"Tudo está em mim, a carne, o espírito e o alento..."
_Louis-Ferdinand Céline.
Todo
segundo é momento bom para dizer adeus. Hoje morreu um cara que eu gostava um
bocado. 82 anos deve ser dureza, e como ele dizia:_ Nada é importante. Pode ser
que estou exagerando nesse parágrafo, mas se não é verdade pelo menos é legal
de dizer isso. Repito: Todo segundo é momento bom para dizer adeus.
De minha parte confesso – meio relutante,
claro – que até onde me lembro da minha existência sempre fui bom em viver
momentos de adeus. Embora não seja bom em verbalizar qualquer frase que
expresse bem o que sinto quando o momento chega. É por isso que eu escrevo
(...inclusive). Quero dizer que meu tipo de ser, profundamente introspectivo,
precisa pensar antes de falar. E definitivamente quem me conhece sabe que não
sou prático. Acontece que quando penso para falar me deparo com esse
sentimento: “Nada é importante”.
Sobre os momentos de adeus: Eu olho nos
olhos das pessoas e deixo os olhos lacrimejarem, mas não choro. Faço isso
depois ou antes – minha trapaça particular. Para não piorar tudo, sabe? É que
não gosto de mimetizar a dramalheira teatral/cinematográfica. Sim; é mania.
Também olho para o chão. Nunca para o
céu. Com “nunca” me refiro desde os 16 anos. O chão, como se fosse reflexo de minha exaustão.
De fato saí do armário quanto a minha opção de gênero: Logrado. É importante
saber disso. De longe pareço um derrotado e de perto, todos meus gestos lembram
o que se vê de longe.
Só que engano bem nas duas primeiras
temporadas. Apenas me faço de derrotado para desarmar qualquer possibilidade de
jogo pelo reconhecimento de duas “consciências-de-si”. Dito isso podemos
concluir que não é nem um pouco trabalhoso respirar a sensação de que alguém me
derrotou em qualquer coisa. Hegel, cara! Acredite se quiser, eu também falo de
Hegel. De saída me desinteresso por qualquer dialética. Dá para acreditar?
_Logrei
muita gente nessa vida. É que em se tratando de ser logrado eu sou PhD. Também “honoris
causa”. Sacou?
O bigode de Nietzsche, as unhas de
Deleuze, o vacilo na voz de Céline, a falta de banho de Joseph Beuys, a orelha
decepada de Van Gogh e o pinto de fora de Jim Morrison. Maneiras de atrair o
olhar para a excentricidade!(?). Vamos lá, não duvide que tenho meu jeito: A
covardia. Nos termos do meu jogo literário: “acadelamento”*. Sinto que fiz meu
dever de casa – alguma coisa que pode-se adjetivar de “mistério”- quando
qualquer um está decidido sobre a interpretação de que sou um covarde.
A questão é que Covarde é um sentimento
que nunca pude me dar ao luxo. A desgraça de minha inteligência é que, onde
quer que eu me misture com pessoas, tenho que gastá-la por dois ou mais. E
sempre que não digo adeus para alguém – devidamente, como reza a cartilha das
boas maneiras – enchem a boca e estufam o peito para me chamar de Covarde sem
nenhum constrangimento.
_Você
é um SACANA!
Dizem isso para não me chamar de “pau
no cu”. Trabalho dobrado também. Sou escritor - e pau no cu nas horas vagas. É
um dom, entende? Não é por acidente (se você já leu Aristóteles).
Eu tinha um cachorro lá pelas idas de 1996.
Ele abria sozinho a torneira na garagem para tomar água. Tinha que vigiá-lo
para não levar bronca dos meus pais. Aprendi muito cedo que certos
comportamentos são condicionados pelas paixões... outra coisa que esqueci de
dizer é que você pode conviver mais de cinco anos comigo e não entender
bulhufas de minhas intenções. Tem a ver com minhas sutilezas. Cá entre nós eu
já acreditei na sensibilidade de toda essa gente. Foi foda.
Como todos eram especialistas e sobrou
pouco para minha singularidade, me especializei em Adeus. Nada me constrange
(profundamente) na hora de dizer adeus. O segredo – que sou confidente – é que
dá para se reinventar mesmo com muita dor. Em dor também sou honoris causa. Não
é do dia para noite, claro, mas sei ser sutil por anos. Mais uma coisa que
trago de berço. “Jura que não vai mais fazer isso?” – Papai, mamãe e irmã. “Juro!”
– Respondia. Só que não fazer mais “isso”, na minha cabeça, nunca significou
que não faria outras coisas bem parecidas, mas nunca iguais.
Aquela
coisa de Criatividade.
Nem morto desejo viver até os 82.
Primeiro porque não suportei até os 28. Tive que morrer muitas vezes até aqui.
Recentemente morri na passagem de 2014 e renasci em 2015. Ninguém deu à mínima
(amigos e família, quem diria...) e isso leva para o segundo ponto. Segundo,
porque não tenho contribuições – nem vontade de contribuir – para quem quer que
seja, para chegar até os 50, quem dirá até os 80. Teve quem me viu realizar
proezas improváveis e ainda assim me adjetivou de covarde. Nunca tirei a razão
do que projetaram em mim – mas não duvido que tenha sido espelho e, por que
não?, Verdade.
Hoje. Agora pouco, para ser mais
preciso; estava parado no metrô. Apenas pensando sobre uma estrutura harmônica
de uma canção do Radiohead (Karma Police) e acompanhando a desgraça de se
espremer entre cem pessoas. Você já reparou que a gente só perde? Se “sim”,
então perceba como é interessante saber dizer Adeus! “La vie c’est tout avec
rien”. Nunca imaginei que quando disse adeus à casa de meus pais estava dizendo
adeus mesmo. Depois disse adeus para pessoas que amava e foi bem mais fácil
dizer adeus para quem não significava mais nada na minha vida. Disse adeus para
cidades inteiras! Ultimamente tenho dito adeus para amigos. Também disse adeus
para certas necessidades de reconhecimento – artístico e intelectual – o que me
lembrou algo no mesmo feitio de dizer adeus para mim mesmo e determinados
sonhos.
Também é importante – embora isso importa
para poucos de meus leitores – que a penúltima vez que tentei dizer adeus,
minha irmã, me pegou pelo braço e disse:_ Adeus é o caralho! Você não vai sair
dessa família só porque leu uma biblioteca inteira e agora se acha muito
inteligente! Você é ainda o mesmo bosta de sempre!
Mais
uma confissão: Nada como o sangue do seu sangue para te revelar que você nunca
será o herói que viu nos livros. Mas é bom constar que atualmente já cheguei ao
status de ter lido duas bibliotecas inteiras e mais alguma coisa. Só aprendi o
que está nesse texto, sinceramente.
Veja só isso. Uma questão bem
filosófica. Platão perguntou o seguinte (O banquete):_ O que nos tornamos ao
obtermos o que é objeto de nosso amor? Nos tornamos o que amamos? – eu pergunto.
E o que nos tornamos ao dizer adeus para determinados amores? – eu continuo
perguntando. O que me torno agora, nesse exato momento em que escrevo essa
linha? Dizendo adeus para alguém que admirei um bocado...! Estou ainda tentando
me resolver nessa capacidade de dizer adeus. A diferença desse texto para
qualquer outro que você tenha conseguido chegar até o fim é que nesse texto o
autor está relatando sutilmente a necessidade de saber dizer adeus... a maioria
está dramatizando e lamentando enquanto dramatiza. Eu tenho que confessar outra
coisa: me sinto velho e inteligente demais para dramatizar certas questões
óbvias. Se você quiser pensar que sou insensível, fique tranquilo – nada disso
me impede de acrescentar um ponto final nesse texto. Pra você ver que “tipinho”
de gente eu sou – ou estou sendo.
Existe em nós um desejo, pouco admitido
– é claro que é por medo -, de deixar de existir. De morrer, se você quiser
interpretar assim. E não é nem um pouco fácil não dar ouvidos aos sussurros do
suicídio que vem com o vento e deita nas cartilagens de nosso ouvido.
Você pode morrer quando seu desejo
ultrapassar as forças do seu organismo (que tem o desejo paradoxal de
aniquilar-se e de preservar-se) ou quando (como se diz) chegar a hora. A
tranquilidade de minha filosofia é dizer que o quando “quiser” e o quando o
corpo quiser é quase a mesma coisa. Filosofia alguma – até onde aprendi nas
minhas bibliotecas lidas – pode te convencer de acabar ou não com sua vida. Não
pasme se eu te disser que é mais fácil se matar do que abrir um frasco de
pepino em conserva!
Volto para a questão de Abujamra. “Nada
é importante”. Tenho que voltar, porque me debruçar sob sua máxima é respeitar
sua memória. Reformulo, por capricho: O
nada é importante! Ter o olho pousando sob o “Nada” é de sentido “último” pra
nossa vida; é importante. Entre o nada e aquilo que pensamos ser importante, há
alguma coisa, que raramente se sustenta. Me parece que viver é mais do que
estamos “programados” fisiologicamente para existir. É salvar alguma coisa da
morte, do “never more” – de Alan Poe. Mas também não é ser um megalomaníaco da
História. Mais sutileza e graça – é o que vou reivindicar. Ninguém é covarde
nessa vida! Existir é dançar lambada com um pau no cu! Te pergunto: Quantas
lambadas com assaduras anais você foi capaz de dançar? É importante? – Pra mim
não, para multidão também não, e pra você?
Abujamra botou pra quebrar e agora é
hora de dizer-lhe adeus. Como ele disse, “fracassou mais de cem vezes”, e
ainda, como ator e como diretor, botou pra quebrar. Merece, da minha
perspectiva, um adeus sem drama. Se eu chorar vai ser antes ou depois disso
aqui. De minha parte sou tão covarde
quanto ele. O fato de ter vivido até os 82 é absurdo para mim. Mas pode
enterrar, finalmente, seus 82, “na frialdade inorgânica da terra” com muita
honra, para qualquer um que tenha entendido o significado do termo “teatro” ou,
se quiser, Arte. Esta salva sua persistência, embora sua existência, já era! “Nada
é importante” exceto o que fez pela arte. De fato, nada é importante. Porque o
que importa na arte não é o comum de se decompor, muito menos o blábláblá do
aspira a artista que se acha “sofredor”, no fundo o que importa é a Arte. Só!
Qualquer bunda mole morre, mas não é nenhum bunda mole que pode morrer Artista!
Vale muito a pena repetir isso:
_Não
é qualquer bunda mole – cheio de frescuras e desejos de ser reconhecido a
qualquer preço – que pode morrer Artista!
r.A.
*Acadelamento:
Se eu puder acrescentar essa palavra no dicionário terei realizado minhas
intenções literárias.
Ps.
Dedicado, de todo coração, para Antônio Abujamra.
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