domingo, 7 de abril de 2013

II (dois) - Ensinando a tocar serrote

Nota: Este é o segundo de três curtos ensaios. Este falará Basicamente de Algumas impressões que tenho sobre a Filosofia para os dias atuais e precisamente sobre as condições básicas para seu exercício no ensino médio (no contexto do ensino público no estado de São Paulo – 2012/2013-, precisamente no ensino médio). Espero que o texto sirva para “levantar algumas suspeitas” e não para responder de uma vez as implicações de nosso cotidiano. Se você achar o texto difícil de compreender e interpretar, não se preocupe, ele vai continuar aí para você ler mais de uma vez! Nem tudo nessa vida foi “feito” para ser compreendido sem esforço. Mas se você não quer se esforçar, quem sabe o melhor para você não seria ir comer gelatina ao invés de ler...

......Quando perguntaram (ABCdário) para o filósofo Gilles Deleuze se não “estranhavam” o ensino da filosofia nas escolas quando este começou a lecionar na França, Deleuze respondeu com bom humor mais ou menos o seguinte: Ensinava a tocar serrote. Era tipo o “idiota da aldeia”. O cara que fala coisas malucas! É claro que trata-se de uma resposta um pouco irônica. Um professor de filosofia não ensina tocar serrote, nem é um idiota da aldeia. Em geral, as pessoas em uma sociedade, acostumadas a conversas superficiais e respostas objetivas, tendem a pensar que o filósofo é um “maluco” que fala coisas “com pouco sentido”, até mesmo “inúteis”. É um “problema”, que inclusive, é alimentado pelo simples fato da filosofia, tratando-se do seu ensino, só se torna uma disciplina da matriz curricular já no ensino médio. Quer dizer: muitas vezes, um adolescente só vai se deparar com a filosofia depois de já ter noções básicas de ciências gerais, a própria matemática, os conhecimentos nas áreas da geografia, das línguas (idiomas, português – no caso do Brasil – e alguma outra língua estrangeira), história, enfim, é inegável que estas áreas do pensamento atuam de forma bastante distinta da filosofia – embora complementares.
...... A distância dos procedimentos pedagógicos fica mais complicada quando se descobre – o adolescente no ensino médio – que está diante de uma tradição de pensamento que já constituí uma história de 2.500 anos de tradição! E se isso não bastasse, toda essa tradição de pensamento não chegará a ser apresentada – mesmo que condensada – na totalidade de sua importância- nesses poucos três anos na escola. O professor de filosofia se vê na difícil tarefa de, ao mesmo tempo em que deve introduzir seus alunos minimamente nessa tradição, demonstrar imediatamente a aplicabilidade desse saber no contexto cultural – social , destes alunos. E com toda certeza, isso piora se o adolescente de ensino médio não estiver minimamente interessado (não tiver vontade ou não for motivado) a se exercitar em uma maneira completamente distinta de pensar. De minha parte, particularmente falando, penso que nada pode ser ensinado se aquele que está numa posição de aprender apresentar um comportamento de recusa. Resumindo: nada se ensina a quem não quer aprender! E pior. Se tratando da filosofia muito mais de um exercício intelectual do que um método a ser decorado e aplicado, então a “vontade” torna-se princípio mais do que fundamental. É a porta de entrada (a bendita vontade)!
......No esteio da filosofia, digamos, no seu suporte, está a crítica. A crítica, tenho cá comigo, que não se ensina, se desperta – se provoca. Então o atalho para “vencer” toda a distância pedagógica entre a “forma” que o aluno adolescente está acostumado a percorrer para pensar sobre o mundo e a filosofia é a “provocação”. Quer dizer, antes de propor fórmulas de pensamento, o professor de filosofia tem a dura tarefa de “indignar” o aluno! Se o professor de filosofia não deixar, à princípio, seus alunos em “crise” com seus saberes já adquiridos, provavelmente perderá a proposta inicial da filosofia. Veja que a filosofia começa com “sentimentos” que são tidos como negativos comumente. Provocação, indignação e crise. Se um sujeito não se sente provocado, indignado e em crise com seus saberes, com seus pensamentos que o guiaram até o contato com a filosofia, ele não partirá para a construção crítica de seu próprio saber.
......Quando a filosofia não conduz aqueles que nela se embrenham para uma autonomia mínima (a criação de seus próprios critérios de pensamento), ela se transforma num padrão de conhecimento, num método prévio, em outras palavras, no fim da própria filosofia – enquanto sua criação, enquanto seu próprio sentido de ser.  É pontualmente nesse sentido que, antes de jogar pensamentos filosóficos sobre qualquer aluno, penso que auxiliar qualquer iniciante a um “dar-se conta” de seus próprios conceitos sobre o mundo que o cerca é ainda mais necessário. Nesse sentido, não há problema algum que alguém não entenda de Aristóteles, Marx ou Nietzsche. Deixemos isso aos especialistas! Se o aluno quiser aprofundar seus conhecimentos em algum autor, pois que faça isso depois de adquirir certa autonomia de pensar, certa liberdade de pensamento, certo critério crítico que diz respeito a ele. Quando o critério de conhecimento filosófico for a repetição exegética das palavras de um filósofo, perdemos de vista o propósito inicial da tradição filosófica. Criamos alienação invés de emancipação intelectual. Que isso aconteça muitas vezes, só posso sentir como vergonha quando se profere o termo filosofia (amor ao saber).
......Sinto que algo está errado quando converso com alguém que antes de dizer o que pensa coloca o nome de um filósofo! Sinto isso em relação a todo conhecimento humano. Se o próprio “logos” (discurso filosófico) nasceu enquanto um exercício de fundamentar tanto quanto for possível o que um sujeito pensa tomando a si mesmo enquanto uma autoridade de seu pensamento, só posso achar um retrocesso alguém eleger dogmas (verdades inquestionáveis, culturais, sociais, históricas, políticas, científicas) antes de suas próprias ideias. Traduzir o termo “logos” por “discurso racional” (entendendo razão no sentido que tomamos hoje em dia) é de uma ingenuidade que faria até os pré-socráticos cair na gargalhada! Para “provocar com chamas” eu diria que a maioria dos que se dizem poetas e artistas hoje em dia são bem menos poéticos e artísticos do que os primeiros filósofos!
O critério de “medição”? A própria criatividade, inventividade, dinâmica, sensibilidade, sedução, ideia, contestação, expressão! – Se não foi isso que filósofos como Nietzsche (inclusive) identificaram, podem rasgar meu diploma.
......Agora se ensinar filosofia é análogo a envergar um serrote e arrancar acordes desse objeto, posso afirmar que sou um bom filósofo – filósofo e professor de filosofia para mim precisam ser tautologias! (afirmação da mesma proposição). E se tenho algumas certezas (poucas, aliás), uma delas é que enquanto existir ser humano correndo pela superfície terrestre haverá necessidade de que se filosofe. E se há dúvidas enquanto ao ensino de filosofia na escola pública – apesar das dificuldades todas – penso que sem filosofia se poderia tranquilamente fechar a escola. Pelo simples motivo de que se o conhecimento além de ser uma ferramenta da sobrevivência humana não for um elemento da crítica humana (do que inventamos ser “O humano”), onde razão e sensibilidade andam de mãos dadas -mesmo que constrangidas- , se conhecimento não for isso, então é um gigantesco equívoco.
......E, duvido que um adolescente em São Paulo consiga viver mais de um mês sem esbarrar em um conhecimento filosófico. E isso não é uma justificativa, é uma evidência! Ou você pensa que em algum momento não terá que criticar seus próprios pensamentos sobre o mundo? Você não atravessa nem a rua para comprar um refrigerante se não fizer isso!  



Rodrigo Adriano Machado – Filósofo.

“115. A alma possui um logos que aumenta a si próprio”
Heráclito de Éfeso.

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