terça-feira, 4 de setembro de 2012

Eu...




......Quem separa as palavras das ações rasga o humano em pedaços. Palavras, “afetações da alma expressas em signos e símbolos”. Quem busca uma coerência no mais íntimo, possuí uma ficção de movimento. A vida não esgota em nenhum sentido – em nenhum momento – um fluxo violento... somos uma vírgula no texto da humanidade que termina em reticencias. Nietzsche dizia que a maior inimiga da verdade são nossas convicções e não nossas dúvidas. E assim se mantém viva a singularidade do movimento das chamas – sempre diferentes – “eternamente” conflitantes, em outras palavras: o vigor de pensamento do filósofo. Heráclito pensativo ao redor da fogueira.

......Deleuze e Guatarri apostam suas fichas em um caso. Diferente dos sábios que pensavam por imagens, surge os filósofos que pensam por conceitos. Está é a criação na filosofia, o conceito. Uma “totalidade” fragmentada com inúmeras “peças” que encaixam e se desencaixam. Que se movimentam rasgando o caos, que nunca tiveram a intenção de ser fixas. Um conhecimento andarilho, primo da arte, discursivo no mesmo grau da poesia, bebe do copo da lógica – mas sabe que a lógica é de princípio ilógico -, hora heroico e sereno como a face de Apolo, hora outra, embriagado e destruidor como Dioniso. “O filósofo é dinamite” – nas palavras de Nietzsche. Para si, para os outros, ninguém toca no filósofo sem pagar o preço de botar as mãos em um fogo que faz arder até a escuridão dentro de si. A história e a ciência estão aí para serem usadas! Peças ou suportes do conceito, na medida do que o filósofo achar necessário. O filósofo é senhor do seu conhecimento e batiza suas crianças selvagens. O corpo participa e é atravessado por essa força – como escreveu Rimbaud – “morro e me decomponho”- foi título de minha última exposição na universidade-, mas o que é vida não morre! “Nunca disse que filosofo para você, mas você insiste que pratica a medicina por mim. Simples demais! Quais são suas motivações?” – Diálogo do filme: Quando Nietzsche Chorou.

......Cioran disse “Adeus a filosofia” e nesse momento passou a filosofar em dobro! Disse adeus a um tipo de filosofia – que o mantinha como refém... “O filósofo não é uma cabeça de anjo alada”- resmungou Schopenhauer. Foram tipos de ruptura que só aqueles que fazem a tradição arder em chamas podem protagonizar. “O resto é a humanidade”.

......Robert Johnson saiu do Delta- Mississipi – para voltar com outro blues (e parar de pagar pedágio a “velha guarda”), e você pode ler Bukowski pensando que não passa de um velho bêbado que sente três tipos de náusea olhando para a humanidade. Mas “toda filosofia dissimula uma outra – toda opinião é um esconderijo”. Séculos se passam até que alguém, andando pela sombra de uma rua deserta ou em pé dentro de um quarto escuro entenda que “fidelidade” ao pensamento é transgredir – ou Thoreau não acharia desperdício de pedra e argamassa a estrutura de uma prisão. “O maior dos consensos nunca produziu um conceito se quer”- pensou Deleuze, e daí pulou a janela. “O consenso dos sábios não significa sempre sabedoria, pode significar que estão todos sofrendo da mesma doença” – anotou alguém em uma folha e depois penteou o longo bigode enquanto sorria olhando para a lua. Tai um cara esperto – “ que acende o cigarro no relâmpago”.

......O óbvio é que estou escrevendo agora, mas você nunca irá saber o valor do slow blues que ricocheteia dentro do meu crânio! Nem tudo é intimidade entre nós – parceiro! E o slow está para além da capacidade do músico de contê-lo. É a obra que supera o criador. Seu inicio escapa da história – como todas as grandes coisas que regem essa humanidade caduca! Eu já vi um filósofo tacando fogo em suas anotações e me ensinando: isto está destinado ao fogo! É tudo conhecimento superado. Ele olhava para o fogo com uma dor que nenhum escritor pensou ou conseguiu registrar. Tolkien escreveu o Hobbit – e hobbit foi fruto de alguém que escreveu a palavra rabit errado. O subtítulo de Bilbo Bolseiro foi “lá e de volta, novamente”. Imagino que Freud não leu o Hobbit. Mas Lacan não deixou barato o desejo e sua “mania” de repetição. Acho que Foucault gaguejou por um momento quando teve Lacan na plateia de uma de suas exposições. Lacan não brincava em serviço – ou brincava sério, o tempo todo!  Também acho que um frio transpassou a espinha de Foucault antes de Lacan dizer:_ achei que você ia falar outra coisa...(surpreendido!). Se você não entendeu, tá tudo bem. Há coisas que não quero que você entenda. Agora.

......Eu me sinto filósofo. Na medida em que estou corroído por questões – me dedico a elas (as questões) nem pela fuga, nem pela reflexão, muito menos pela crítica, pago o preço da paternidade de minhas crianças selvagens . Eu não quero mais explicar nada. Eu só me expresso, quando a expressão me supera. Eu sinto como um artista, arregaço as palavras como um poeta, e me expresso com conceitos – sou o amigo “cruel” e “incendiário”. Eu escrevo porque o meu corpo aguenta. (Leia mais devagar agora): Eu “vou sendo o que sou” porque o meu corpo aguenta! Mas eu não escolho o fácil. É o difícil que me escolhe...

 

 

r.A.- Filósofo.


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