......Quem
separa as palavras das ações rasga o humano em pedaços. Palavras, “afetações da
alma expressas em signos e símbolos”. Quem busca uma coerência no mais íntimo,
possuí uma ficção de movimento. A vida não esgota em nenhum sentido – em nenhum
momento – um fluxo violento... somos uma vírgula no texto da humanidade que
termina em reticencias. Nietzsche dizia que a maior inimiga da verdade são
nossas convicções e não nossas dúvidas. E assim se mantém viva a singularidade
do movimento das chamas – sempre diferentes – “eternamente” conflitantes, em
outras palavras: o vigor de pensamento do filósofo. Heráclito pensativo ao
redor da fogueira.
......Deleuze
e Guatarri apostam suas fichas em um caso. Diferente dos sábios que pensavam
por imagens, surge os filósofos que pensam por conceitos. Está é a criação na
filosofia, o conceito. Uma “totalidade” fragmentada com inúmeras “peças” que
encaixam e se desencaixam. Que se movimentam rasgando o caos, que nunca tiveram
a intenção de ser fixas. Um conhecimento andarilho, primo da arte, discursivo
no mesmo grau da poesia, bebe do copo da lógica – mas sabe que a lógica é de
princípio ilógico -, hora heroico e sereno como a face de Apolo, hora outra,
embriagado e destruidor como Dioniso. “O filósofo é dinamite” – nas palavras de
Nietzsche. Para si, para os outros, ninguém toca no filósofo sem pagar o preço
de botar as mãos em um fogo que faz arder até a escuridão dentro de si. A
história e a ciência estão aí para serem usadas! Peças ou suportes do conceito,
na medida do que o filósofo achar necessário. O filósofo é senhor do seu
conhecimento e batiza suas crianças selvagens. O corpo participa e é
atravessado por essa força – como escreveu Rimbaud – “morro e me decomponho”-
foi título de minha última exposição na universidade-, mas o que é vida não
morre! “Nunca disse que filosofo para você, mas você insiste que pratica a
medicina por mim. Simples demais! Quais são suas motivações?” – Diálogo do
filme: Quando Nietzsche Chorou.
......Cioran
disse “Adeus a filosofia” e nesse momento passou a filosofar em dobro! Disse
adeus a um tipo de filosofia – que o mantinha como refém... “O filósofo não é uma
cabeça de anjo alada”- resmungou Schopenhauer. Foram tipos de ruptura que só
aqueles que fazem a tradição arder em chamas podem protagonizar. “O resto é a
humanidade”.
......Robert
Johnson saiu do Delta- Mississipi – para voltar com outro blues (e parar de
pagar pedágio a “velha guarda”), e você pode ler Bukowski pensando que não
passa de um velho bêbado que sente três tipos de náusea olhando para a
humanidade. Mas “toda filosofia dissimula uma outra – toda opinião é um
esconderijo”. Séculos se passam até que alguém, andando pela sombra de uma rua
deserta ou em pé dentro de um quarto escuro entenda que “fidelidade” ao
pensamento é transgredir – ou Thoreau não acharia desperdício de pedra e
argamassa a estrutura de uma prisão. “O maior dos consensos nunca produziu um
conceito se quer”- pensou Deleuze, e daí pulou a janela. “O consenso dos sábios
não significa sempre sabedoria, pode significar que estão todos sofrendo da
mesma doença” – anotou alguém em uma folha e depois penteou o longo bigode
enquanto sorria olhando para a lua. Tai um cara esperto – “ que acende o
cigarro no relâmpago”.
......O
óbvio é que estou escrevendo agora, mas você nunca irá saber o valor do slow
blues que ricocheteia dentro do meu crânio! Nem tudo é intimidade entre nós –
parceiro! E o slow está para além da capacidade do músico de contê-lo. É a obra
que supera o criador. Seu inicio escapa da história – como todas as grandes
coisas que regem essa humanidade caduca! Eu já vi um filósofo tacando fogo em
suas anotações e me ensinando: isto está destinado ao fogo! É tudo conhecimento
superado. Ele olhava para o fogo com uma dor que nenhum escritor pensou ou
conseguiu registrar. Tolkien escreveu o Hobbit – e hobbit foi fruto de alguém
que escreveu a palavra rabit errado. O subtítulo de Bilbo Bolseiro foi “lá e de
volta, novamente”. Imagino que Freud não leu o Hobbit. Mas Lacan não deixou
barato o desejo e sua “mania” de repetição. Acho que Foucault gaguejou por um
momento quando teve Lacan na plateia de uma de suas exposições. Lacan não
brincava em serviço – ou brincava sério, o tempo todo! Também acho que um frio transpassou a espinha
de Foucault antes de Lacan dizer:_ achei que você ia falar outra coisa...(surpreendido!).
Se você não entendeu, tá tudo bem. Há coisas que não quero que você entenda.
Agora.
......Eu
me sinto filósofo. Na medida em que estou corroído por questões – me dedico a
elas (as questões) nem pela fuga, nem pela reflexão, muito menos pela crítica,
pago o preço da paternidade de minhas crianças selvagens . Eu não quero mais
explicar nada. Eu só me expresso, quando a expressão me supera. Eu sinto como
um artista, arregaço as palavras como um poeta, e me expresso com conceitos –
sou o amigo “cruel” e “incendiário”. Eu escrevo porque o meu corpo aguenta.
(Leia mais devagar agora): Eu “vou sendo o que sou” porque o meu corpo aguenta!
Mas eu não escolho o fácil. É o difícil que me escolhe...
r.A.-
Filósofo.
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