sábado, 13 de novembro de 2010

Nós sempre faremos isso...

(Texto da artista plástica Monique Cescon).


.....Por vários momentos nessas ultimas semanas estive me questionando e com isso questionando a que público devesse se colocar a arte contemporânea. Mesmo estando convencida que estão claros meus questionamentos a cerca da arte contemporânea, vejo que alguns de meus amigos imaginam que já devesse ter-me esclarecido sobre tais assuntos, porém, permito-me um pouco mais de suor e lágrimas no que diz respeito á minha arte. É mais sabido que, mesmo por diversas relações e definições que se tem da palavra “público”, todos somos membros de um.
.....Os artistas que vieram de toda a geração de Botticelli não ousariam negar a perspectiva ou toda a anatomia do sec. XV, mas, quando Matisse rompe com a pintura do sec. XX que até então se definia acadêmica, técnica e bela e a torna expressiva e gestual é criticado por grandes pintores da época que sabiam utilizar de critérios teóricos e formas numa analise estética visual na arte. Picasso rompe com Matisse e o modernismo, para expressar mais ainda a arte em formas e temas não questionados e utilizados pelos padrões da época. Não foi simplesmente para se divertirem que fizeram suas respectivas críticas, isto é evidente! Quando Matisse apresenta sua tela (Alegria de Viver. 1906) recebe a seguinte crítica do pintor Paul Signac:

“ Matisse parece ter se perdido. Numa tela de dois metros
E meio, ele contornou alguns estranhos personagens com
Uma linha da espessura de um polegar. Em seguida
Cobriu tudo com uma cor plana, definida, que embora
Pura pareceu de muito mau gosto. Lembra as fachadas
Multicoloridas das lojas de tintas, vernizes e produtos
Domésticos.” ( STEINBERG, Leo. 1972. P.22)


.....Anos depois quando Picasso apresenta (Les Demoiselles d’Avignon) é julgado como falso e contraditório pelo mesmo Matisse que também rompeu um dia com padrões estabelecidos na arte. Percebe-se que os artistas rejeitados por museus, salões, e criticados por sua arte, ouviam e eram submetidos a críticas, por pintores, poetas e artistas da mesma época e na maioria das vezes artistas acadêmicos. É como se quisessem que você fosse a uma formatura de direito, usando calça jeans e camiseta do Ramones sem ser tomado com impertinente. Nota-se que o rompimento perturba em excesso.
.....Quando Baudelaire critica o pintor Courbet e fala sobre a “retratação das faculdades espirituais”, que se impõe sobre si mesmo para atingir um ideal sereno e clássico, e que assim toda a imaginação e movimento são banidos de uma obra, é visto como insensível e inferior a Courbet. Mas Baudelaire, literato, seria insensível aos valores visuais?
.....A crítica que ele reporta a Courbet mostra que tendo seus próprios ideais, ele não estava disposto a sacrificar coisas que o pintor havia posto de lado. Courbet, como qualquer bom artista, também seguia seus próprios objetivos, os valores que descartava (a “beleza ideal” e a fantasia) para ele há muito se perdeu, no entanto, sua virtude positiva, não constituía uma perda. Mas eram sentidos como perda para Baudelaire, que consistia na fantasia e a beleza ideal não exaurida.
.....Sobre isso, penso, e não penso sozinha, que uma pessoa (público), diante de uma obra de arte contemporânea, não pode ser vista como alguém que não entendeu a obra (ouvimos isso sempre). Pode simplesmente, significar que, tendo uma forte ligação com certos valores, essa pessoa não pode servir a um culto não familiar no qual esses mesmos valores são ridicularizados. E a arte contemporânea é um convite a aplaudirmos a destruição de valores que ainda pregamos, não é para ser CLARA. Ou me engano? Talvez não seja isso que esta acontecendo... A “arte contemporânea” esta sendo embelezada, VALORIZADA, Rafaelizada. É possível ouvir anjos quando se comenta certos trabalhos hoje.
.....Percebi essas coisas no ultimo final de semana (sim depois de tanto me permitir dar socos em mim mesma), recebi um convite para uma apresentação musical de uma dupla de músicos trágicos e poetas excelentes desta cidade. Como toda a boa arte, cerveja e composições musicais próprias, lá fui com meu corpo. Inevitável é não observar outros corpos.
.....Em certos momentos senti que houvesse pessoas daquela festinha de direito, que falei anteriormente, me observando... Convide alguém para jantar e sirva-lhe algo como estopa ou parafina e vão entender o que estou falando! O que vi, até onde pude ver (depois disso algo foi maior) foram pessoas, sangue, indefinições tentando encontrar alguma explicação para aquela “magia” que tomava conta de seus seres, das suas peles e das suas “almas”. Mas também, como era a hora e não pude fechar meus dedos, vi mais coisas. Pessoas irritadas com amigos que estavam gostando de tudo aquilo que não consigo definir, apreensivos com a ideia de que pudessem gostar de fato do que estavam ouvindo. Furiosos consigo mesmos por terem sido desmascarados por toda aquela situação. A música agia e os deprimia. Mas toda aquela situação era motivo para ficarem tão deprimidos? Se não gostaram daquilo porque não iam embora, não ignoravam? O que realmente os deprimia era sentirem aquela música e o que aquela música podia causar a toda a arte.

.....E tudo isso, que me questiono, também me responde... A que público serve a arte?
--- Ao público.
.....Porque não dá pra ter uma experiência como tive e voltar ao trabalho na segunda feira como se nada aconteceu. Me cansa o público que diz estar em outro nível, pressupondo, assim, estar acima de ser "público" e analisa formalmente, e critica a todo tempo as formas de arte pela “qualidade”, “avanço”, “medindo” a arte numa escala comparativa, dizendo a um artista aquilo que não deve fazer e ao publico o que não deve ser. TODOS SÃO PÚBLICOS!
......Uma obra pode ser indiferente a crítica, agora a crítica... É como alguém que tem esperanças em ir à praia e infelizmente, o tempo indiferente, faz chover. Na noite desta apresentação musical, pode-se ouvir palavras como “eu não gostei” ou “eu gostei” proferidas tanto para a musica como para a bebida que ali se encontrava. Ora, o gosto em arte não pode ser uma entrega a qualquer estímulo interessante.
.....De toda essa forte experiência estética que pude fazer parte, juntando com todas as questões que me atormentavam por mais “simples” que se imaginam, certamente posso afirmar que as coisas estão acontecendo! E, pode ser mais rápido do que possuímos!
.....As semanas que me passaram com indecisão, decidiram para mim, em um momento enquanto eu me colocava como público. Presenciei a arte, inevitável negá-la. Você pode fechar seus olhos, seus ouvidos, seu corpo inteiro e ela ainda assim estará por perto. Deixo uma autocrítica do escultor Jean Tinguely (1962):

“ Não é um gesto de trabalho
Não é um gesto de esporte.
Não é um gesto de amor.
Ce n’est pás dans La vie”.
( não está na vida)










Monique C

Um comentário:

LenOo disse...

A arte é a expressão da sociedade em seu conjunto: crenças, idéias que faz de si e do mundo. Diz tanto quanto os textos de seu tempo, às vezes ate mais.
Viva a Sociedade Alternativa.