terça-feira, 4 de maio de 2010

Moveremos infernos?


==>Com que peça toscamente encenada, com que sentenças matemáticas me martirizei ao me defrontar comigo mesmo, desnudo na rua escura, sentindo o acúmulo do calor de uma tarde de domingo no asfalto, sozinho embaixo de um céu sem deus. Tinha comigo, como Zaratustra, meus animais - a saber, uma carteira de cigarros e minha serpente que asfixia qualquer coisa desse mundo. É claro que eu estava embriagado (oito xícaras de café gelado) e procurando confusão comigo mesmo. Dei-me um murro no bolso e saquei algumas moedas, mais barulhentas que sinos de igreja, aliás, mais barulhentas que uma igreja de três pisos sem ar condicionado. Olhei por cima do ombro esquerdo, o ombro que dói às lágrimas de sete mendigos, a cidade que abandonei sem nem mesmo me dar o luxo de pular o muro dela. A cidade que nunca fui capaz de pronunciar o nome, pois a minha boca subia a ânsia, o vômito me sufocava... Com que fastio acenei tantas vezes com a cabeça para tantas pessoas - digo pessoas por cortesia-, tantas vezes que no meu pescoço se formou um calo, formou-se e fez doutorado na Alemanha. Oh querido calo que sambou nas portas de Frankfurt em chamas! Os amigos todos mortos, em fila na porta do inferno, Caronte saiu de férias, dizem que esta surfando em algum mar essas horas... Cérbero abandonou seu posto arcaico para deitar-se no divã do Dr. Freud, soube que sofre de transtorno tri-polar, pobre bicho! As moedas eu ofereci de porta em porta. Compra-se um deus! Talvez uma sombrinha, na falta de sombrinha um guarda-chuva, um boné talvez...:_ Nada disso minha senhora, nada de boina de seu falecido esposo que foi coronel. Andei até minhas pernas se gastarem... Até o esqueleto se gastar... Até as coxas sangrarem... Atirei uma pérola para um porco ali, outro acolá e infelizmente não peguei no sono.
==>Então era eu e o Schopenhauer rindo até a barriga doer de câimbras, passando trancas em velhinhas no shopping. Lá pelas tantas me cansei dele e passei uma tranca nele também. Ele gritou do chão:_ ESSE É O PIOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS! E eu joguei um pífaro e um véu das lojas maia para o velho e disse:_ Se vire com isso aí carinha! Melhor que isso só vídeo game e para seu desgosto não tenho um aqui agora! Na verdade era mentira. Eu tinha o tal do vídeo game, mais tarde esse vídeo game eu doaria para crianças no Haiti - porque as crianças daqui não sabem jogar o jogo. Neste mesmo shopping eu ganhei uma camiseta do Che Guevara em uma promoção. Comprei o capital do Marx em uma livraria anarco-cristã. Eu precisava de alguma coisa para escorar a porta. Qualquer coisa servia, por isso tratei de pegar algo bem inútil e que tivesse a durabilidade de séculos. Cogitei entre uma estátua de Jesus de gesso e outra de um preto velho de terreiro de macumba. Mas ambas estavam na moda lá por aquelas bandas, eram demasiadas contemporâneas. Fashion Shits, fashion style. Minhas moedas continuavam a cantarolar e por isso tive que despistar um padre e uma cigana... Não foi fácil. A cigana, enquanto me seguia, acabou sendo presa pela polícia: porte ilegal de crenças. Já o padre, foi dar aula de história em uma universidade - depois se lançou a governador- como troquei minha televisão por bolitas, nunca mais ouvi falar do dito cujo. MAS E A CHINA? Todos me perguntam da China e ninguém se importa comigo; pois bem, para a China eu enviei por Sedex aquela camiseta lá do Che Guevara. Desconfio que eles gostam. Gostam disso e de abater cães. “Matar ou entreter gente como se fossem animais e tratar animais melhor do que gente vem se tornando o paradigma e o paradoxo no momento” é o que tenho visto, porém, teremos de deixar essa questão na fila, pois os epistemólogos, cientistas e outras tolices “racionais” estão ocupados agora com a teoria da complexidade e o suor da bunda dos macacos, is the evoluction babe!
==>No fim das contas, registrando fisiologicamente os acontecidos, colei um cartaz na porta de meu quarto com os dizeres: “Trocasse moedas por qualquer coisa que não conduza a qualquer coisa!”. As moedas continuam aqui...

r.A.

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