......Algumas
pessoas – a maioria, imagino – se esquiva com todas as forças do tédio. Acho
que não sabem dar valor a esta experiência de nada. É certo que se você sair
por aí, logo se empolgará com algo e logo esse vazio lhe dará a impressão de
ser preenchido. Basta você ir aos lugares certos. Eu, por exemplo, passei
algumas horas olhando para a manta de São Jerônimo pintada por Caravaggio e de
madrugada ainda estava pensando em Caravaggio morrendo aos 38 anos com o peso
na consciência de ter matado um cara em um duelo. Mas um pouco depois disso,
estava novamente tendo acesso ao nada pelo viés do tédio. Mas qual o sentido de
contemplar esse nada?
......Em
primeiro lugar, acredito que o tédio nos dá a verdadeira dimensão do tempo –
como dizia o filósofo Cioran, uma experiência do absoluto no tempo. É mais ou
menos o mesmo tom do silêncio. Quero dizer, uma vez que você aprecie o silêncio
fica difícil achar que qualquer som possa penetrá-lo. Há pessoas – a maioria,
imagino novamente – que não suportam o silêncio! Precisam estar o tempo todo
ouvindo algo, falando algo. Depois do silêncio, até o barulho de uma colher
caindo parece fornecer uma melodia. A maioria das coisas que as pessoas dizem
violenta o silêncio! Melhor seria o assovio do vento – para mim, pelo menos. Já
o tédio é entendido em um sentido demasiadamente pejorativo! Esta, geralmente,
vinculado ao não haver nada para fazer... não diria que não há nada para fazer,
diria que há pouca “graça” em um certo “grupo” de coisas mais imediatas. Porque
não parar por um momento e aprender o que o tédio tem para ensinar?
......Em
segundo lugar, penso que o tédio é uma comunicação de você com você. É a rota
cega percorrida por um sentido que se choca com outro sentido causando uma
quebra. A gente boceja para oxigenar o cérebro. É preciso essa combustão no
seio do vazio para nos lembrar que o vazio está ali e se faz notar. Como as pessoas foram acostumadas a uma
cultura que afirma que tem de se estar o tempo todo em movimento, tagarelando e
trocando futilidades, as pessoas pensam que o tédio é um malfeito a ser corrigido.
O arrepio na espinha vem de uma relação “besta” que se faz do vazio, do nada,
com a morte. Rapidamente se passa do tédio ao pensar sobre a morte. Talvez seja
a falta de compreensão sobre ambas as experiências – ou fuga de ambas as
experiências – que cria esta relação que rapidamente nos faz acreditar que
melhor é estar fazendo alguma coisa ao invés de nada fazer. Quando São Paulo
visitou os gregos politeístas deparou-se com o templo do deus desconhecido (um
templo vazio...). “Vendeu” o Deus cristão para os gregos. Não seria a
apresentação do tédio que ali ganhava forma “divina” ao invés da necessidade de
um templo à ser preenchido?
......Em
terceiro lugar, já vi várias interpretações para o escriturário Bartleby – de
viagens na maionese fundamentadas em teorias da revolução à depressão -, mas
continuo pensando que Melville não mandou dizer nada, o que escreveu foi só o
que queria dizer. (Para quem não conhece a história de Bartleby, trata-se de um
escriturário que um dia disse para o seu chefe, ao ser mandado cumprir uma
tarefa, “prefiro não fazer”... o impacto é tão grande no seu chefe, que ele nem
se quer consegue demiti-lo na hora...) Cogito a hipótese de que hoje ao invés
do elogio do movimento deveríamos fazer o elogio ao “dar um tempo”! Em uma
conversa sobre performance com um grande amigo, entre cervejas e ironias – em
que debochávamos de uma relação feita por um palestrante entre Delacroix e
Baudelaire -, ele me contava que Baudelaire passeava com uma tartaruga lhe
ditando o ritmo. Hoje, minha tartaruga que dita o tempo, é um olhar
desinteressado que se fixa mais na neutralidade das coisas do que nos
movimentos e intenções. Porque não pensar por um momento – ao menos – que o
humano não é mais do que fruto do bocejo de um mundo cansado, ao invés do
centro das atenções? Não digo que se deva pensar isso sempre, digo que se deve
pensar uma vez.
......O
mesmo que se aplica ao tédio se aplica a tristeza – ao meu ver-, tenta-se
corrigi-la : como se fosse um erro! Um dia, quem sabe, deixaremos de pensar que
a tristeza é absolutamente triste. Mas as pessoas – a maioria, pelo jeito –
vivem como se no seu “manual de instruções” estivesse escrito: Em caso de
tristeza, comunique o fabricante e troque seu produto! Da tristeza passo ao
amor: Relacionar insistentemente o amor à felicidade não parece uma piada? Uma
bela frase me recorda do filme Vanilla Sky. No citado filme, um escritor diz
para um bonitão que lhe rouba a paquera:_ você nunca vai conhecer a tristeza
daquele que volta para casa sozinho! No fim das contas, “se você não prova do
fel, não compreende o mel”. A ironia, que tá pouco ligando se suportamos ou não,
sussurra uma vez mais:_ você sofre no final de um amor porque foi bom, muito
bom! – e os imaturos no amor arrancam os cabelos da cabeça e gritam “Não! Não
foi amor! O amor não faz sofrer”- para os que cresceram assistindo t.v. Xuxa,
pode ser... mas no fundo você sabe que não é assim. Um amor que parece um
carnaval não é um amor, é um porre! Imagine que ridículo é alguém que entra
numa relação procurando apenas ser feliz... Novela das 8 – certamente! O
mercado dos antidepressivos progride na mesma proporção em que tá cheio de
gente no mundo querendo viver sem querer arcar com as consequências da vida. Sentir
tédio, assim como sofrer de amor não é patético, patético é acreditar que basta
atravessar a rua para se ver livre disso.
......Em
último lugar, não pense que quem escreveu isso supera as coisas porque entende
algumas coisas. Entender não alivia, intensifica! Escrever – como dizia Efraim
Medina Reyes, que não menosprezo por abandoná-lo – “é um problema a mais”. Não
penso mais como Nietzsche, que “o que não nos mata nos torna mais forte”, penso
que a gente filosofa porque aguenta! E quando não der... tá tudo bem.
r.A.
Em
algum lugar da fria e cinzenta São Paulo.
=>Para
Ana Paula Machado. O significado da palavra Irmã – no meu dicionário.