quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma canção vagabunda

Às vezes a gente afunda na merda e vai sair do outro lado: No inferno. Quando estou no inferno é como se eu jogasse na minha mesa de sinuca favorita. Como se eu ligasse o rádio e lá estivesse começando uma de minhas canções. Como se eu estivesse procurando um babaca para xingar e do nada o babaca entra no bar com um sorriso no rosto, um rosto redondo, uma babaquice estampada no fundo dos olhos, com as mãos em posição de reza, implorando uma frase retirada da bota do capeta, daquelas que eu me destaco no momento em que tudo esta alinhado. Mas absolutamente nada disso esta acontecendo. Quem me conhece sabe que não sei jogar sinuca (felizmente para os jogadores de sinuca...) e minhas canções não tocam na rádio (não tenho nenhum talento, que droga, que lástima, que vergonha que tenho na cara). Que prefiro abaixar a cabeça para os babacas. Guardar os murros no bolso e transmutá-los em escrita não é necessariamente desperdiçá-los. Quem me conhece sabe que estas coisas estão acontecendo comigo e isso é quase o céu. Estar no céu para mim é estar cortado ao meio. Falando em escrita, quem me conhece sabe que se eu não escrevesse estaria na penitenciária. Quem certamente conseguiria me conhecer já esta lá. Se não fisicamente, pelo menos, em espírito.
Eu poderia continuar com essa retórica até amanhecer. Fingindo que sou maligno e violento. Enganaria uma boa parte desse mundo. Se não, pelo menos toda essa cidade de Faustões. Mas não me sinto muito integro comigo mesmo fazendo isso. Sei que depois da janela tem uma multidão que não escreve, no entanto, se babam de tanta retórica impregnada nas suas vidas. Como é que sei disso? Leio o jornal de vez em “quase-nunca”. Me sinto mijado nas calças, cagado nas cuecas, quando leio um jornal. Moscas me rodeiam rindo até doer suas barriguinhas verdes de moscas. O engraçado é que fiz isso hoje. Depois tive a decência de tomar quatro banhos. Acho que peguei gripe do jornal. Tossi sangue bem na foto de um colunista. Eu olhei aquelas mentes débil, aquelas frases ensaiadas no espelho do banheiro. Era como uma adolescente que compra uma saia curta para ir a um baile de interior e tragicamente descobre que esta gorda demais, branca demais, chora, a mãe aparece no quarto e diz: Filha deixa de ser criança! Vista esta saia que seus amigos estão te esperando... e ela vai. Agora já estou limpo. Paramos por aqui. Um último lance... Na universidade, no curso de filosofia, um professor me disse: Na escrita filosófica tem de se ter uma preposição, uma proposta para sair da condição que denunciamos. Eu sou um bom aluno. Sério! Então lá vai: Não se matem pessoas dos jornais, apenas queimem a mão na brasa. Aí sim estão aptos para escrever. É claro que não podemos generalizar. Sei que alguns queimaram as mãos na brasa – outros queimaram as mãos dos outros, mas isso é outra história-, mas a desgraça é a regra.
Voltando a falar de inferno e céu, se somos pesados todos os dias para que no fim das contas, no dia do juízo final, Deus nos diga: vai subir...(ou)... vai descer! Se no céu temos de deixar toda nossa maldade para trás – a menor porção que for-, no inferno, pelo menos, podemos levar tudo. Até nossa porção de bondade – por menor porção que for. Ouvi falar, da boca de um espiritista (que já foi prá lá e já voltou e agora pretende ir para lá novamente), que no inferno toca, ininterruptamente, a dança da manivela. Sito: “Tá frio tá quente, tá frio, muito quente”. Que lá rola uma festa. Porém só vai para o inferno veados (e políticos, que é a mesma coisa que veado – só que falam mais e apertam a mão dos outros- de terno), evangélico e pessoas que escrevem de forma análoga a mim. Disse-me o sujeito do predicado, que no céu é parecido. Toca a dança da manivela em versão gospel. Sito: “Tá frio e bom, aleluia, tá frio e tá muito bom”. A diferença gritante é que no céu tem mulheres. Todas velhas, mas tem.
Para concluir – tenho que parar, estou com muita tosse-, antes que alguém se preocupe comigo, furei os tímpanos do meu espírito com um cigarro. E aproveito esse texto para mandar um abraço para o Holing Wolf e o Albert King, no mais, é tudo retórica: “Menos eu, que sou rei e como carne de galinha”.

r.A.- O único culpado do desmatamento na floresta negra.

Um comentário:

Ivandro disse...

GANHOU UMA PÁGINA NA REVISTA. MUITO BOM!