......Tem
gente que acha que sou um professor! E não se enganam se estamos falando de uma
profissão. Mas “professor” é algo que quem me vê em sala de aula terá que
repensar bastante! – mil vezes, talvez. Pois é. O primeiro ponto de minha
pedagogia maligna consiste no fato de que não tenho interesse em ensinar
EXPLICANDO! Como? É isso aí, não entro na sala de aula para explicar. Não na
minha “disciplina”- Filosofia. Daí é que começa toda a confusão didática – e cá
entre nós, didática eficaz para mim é a didática com a qual o aluno aprende, só
isso (vou retomar esse assunto parágrafos abaixo...). Mas como que o aluno vai
aprender se o professor não explica? Tai uma pergunta idiota!- pelo menos se
tratando de filosofia. Vejamos: Existe um vício de se pensar a educação em
moldes fixos. Uma relação (ou jogo) de poder no campo do conhecimento. Essa relação se estabelece na formula lógica
“professor explica conteúdo – que já sabe -, aluno assimila do jeito que
consegue – o conteúdo que o professor já sabe- e depois o professor cobra do aluno
exatamente aquilo que explicou – do que já sabia”. Aí, teremos algo que não
EMANCIPA INTELECTUALMENTE, mas coloca o aluno em uma condição perpétua de
DEPENDÊNCIA de alguém que “professa”, alguém que – na etimologia da palavra
“professare” – discursa. (se quiser saber mais profundamente sobre o que acabo
de escrever leia a obra “O mestre ignorante” do filósofo Jacques Rancière).
......Mas
e aí, qual é o método? Nenhum e por isso todos! O método sempre – no meu caso –
se desenvolve partindo da relação que conseguimos construir (alunos e eu,
sociedade, cultura, espaço físico e intuitivo). Não! Não parto da dita
“realidade do aluno”, isso é brincadeira! Também não emancipa e, aliás, engana.
Porque partir da realidade do aluno sempre é uma escada para chegar a algum
ponto fixo. Aí isso se revela uma patifaria (tal qual Nietzsche acusava
Sócrates de fazer: na visão do Nietzsche, não do Sócrates platônico, ok?)- ou
adestramento. E minha pedagogia é maligna, e não patife! Há quem diga que se
ensina filosofia partindo da história da filosofia, dos autores clássicos- para
ser mais preciso. Mas! Conheço gente que conhece a história da filosofia de
cabo a rabo e nunca filosofou! – isso é minimamente triste. Também não é (sempre)
por aí! Também há os que digam que ensinar filosofia é ensinar a construir
argumentos, raciocínios, evitando contradições e tudo mais. Mas cá entre nós,
quem é que precisa de filosofia para construir argumentos, raciocínios e evitar
contradições? Isso é um meio e não um fim para a filosofia, faz parte, mas
assim como não precisamos (sempre) da filosofia para esse “exercício de
linguagem” também não chegaremos a filosofar unicamente se fiando nesse
exercício!- mas se você quiser enrolar, vai nessa, dá para ficar dez anos falando
sobre isso! (Existem doutores acadêmicos que já comemoraram bodas de ouro
casados com essa questão) e isso não é inútil dado que basta você olhar pela
janela do seu quarto para descobrir que falta bastante disso neste mundo, mas
este não é o caso... agora. Ainda acho que é bem mais simples – e isso não
significa que é mais fácil! Veja só. Também há os que dizem por aí – e estes
são os mais tristes de lidar – que a filosofia foi criada para suscitar
questões e se ela não suscitar questões não possuí serventia para uma ‘tal’ sociedade!
Este é o equivoco mais grosseiro que já ouvi – e li – por aí... suscitar
questões nunca fez de ninguém um filósofo! Meu pai suscita questões e nem por
isso é um filósofo! Acredite, há pouco meu computador travou e suscitei
questões sobre isso, mas ninguém apareceu para me dar um diploma por isso...e
nem me senti mais filósofo por isso. Mas se você quiser enrolar, vai nessa!
......Existe,
é claro, um jeito que os gregos criaram para se implicar com as coisas. E isso
nasce de algum tipo de afetar-se com qualquer coisa – de amar o saber “parido”
neste afeto. Filosofia é um jeito de se implicar com as “coisas” e não uma
fórmula ou um método (aliás, são infinitos métodos, enquanto existirem
filósofos, existirá uma criação de métodos para se responder sobre suas
implicações). Muitas vezes os filósofos precisaram arrebentar com o método
tradicional da filosofia para responder suas implicações, veja Descartes por
exemplo – que as ciências humanas adooooooram descer a lenha-, no meio disso
deu condições para se pensar a subjetividade e usar a si mesmo como critério de
verdade (as ciências humanas devem muito de seus respectivos empregos ao
espadachim francês e nem se tocam disso...), portanto quando você escrever
“EU”, ofereça um brinde ao espadachim, tá? Não seja mal educado e sem senso
histórico! Ideias no plano da ciência certamente podem cair em desuso, mas
conceitos – meu amigo – sempre serão atuais, desde que você queira.
......Mas
não vamos nos perder! Retomemos. Se eu entro na sala desinteressado em explicar,
não falarei especificamente da história da filosofia e nem julgo necessário
ensinar alguém a “pensar coerentemente”, que diabos faço e como podem me chamar
de professor de filosofia? Como disse antes, cada filósofo cria seu método para
chegar nos seus conceitos (também o oposto, cria o conceito e depois “desenha”
o método), mas embruteceria meus alunos se os forçasse a adotar meu método e
meus conceitos. Como saio dessa enrascada? Simples – novamente, não é o mesmo
que fácil. Basta você estar numa sala com algumas pessoas para perceber que
haverá “transferências”- bem no sentido psicanalítico do termo. O Sócrates
platônico sabia disso bem antes dos psicólogos – e por isso é considerado o pai
da psicologia por alguns... Se não houver transferência – alguém se projetar em
você- daí temos a ajuda da “provocação”. É preciso ser um pouco maligno
(hehehe), sempre partindo do que os alunos jogam em você- e onde você está
“sendo”, certamente. Se alguém me pergunta:_ o que é a filosofia? Prontamente
posso jogar de volta:_ quer mesmo saber ou está perguntando para termos
assunto? Daí a aula começa e nem sempre todos percebem – é uma ação que não sei
no que vai dar, posso aprender algo com isso ou a turma pode aprender algo que
me escapa. Mas a questão fundamental é “o que você quer saber, não poderia
saber por conta própria?”, ou melhor, pode ser que não seja nem uma questão,
filosofia não é só questões, são – na maioria das vezes- respostas (para cada
questão que um filósofo fez na dita tradição filosófica, ele deu muito mais
respostas do que questões! Então não caia no erro do “achismo” de pensar que
filosofia é um tipo de ciência das questões!). A diferença básica é que nunca
entro em uma sala de aula com “plano” prescrito. Como bom filósofo que julgo
ser – e por isso, talvez, péssimo professor- permito que a “coisa” aconteça.
Sempre há quem acredite que não quer saber nada e por isso não se filosofa o
tempo todo, mas e por que uma simples bolinha de papel não pode se converter em
uma conversa sobre ética, moral, política, estética, e etc? E um gesto? Deleuze
nunca negou que seu corpo era a forma de apresentar um conceito – brincava com
as longas unhas, falava sobre seu timbre de voz no “abcdário”! Você não
encontra um filósofo sem tocar minimante na filosofia – talvez um “professor”
de “história da filosofia”, “pensamento coerente” ou “suscitador de questões”,
você encontre sem esbarrar na filosofia, mas não um filósofo autêntico.
Didática, ainda falando em termos deleuzianos, também é quando alguém desperta
para capturar uma fala sua, um comentário durante a chamada ou um simples olhar
suspirando pela janela. Também o contrário, alguém que coloca os fones no
ouvido e vira a cabeça para o lado compartilha uma experiência “que pode se
tornar” filosófica não só com o professor, mas com a turma toda! Isto não é um
exagero, em dados contextos, até a indiferença é mais filosófica do que
“ensinar argumentar coerentemente”. Se engana redondamente quem não prestou
atenção no fato de Sócrates não escrever, ou Diógenes – o cínico. Ensinavam com
ações! Com comportamentos! Com isso também aprendiam, não só ensinavam... e
quem estava em torno destas ações também “acordava em tempo de capturar algo”.
Até não querer saber é uma atitude filosófica!
......
Mas vamos falar sobre “som”: Existem músicos que idolatram John Cage pela sua
obra em que “assina o silêncio” como música, mas muitos desses músicos não
sabem que Heidegger, muitos anos antes de John Cage pensava uma filosofia do
ouvido – uma filosofia não escrita, mas ouvida (inclusive) no silêncio. Quer
dizer, o filósofo Heidegger já converteu o silêncio em filosofia bem antes da
música converter o silêncio em arte! (confessem, essa vocês não sabiam – risos).
Dá para se ter uma experiência filosófica em um momento de silêncio! E por que
não? É o tipo de experiência mais intensa – para mim, pelo menos. O silêncio
diz tudo de um momento (uma verdade, se quisermos...), já um grito é uma
consequência ou um sintoma. Uma reação! Os alunos gritam em sala de aula por
reação, tem algo de desespero nos seus gritos... creio que um bom professor
sabe interpretar isso – ao invés de odiá-los por isso. (professor que odeia
aluno e aluno que odeia professor para mim é uma contradição – ambos deveriam
ir fazer outra coisa se este é o caso!- insistir nisso é martirizar ou
masoquismo).
......Já
dei aulas onde tirei os alunos da sala e conduzi-os até um gramado. Eles
questionaram:_e agora professor? O que vamos fazer? Retruquei:_o que vocês
quiserem! Porque não gastar um tempo caminhando por aqui, sentindo o vento,
ouvindo os passarinhos e conversando? Curiosamente eles falaram sobre temas da
filosofia e não os induzi a fazer isso. Sentiram-se a vontade pelo simples
gesto de tirar-lhes da sala de aula em uma manhã quente. Alguns, é claro,
torceram a sobrancelha pensando:_esse professor quer é matar aula! Mas para
mim, uma aula no modelo –digamos- “politicamente correto” ou “clássico” já está
morta na monotonia e tédio! Não podemos deixar de cogitar a hipótese de que um
dado “discurso” escolar matou o conhecimento e transformo-o em sonolência e
falação pedante. E é por isso que um gesto – sair da sala
“desinteressadamente”- pode demonstrar que esses modelos viciados de educação
podem e devem ser superados. Plagiando Deleuze – ele novamente – “saímos da
aula pela aula” assim como se sai da filosofia pela filosofia!
......Ainda,
dia desses, enchi o quadro com um texto. Alguns alunos começaram a protestar
dizendo “mas é só texto, é só cópia”, ao que pensei: está dada a aula! Não pelo
conteúdo do texto, mas pela situação e os protestos! Ainda provoquei no termino
da aula:_ será que vamos ficar só nisso, só texto? Não me incomoda que a
transferência nesse momento seja de “raiva” em relação ao que eu estava “sendo”
– ou compondo-, o que importa é o que podemos retirar enquanto implicação deste
desconforto. NOTA: Não deixe passar esse trecho em branco, estou dizendo que
dou aulas de filosofia provocando filosoficamente! Provocar é uma coisa, “explicar”
corresponde a outro conceito! Ontem entrei em uma sala e percebi que nada de
produtivo poderia sair dali enquanto uma aula expositiva ou a elaboração de
alguma didática. Apenas me acomodei em um canto da sala e fiquei olhando para a
turma... no próprio olhar os alunos sentiam que aquilo não estava certo,
sentiam-se constrangidos, esperavam uma contra posição para disputar o lugar do
poder – ao que, não fiz nada! É isso aí,
aula dada.
......Ainda
ouvi meses atrás na mesma escola alguém comentar:_ professor, a sua atitude é
estranha! Não é de autoridade... E vi nisso um problema que obviamente será um
desafio filosófico por vir. Na maneira em que está disposta a instituição
escola, os alunos não distinguem “autoridade” de “autoritarismo” – algumas
vezes nem os alunos, nem os professores e menos ainda a direção. O simples fato
de ser um (ironizando agora) “reles humano” não constitui uma autoridade, não
se constitui alguém que mereça ser ouvido – mesmo que fale em um tom de voz
calmo e tranquilo. É preciso (o choque neural) gritar, mostrar os dentes,
ameaçar punir, para aí sim ser uma “autoridade”(será?). É preciso chantagear
com “notas” – o prêmio do macaco – para negociar! Um jogo, certamente perverso,
já que para haver negociação justa é preciso um equilíbrio de forças, e este
não é o caso na maneira como está posta. Estranhamente quando alguém me diz
“você não é um bom professor” e eu pergunto por que e recebo de volta “porque
você não grita com os alunos, não negocia usando as notas, e muitas vezes fica
em silêncio sem tomar uma atitude para repreender os alunos, NÃO ENSINA” –
estranhamente quando ouço isso – sinto uma grande satisfação. Sinto esta
satisfação porque começo a compreender que não colaboro com um sistema
“adestrador” de humanos, hierárquico, que obriga as pessoas agir por
recompensas futuras, e que em último lugar há a intenção de promover senso
crítico e conhecimento ético. Certamente os alunos são tão vítimas dessa peça
do sistema (escola) quanto os professores! Irritar-se com “pessoas” seria falta
de compreensão. E nem entrarei na questão do capitalismo moldando “tijolos para
o muro” valendo-se do império das imagens cobrindo a exploração econômica,
porque hoje é bem, mas bem mais grave do que isto – e quem ainda se fia em Guy
Debord está apenas na metade do
caminho... (sugiro a leitura de Cristoph Turcke). Não é tanto o “espetáculo”,
mas a captura pela “excitação” – outra maneira distinta de “controle” –
constante – só “aparece” o que “nocauteia” a excitação, pois provoca “curto
circuito” no sistema nervoso – que mantém todos anestesiados para tudo que está
realmente em jogo no contexto atual. Ou seja, não é a sociedade do espetáculo
que captura, mas a sociedade da “pane mental”.
......Nietzsche,
analisando profundamente os primeiros filósofos da tradição ocidental (A
filosofia na idade trágica dos gregos) apresenta-nos que o filósofo não
justifica sua filosofia, a filosofia existe na medida em que se filosofa. Se
por vezes escapa dos sujeitos inseridos em uma dada cultura o motivo da
filosofia não precisar se justificar é um problema da decadência cultural. Nas
palavras do jovem Nietzsche: “por que eu deveria fazer de conta que essa
cultura possui o direito de julgar minha filosofia?(...) Veja minha irmã, a
arte, vale para ela o mesmo que para mim”. Moral da história: Muitos não sabem
ainda o que é filosofia e a culpa não é dos “professores” que não ensinam, mas
da falta de implicação – e condições mínimas para estar à altura de uma
experiência muito distinta para com o conhecimento. Resumindo: falta amor. É,
meio bobinho assim, mas sem amor não há experiência filosófica (não conheço
ninguém que tenha casado suscitando questões, argumentando coerentemente ou
acumulando dados da história...). Você não estará equivocado - na minha concepção - se desconfiar que em partes foi a própria academia que ensinou os "graduados" que exibem diplomas por aí a produzir um conhecimento tão sem amor, tão "seco", sem estilo, mera "refluxo" de dados e citações!- mera coleta de dados... falta, hoje, uma nova relação com o conhecimento... e deixar a metodologia na gaveta, só um pouquinho.
......Por
fim, creio ter dito uma boa parte do que penso sobre o assunto. Agora se você
não me entendeu, fica traquilo, não é apenas um problema de linguagem – toda
linguagem é problemática -, se não entendeu é porque precisa aprender a me ler
(não vai ser da noite para o dia que você aprenderá isso).
r.A.
ps.
Um dia as pessoas vão entender que nunca precisaram de explicações e sim de
implicações?
Um comentário:
Mas isso é um abuso contra a moral e a ética pedagógica! Digo mais: Contra os bons costumes!
:D
kkkkkkkk
Já eu, levo os alunos para um passeio bem inspirante na sala do diretor. É um momento propício para refletir...
Esse é meu blog:
http://astraldeclio.blogspot.com.br
Tinha esquecido de deixar da ultima vez.
Tchau!
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