quinta-feira, 16 de agosto de 2012

...Da pedagogia maligna





......Tem gente que acha que sou um professor! E não se enganam se estamos falando de uma profissão. Mas “professor” é algo que quem me vê em sala de aula terá que repensar bastante! – mil vezes, talvez. Pois é. O primeiro ponto de minha pedagogia maligna consiste no fato de que não tenho interesse em ensinar EXPLICANDO! Como? É isso aí, não entro na sala de aula para explicar. Não na minha “disciplina”- Filosofia. Daí é que começa toda a confusão didática – e cá entre nós, didática eficaz para mim é a didática com a qual o aluno aprende, só isso (vou retomar esse assunto parágrafos abaixo...). Mas como que o aluno vai aprender se o professor não explica? Tai uma pergunta idiota!- pelo menos se tratando de filosofia. Vejamos: Existe um vício de se pensar a educação em moldes fixos. Uma relação (ou jogo) de poder no campo do conhecimento.  Essa relação se estabelece na formula lógica “professor explica conteúdo – que já sabe -, aluno assimila do jeito que consegue – o conteúdo que o professor já sabe- e depois o professor cobra do aluno exatamente aquilo que explicou – do que já sabia”. Aí, teremos algo que não EMANCIPA INTELECTUALMENTE, mas coloca o aluno em uma condição perpétua de DEPENDÊNCIA de alguém que “professa”, alguém que – na etimologia da palavra “professare” – discursa. (se quiser saber mais profundamente sobre o que acabo de escrever leia a obra “O mestre ignorante” do filósofo Jacques Rancière).

......Mas e aí, qual é o método? Nenhum e por isso todos! O método sempre – no meu caso – se desenvolve partindo da relação que conseguimos construir (alunos e eu, sociedade, cultura, espaço físico e intuitivo). Não! Não parto da dita “realidade do aluno”, isso é brincadeira! Também não emancipa e, aliás, engana. Porque partir da realidade do aluno sempre é uma escada para chegar a algum ponto fixo. Aí isso se revela uma patifaria (tal qual Nietzsche acusava Sócrates de fazer: na visão do Nietzsche, não do Sócrates platônico, ok?)- ou adestramento. E minha pedagogia é maligna, e não patife! Há quem diga que se ensina filosofia partindo da história da filosofia, dos autores clássicos- para ser mais preciso. Mas! Conheço gente que conhece a história da filosofia de cabo a rabo e nunca filosofou! – isso é minimamente triste. Também não é (sempre) por aí! Também há os que digam que ensinar filosofia é ensinar a construir argumentos, raciocínios, evitando contradições e tudo mais. Mas cá entre nós, quem é que precisa de filosofia para construir argumentos, raciocínios e evitar contradições? Isso é um meio e não um fim para a filosofia, faz parte, mas assim como não precisamos (sempre) da filosofia para esse “exercício de linguagem” também não chegaremos a filosofar unicamente se fiando nesse exercício!- mas se você quiser enrolar, vai nessa, dá para ficar dez anos falando sobre isso! (Existem doutores acadêmicos que já comemoraram bodas de ouro casados com essa questão) e isso não é inútil dado que basta você olhar pela janela do seu quarto para descobrir que falta bastante disso neste mundo, mas este não é o caso... agora. Ainda acho que é bem mais simples – e isso não significa que é mais fácil! Veja só. Também há os que dizem por aí – e estes são os mais tristes de lidar – que a filosofia foi criada para suscitar questões e se ela não suscitar questões não possuí serventia para uma ‘tal’ sociedade! Este é o equivoco mais grosseiro que já ouvi – e li – por aí... suscitar questões nunca fez de ninguém um filósofo! Meu pai suscita questões e nem por isso é um filósofo! Acredite, há pouco meu computador travou e suscitei questões sobre isso, mas ninguém apareceu para me dar um diploma por isso...e nem me senti mais filósofo por isso. Mas se você quiser enrolar, vai nessa!

......Existe, é claro, um jeito que os gregos criaram para se implicar com as coisas. E isso nasce de algum tipo de afetar-se com qualquer coisa – de amar o saber “parido” neste afeto. Filosofia é um jeito de se implicar com as “coisas” e não uma fórmula ou um método (aliás, são infinitos métodos, enquanto existirem filósofos, existirá uma criação de métodos para se responder sobre suas implicações). Muitas vezes os filósofos precisaram arrebentar com o método tradicional da filosofia para responder suas implicações, veja Descartes por exemplo – que as ciências humanas adooooooram descer a lenha-, no meio disso deu condições para se pensar a subjetividade e usar a si mesmo como critério de verdade (as ciências humanas devem muito de seus respectivos empregos ao espadachim francês e nem se tocam disso...), portanto quando você escrever “EU”, ofereça um brinde ao espadachim, tá? Não seja mal educado e sem senso histórico! Ideias no plano da ciência certamente podem cair em desuso, mas conceitos – meu amigo – sempre serão atuais, desde que você queira.

......Mas não vamos nos perder! Retomemos. Se eu entro na sala desinteressado em explicar, não falarei especificamente da história da filosofia e nem julgo necessário ensinar alguém a “pensar coerentemente”, que diabos faço e como podem me chamar de professor de filosofia? Como disse antes, cada filósofo cria seu método para chegar nos seus conceitos (também o oposto, cria o conceito e depois “desenha” o método), mas embruteceria meus alunos se os forçasse a adotar meu método e meus conceitos. Como saio dessa enrascada? Simples – novamente, não é o mesmo que fácil. Basta você estar numa sala com algumas pessoas para perceber que haverá “transferências”- bem no sentido psicanalítico do termo. O Sócrates platônico sabia disso bem antes dos psicólogos – e por isso é considerado o pai da psicologia por alguns... Se não houver transferência – alguém se projetar em você- daí temos a ajuda da “provocação”. É preciso ser um pouco maligno (hehehe), sempre partindo do que os alunos jogam em você- e onde você está “sendo”, certamente. Se alguém me pergunta:_ o que é a filosofia? Prontamente posso jogar de volta:_ quer mesmo saber ou está perguntando para termos assunto? Daí a aula começa e nem sempre todos percebem – é uma ação que não sei no que vai dar, posso aprender algo com isso ou a turma pode aprender algo que me escapa. Mas a questão fundamental é “o que você quer saber, não poderia saber por conta própria?”, ou melhor, pode ser que não seja nem uma questão, filosofia não é só questões, são – na maioria das vezes- respostas (para cada questão que um filósofo fez na dita tradição filosófica, ele deu muito mais respostas do que questões! Então não caia no erro do “achismo” de pensar que filosofia é um tipo de ciência das questões!). A diferença básica é que nunca entro em uma sala de aula com “plano” prescrito. Como bom filósofo que julgo ser – e por isso, talvez, péssimo professor- permito que a “coisa” aconteça. Sempre há quem acredite que não quer saber nada e por isso não se filosofa o tempo todo, mas e por que uma simples bolinha de papel não pode se converter em uma conversa sobre ética, moral, política, estética, e etc? E um gesto? Deleuze nunca negou que seu corpo era a forma de apresentar um conceito – brincava com as longas unhas, falava sobre seu timbre de voz no “abcdário”! Você não encontra um filósofo sem tocar minimante na filosofia – talvez um “professor” de “história da filosofia”, “pensamento coerente” ou “suscitador de questões”, você encontre sem esbarrar na filosofia, mas não um filósofo autêntico. Didática, ainda falando em termos deleuzianos, também é quando alguém desperta para capturar uma fala sua, um comentário durante a chamada ou um simples olhar suspirando pela janela. Também o contrário, alguém que coloca os fones no ouvido e vira a cabeça para o lado compartilha uma experiência “que pode se tornar” filosófica não só com o professor, mas com a turma toda! Isto não é um exagero, em dados contextos, até a indiferença é mais filosófica do que “ensinar argumentar coerentemente”. Se engana redondamente quem não prestou atenção no fato de Sócrates não escrever, ou Diógenes – o cínico. Ensinavam com ações! Com comportamentos! Com isso também aprendiam, não só ensinavam... e quem estava em torno destas ações também “acordava em tempo de capturar algo”. Até não querer saber é uma atitude filosófica!

...... Mas vamos falar sobre “som”: Existem músicos que idolatram John Cage pela sua obra em que “assina o silêncio” como música, mas muitos desses músicos não sabem que Heidegger, muitos anos antes de John Cage pensava uma filosofia do ouvido – uma filosofia não escrita, mas ouvida (inclusive) no silêncio. Quer dizer, o filósofo Heidegger já converteu o silêncio em filosofia bem antes da música converter o silêncio em arte! (confessem, essa vocês não sabiam – risos). Dá para se ter uma experiência filosófica em um momento de silêncio! E por que não? É o tipo de experiência mais intensa – para mim, pelo menos. O silêncio diz tudo de um momento (uma verdade, se quisermos...), já um grito é uma consequência ou um sintoma. Uma reação! Os alunos gritam em sala de aula por reação, tem algo de desespero nos seus gritos... creio que um bom professor sabe interpretar isso – ao invés de odiá-los por isso. (professor que odeia aluno e aluno que odeia professor para mim é uma contradição – ambos deveriam ir fazer outra coisa se este é o caso!- insistir nisso é martirizar ou masoquismo).

......Já dei aulas onde tirei os alunos da sala e conduzi-os até um gramado. Eles questionaram:_e agora professor? O que vamos fazer? Retruquei:_o que vocês quiserem! Porque não gastar um tempo caminhando por aqui, sentindo o vento, ouvindo os passarinhos e conversando? Curiosamente eles falaram sobre temas da filosofia e não os induzi a fazer isso. Sentiram-se a vontade pelo simples gesto de tirar-lhes da sala de aula em uma manhã quente. Alguns, é claro, torceram a sobrancelha pensando:_esse professor quer é matar aula! Mas para mim, uma aula no modelo –digamos- “politicamente correto” ou “clássico” já está morta na monotonia e tédio! Não podemos deixar de cogitar a hipótese de que um dado “discurso” escolar matou o conhecimento e transformo-o em sonolência e falação pedante. E é por isso que um gesto – sair da sala “desinteressadamente”- pode demonstrar que esses modelos viciados de educação podem e devem ser superados. Plagiando Deleuze – ele novamente – “saímos da aula pela aula” assim como se sai da filosofia pela filosofia!

......Ainda, dia desses, enchi o quadro com um texto. Alguns alunos começaram a protestar dizendo “mas é só texto, é só cópia”, ao que pensei: está dada a aula! Não pelo conteúdo do texto, mas pela situação e os protestos! Ainda provoquei no termino da aula:_ será que vamos ficar só nisso, só texto? Não me incomoda que a transferência nesse momento seja de “raiva” em relação ao que eu estava “sendo” – ou compondo-, o que importa é o que podemos retirar enquanto implicação deste desconforto. NOTA: Não deixe passar esse trecho em branco, estou dizendo que dou aulas de filosofia provocando filosoficamente! Provocar é uma coisa, “explicar” corresponde a outro conceito! Ontem entrei em uma sala e percebi que nada de produtivo poderia sair dali enquanto uma aula expositiva ou a elaboração de alguma didática. Apenas me acomodei em um canto da sala e fiquei olhando para a turma... no próprio olhar os alunos sentiam que aquilo não estava certo, sentiam-se constrangidos, esperavam uma contra posição para disputar o lugar do poder – ao que, não fiz nada!  É isso aí, aula dada.

......Ainda ouvi meses atrás na mesma escola alguém comentar:_ professor, a sua atitude é estranha! Não é de autoridade... E vi nisso um problema que obviamente será um desafio filosófico por vir. Na maneira em que está disposta a instituição escola, os alunos não distinguem “autoridade” de “autoritarismo” – algumas vezes nem os alunos, nem os professores e menos ainda a direção. O simples fato de ser um (ironizando agora) “reles humano” não constitui uma autoridade, não se constitui alguém que mereça ser ouvido – mesmo que fale em um tom de voz calmo e tranquilo. É preciso (o choque neural) gritar, mostrar os dentes, ameaçar punir, para aí sim ser uma “autoridade”(será?). É preciso chantagear com “notas” – o prêmio do macaco – para negociar! Um jogo, certamente perverso, já que para haver negociação justa é preciso um equilíbrio de forças, e este não é o caso na maneira como está posta. Estranhamente quando alguém me diz “você não é um bom professor” e eu pergunto por que e recebo de volta “porque você não grita com os alunos, não negocia usando as notas, e muitas vezes fica em silêncio sem tomar uma atitude para repreender os alunos, NÃO ENSINA” – estranhamente quando ouço isso – sinto uma grande satisfação. Sinto esta satisfação porque começo a compreender que não colaboro com um sistema “adestrador” de humanos, hierárquico, que obriga as pessoas agir por recompensas futuras, e que em último lugar há a intenção de promover senso crítico e conhecimento ético. Certamente os alunos são tão vítimas dessa peça do sistema (escola) quanto os professores! Irritar-se com “pessoas” seria falta de compreensão. E nem entrarei na questão do capitalismo moldando “tijolos para o muro” valendo-se do império das imagens cobrindo a exploração econômica, porque hoje é bem, mas bem mais grave do que isto – e quem ainda se fia em Guy Debord  está apenas na metade do caminho... (sugiro a leitura de Cristoph Turcke). Não é tanto o “espetáculo”, mas a captura pela “excitação” – outra maneira distinta de “controle” – constante – só “aparece” o que “nocauteia” a excitação, pois provoca “curto circuito” no sistema nervoso – que mantém todos anestesiados para tudo que está realmente em jogo no contexto atual. Ou seja, não é a sociedade do espetáculo que captura, mas a sociedade da “pane mental”.

......Nietzsche, analisando profundamente os primeiros filósofos da tradição ocidental (A filosofia na idade trágica dos gregos) apresenta-nos que o filósofo não justifica sua filosofia, a filosofia existe na medida em que se filosofa. Se por vezes escapa dos sujeitos inseridos em uma dada cultura o motivo da filosofia não precisar se justificar é um problema da decadência cultural. Nas palavras do jovem Nietzsche: “por que eu deveria fazer de conta que essa cultura possui o direito de julgar minha filosofia?(...) Veja minha irmã, a arte, vale para ela o mesmo que para mim”. Moral da história: Muitos não sabem ainda o que é filosofia e a culpa não é dos “professores” que não ensinam, mas da falta de implicação – e condições mínimas para estar à altura de uma experiência muito distinta para com o conhecimento. Resumindo: falta amor. É, meio bobinho assim, mas sem amor não há experiência filosófica (não conheço ninguém que tenha casado suscitando questões, argumentando coerentemente ou acumulando dados da história...). Você não estará equivocado - na minha concepção - se desconfiar que em partes foi a própria academia que ensinou os "graduados" que exibem diplomas por aí a produzir um conhecimento tão sem amor, tão "seco", sem estilo, mera "refluxo" de dados e citações!- mera coleta de dados... falta, hoje, uma nova relação com o conhecimento... e deixar a metodologia na gaveta, só um pouquinho.

......Por fim, creio ter dito uma boa parte do que penso sobre o assunto. Agora se você não me entendeu, fica traquilo, não é apenas um problema de linguagem – toda linguagem é problemática -, se não entendeu é porque precisa aprender a me ler (não vai ser da noite para o dia que você aprenderá isso).







r.A.

ps. Um dia as pessoas vão entender que nunca precisaram de explicações e sim de implicações?

Um comentário:

Clio disse...

Mas isso é um abuso contra a moral e a ética pedagógica! Digo mais: Contra os bons costumes!

:D
kkkkkkkk

Já eu, levo os alunos para um passeio bem inspirante na sala do diretor. É um momento propício para refletir...

Esse é meu blog:
http://astraldeclio.blogspot.com.br

Tinha esquecido de deixar da ultima vez.
Tchau!