Mirisola), poderia lembrar uma boneca Barbie.
         Se você gosta de “frescuras & floreios” quando se trata de literatura, eu não me espantaria nem um pouco de você não conhecer a escrita de Mirisola. Agora se você se diz conhecedor dos “velhos cães que brigavam tão bem” e não conhece esse nome, muito provavelmente na questão literatura brasileira atual, está te faltando Hosana na Sarjeta entre seus livros.
         Marcelo é o tipo de escritor que pisa no próprio pescoço já na saída. Não é dos que ficam rebolando no alto jogando purpurinas pra baixo. E no chão sua escrita fica mais perigosa. Com um pé no próprio pescoço, a outra perna livre lhe aplica rasteiras para que você – leitor – aprecie a existência por outro ângulo. Ele não te convida para novas perspectivas – ele te derruba!
         Em um cenário de literatura nacional onde escritores (as) fazem coraçõezinhos e apodrecem seus dentes com tanto açúcar, a obra Hosana na Sarjeta é como um dos amados touros de Hemingway correndo em direção contrária. Até o espírito da dona Zíbia G. se vê com um chifre atravessado na bunda. Daí que poucos tocam no seu nome – quem quer um touro desmascarando a festinha de gente que só publica, mas não se dá ao luxo de escrever?

***
         Hosana na Sarjeta, como o termo pede, já começa professando uma ‘crença’ no seu prólogo: “Houve uma época, antes da internet, que eu acreditava 50% em encontros e 100% em desencontros. Acreditava, inclusive, que encontros somente teriam possibilidade de acontecer em função de desencontros. A vida era óbvia, o universo não levava porcentagens em consideração e conspirava por qualquer coisa [...]”. É nessa grande decomposição que Mirisola em sua autoficção quebra às vertebras do encontro e espia o desencontro. Se você está acostumado com os cafonas encontros de amor da literatura comum (com-um), já é atirado no chão pela obviedade desiludida do desencontro.
         Invés de ficar adiantando a obra com citações e comentários, deixe-me apresentar mais dois pontos que na minha compreensão superam muito bem a necessidade de um enredo, mas asseguram qualquer coisa de coerência. Mas essa “coerência” logo logo se decompõe na narrativa desse escritor que não tem nada de óbvio.
         Quem seria capaz de olhar para um céu tão feio como o céu de São Paulo? Essa obra, em seus cenários bem pontuados, bloqueia esse dirigir os olhos para o céu com esperança (se ele não aprendeu isso com Cioran, deve ter inventado). Essa feiura faz Hosana despencar do céu para a Sarjeta. E aí tem uma mulher, “sem mulher, não há movimento” – escreve Mirisola. Se o céu de São Paulo é um limite poluído, no chão a gente improvisa beijos: “O beijo nos explicava. O beijo apagava o entorno. Essa era a única certeza que tínhamos, nosso beijo. Depois Ariela subia no táxi e ia embora”. Alguma certeza no desencontro. Mas nas forças que Mirisola desvela, até a menor certeza, se estraga.   
         Um dia, imagino, alguém vai tentar apreender a força transbordante que Mirisola exerce na sua escrita – lembra que eu disse que ele seria bom de boxe? -, e nesse dia acho que entenderão que a questão não é a técnica de não usar um roteiro, mas a técnica do roteiro não suportar suas ininterruptas bofetadas! – o cara bate com as duas mãos enquanto escreve, como se suas mãos fossem patas de cavalo.
          A autoficção de Mirisola é arrastada de um lado para outro por duas mulheres. O pior é que elas não o puxam – cada uma em uma ponta -, é o personagem M.M. que se arrebenta pulando de um lado para outro. (Sobre isso, leia o livro, não cabe a mim explicar esse parágrafo).
         E o terceiro ponto que prometi acima passa perto de um encontro. Tão perto que arranca uma faísca nessa fricção! (Eu chamaria essa obra, Hosana na Sarjeta, de “fricção”, não de ficção!). Uma metáfora num pesque e pague ao som de Chitãozinho & Chororó: “Homens e peixes cumpriam seus destinos & enroscos: mais cedo ou mais tarde seriam engolidos uns pelos outros. A vida fisgada pela morte. Resumidamente, esse é o enredo das histórias de amor”.
Agora eu estou no epílogo desta obra. E ali salta aos olhos um termo que deve ter sido demasiadamente caro ao escritor. “Enrosco”. Se o desencontro, nessas questões de Amor, revela que o universo “conspira qualquer coisa” e a “graça” de Hosana despenca na Sarjeta, nada –na vida e na morte- nos poupa do Enrosco. O Amor é o Enrosco violento e avassalador da nossa vidinha de Desencontros? Eis uma pergunta que você só será capaz de sentir o peso se deixar Marcelo Mirisola te dar uma rasteira diante do seu livro. Confesso que Hosana na Sarjeta me nocauteou com sua história – Desde Bukowski, isso não me ocorria!
_Quem diria! Finalmente encontrei um escritor vivo!

***
         Marcelo Mirisola – eu nunca escrevi tantas vezes o nome de um cara em um único texto – tem 47 anos e é um paulista radicado na ponte-rodoviária Bexiga- Rio de Janeiro há dez anos. Escreve e dá patadas no blog Yahoo! (Se você duvida, vá lá conferir).
Já escreveu mais de uma dúzia de livros e apesar das patadas nunca relinchou para se comunicar com seus semelhantes. Como já disse no início desse texto, não acredito que ele vá se salvar, mas a obra dele vai.
 Aparentemente não gosta de piadas que envolvam Machado de Assis – eu tentei uma e ele quase me chamou para fora de um bar para trocar uns socos!
 Já viveu em Santa Catarina e esse é seu único ponto fraco – o meu também. Não fuma e bebe vinho chileno moderadamente no gargalo.
         Dizem por aí que ele já fez coisas bem piores, mas essa história vai ficar para outro texto.
_Ça suffit!


r.A.
        
Livros já publicados:

1998 – Fátima fez os pés para mostrar na choperia
2000- O herói devolvido
2002 – O azul do filho morto
2003- Bangalô
2003- O banquete
2005- Joana a contragosto
2005 – Notas da arrebentação
2007- O homem da quitinete de marfim
2008 – Proibidão
2008 – Animais em extinção
2009 – Memórias da sauna Finlandesa
2011 – Charque
2012 – O cristo empalado
2014 – Hosana na Sarjeta

Um comentário:

Elaine P Bombicini disse...

Se já estava curiosa para ler pelos comentários que o próprio Marcelo vinha postando em suas páginas - imagine agora! Tenho aprendido a gostar imensamente desse autor vivo. Estou aguardando o meu exemplar chegar! Vida longa ao enrosco! Abraços