(Ao som de Men At Work - Down Under. Porque sim)
_Adriano,
você é um imbecil!
Foi assim que nos conhecemos melhor. Se
não fosse o nojo recíproco naquele momento, poderia ter sido amor à primeira
vista. Era uma tarde horrível como essa e cruzei minha enorme carcaça negra e
mal humorada com Janete e seus amigos no estacionamento da universidade.
“Maconheiros de merda” – sussurrei para o grupo. Foi aí que Janete me chamou
pelo nome. Fiquei tão ofendido que quase escorreu uma lágrima no canto de meu
olho esquerdo – vai nessa, ra ra ra!
_Puta
cara conservador esse aí, né Janete? – alguém falou nas minhas costas. Alguém
com uma barbinha suja.
***
Queria mesmo conservar alguma coisa
além do hábito de beber toda noite. Passava dias sem comer, mas continuava barrigudo
e inchado. Qualquer coisa de destino – foi assim que Deus quis!
Entrei na sala para assistir uma aula
de psicologia clínica. Sentei nos fundos para ter uma visão estratégica. Turma
cheia. Havia apenas mais dois caras. Todos fazendo pose – e se encarando com o
canto do olho. Nada mais óbvio do que nossos motivos.
No intervalo três garotas se
aproximaram. Clarice, Janaina e não entendi o nome da outra. Sorriam.
_Começou
hoje? – falou Janaina, mexendo nos cabelos loiros.
_Apenas
ouvinte. – resmunguei.
_A
gente veio te convidar para uma festa do centro acadêmico... – disse a que eu
não lembro o nome. Tinha os cabelos curtos, magra e alta.
_Olha,
é possível que eu vá. Mas não prometo.
_Ah,
deixa disso. É bom para você conhecer o pessoal. – Janaina novamente, ainda
mexendo nos cabelos.
_Não
prometo. – devolvi.
Me passou o endereço. Era na casa de
alguém. Entrei na sala, peguei minhas coisas e caí fora. A professora parece
que não gostou muito. Particularmente eu gostei de tudo, isso é que importa.
***
Cheguei na festa. Um enorme casarão de
dois andares. No portão de entrada, dois caras meio sofrendo de anemia aguda.
Um de óculos, barba suja – as gatas se amarram; dizem por aí. E outro com uma
camiseta branca com uma estampa do Bob Marley. “Dei um tiro no xerife”. Achei
engraçado.
_E
aí, beleza? – o do Bob Marley apertou minha mão. O da barbinha suja virou a
cara.
_Tem
que pagar?
_Sim
cara. Estamos arrecadando fundos para um jornalzinho subversivo que escrevemos.
_Abaixo
o capitalismo, menos opressão, essas coisas... – resmunguei.
_É
esse o espírito brother!- deu um tapinha no meu ombro.
Paguei os 20 e entrei no casarão. Quase
cinquenta metros do portão até a casa. Uma piscina embaixo de uma sacada. Só faltou um mordomo para me receber na
porta. E eu com uma calça jeans rasgada nos joelhos. Olhei para o desfile de
moda do pessoal correndo pela casa e me senti um cara que veio dos anos 90. Vai
ver eu fiquei velho, pensei.
***
Encontrei Janaina – dentro de um
vestidinho preto e em cima de uns saltos. Não estava mais tão simpática,
provavelmente eram minhas calças. Não combinavam com o visual da festa
revolucionária. Contei uma piada sem vergonha e ela finalmente riu.
_O
que ele está fazendo aqui? – alguém gritou.
_Colaborando
com a causa! – respondi antes de me virar.
Dei de cara com Janete. Também de
vestido e de salto. Mudar de roupa fez bem para ela. Até o brinco no nariz
ficou mais charmoso (brinco no nariz, para quem veio dos anos 90, se chama
piercing). Janaina sorriu e arrumou uma desculpa para se afastar.
_A
casa é minha! – falou Janete, raivosa.
_Parabéns,
é uma bela casa. – devolvi.
_Fica
mais bonita se você estiver do lado de fora! – fechou os punhos para mim.
_É,
olhando de fora parece mais bonita. – sorri.
_Eu
não gosto de você Adriano! Suas piadinhas me irritam!
_Isso
é uma pena. Porque eu estava passando aqui na frente da sua casa e pensei em
entrar e pedir sua mão em casamento para seus pais.
Nem
ela conseguiu se segurar e riu. E ficou com raiva porque riu.
_Se
começar com seu showzinho de debochar das pessoas, vou te arrebentar essa cara
de peixe-boi. – ameaçou tentando conter o riso.
_É
por isso que você está com trinta anos e solteira! Ameaçar seus pretendentes
não apimenta a relação.
_Não
tenho trinta anos e não temos nenhum tipo de relação! – apontou o dedo para
mim.
_O
futuro é imprevisível! – falei perto do seu ouvido.
_Você
é muito descarado. – deu ênfase no “muito”.
_É
uma questão de saber interpretar. – comentei olhando nos seus olhos.
_Cala
a boca! – disse sacudindo a cabeça e me deu as costas. Saiu pisando forte no
chão.
***
Procurei Janaina. Não que tenha
procurado muito, mas achei. Outro cara achou primeiro – infelizmente para mim.
Estavam se beijando perto da escada que dava para o segundo andar da casa.
Reconheci o cara pela camiseta. Esse negócio de andar por aí fazendo apologia a
atirar nos xerifes funciona com as mulheres. “Isso aí deve ser muito rebelde” –
desconfio que elas comentam umas com as outras. Sei lá.
É a idade. Mais cinco anos e todo mundo
vai me chamar de tio. Por hora olham para mim e pensam: Tá quase um tio, ein?
Se sua mãe tem uma irmã – cuidado comigo!
Tomei mais dez cervejas para garantir a
consumação da grana que dei para os “camaradas”. Alguém do bendito jornalzinho
me reconheceu e pediu se eu não poderia colaborar com um texto.
_Posso
falar mal do Bob Marley?
Uma
baixinha, morena, com os seios saltando de um decote sorriu para mim e
resmungou.
_É
claro que não pode! Manda um daqueles seus contos das fantásticas aventuras de
um cara sem propósito. A galera adora ler essas coisas. Todo mundo acha
engraçado.
_Então
não vou enviar bosta nenhuma! – disse seco. Esse tipo de resposta é possível
comigo quando a bebida já começou a agir.
_Tanto
faz, você não é um escritor famoso mesmo!- comentou a baixinha.
_Isso
que você disse é coisa de gente ressentida! – acusei.
_Você
que é ressentido. – devolveu, bufou e deu no pé.
Quase escorreu a lágrima novamente. Mas
não foi dessa vez. A única reação foi uma coceira na ponta do pé. O pé doidinho
para acertar o meio da bunda da baixinha peituda. Se ela estiver lendo isso,
espero que saiba que já rezei para que Deus murchasse pelo menos uma de suas
tetas. Se a fé move montanhas, não deve ser difícil murchar qualquer coisa.
Amém.
***
Acordei com dor de cabeça. Não lembrava
como e quando cheguei no meu apartamento. Podia ser pior – porque já foi pior.
Mais sozinho que um sapo seco na beira do asfalto. E menos vivo.
Mais uma coisa. Outro dia encontrei
Janete no refeitório da universidade. Deu uma de humana e pediu desculpas pela
discussão na sua casa. Para falar a verdade eu nem recordava.
_Nem
sei como acabou aquilo tudo. – confessei.
_Tá
falando sério? – disse indignada, gesticulando com as mãos.
_Sim.-
respondi convicto.- Às vezes eu falo a verdade também.
_Bem,
você pegou um cara pelo fundo das calças e atirou ele da sacada dentro da
piscina da minha casa e resmungou “ninguém atira no xerife nessa festa”. Eu sabia
que você daria um jeito de estragar tudo desde que te vi. – pelo menos ela
sorria enquanto falava. – aí eu pedi para você ir embora se não eu iria chamar
a polícia.
_Muito
justo – murmurei um pouco envergonhado – e depois?
_Você
não lembra mesmo? – disse ela, tocando meu braço.
_Não.
– respondi olhando nos seus olhos. – Não lembro! – repeti.
_A
gente se beijou, seu idiota!
_Isso
é impossível. – sorri.
_Também
achei. Sorte sua não lembrar. – bufou.
_Outro
dia a gente tenta de novo. – falei enquanto ela se afastava.
_JAMAIS!
– urrou sem se virar.
Fiquei
rindo. Não podia acreditar. E nem vou.
r.A.
ps. Acho que é importante eu avisar que esse conto é uma ficção. Ou quase.
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