terça-feira, 3 de agosto de 2010

Em direção ao exterior do bairro, graças a Deus.

Alguns dias atrás eu estava em uma pequena locadora escolhendo alguns filmes quando alguém anunciou um assalto. Porém, o assaltante em exercício, atrapalhou-se com a porta da locadora (que estava entreaberta, prestes a fechar) e presumi eu, na vergonha de falhar como um assaltante, com medo dos possíveis risos das pessoas (embora ele tivesse um revólver na mão), ele fugiu. Continuei lendo a sinopse de um filme ridículo sobre nômades e guerras – não que eu seja um cara fodão que não tem medo de nada, na verdade tive um momento de consciência óbvia: não tinha nenhum dinheiro e apesar da arma, o assaltante, tinha a metade da minha altura e um terço da minha massa corporal- enquanto o dono da locadora, um sujeito baixinho e orelhudo, ligava para a polícia. As pessoas tremiam enquanto um garoto magro , imaginei que não passava dos 7 anos, disse para o seu pai gordinho: Pai, o senhor não teve medo? O pai, que jurei que estava com as calças molhadas (e não tinha chovido naquela noite) olhou profundamente nos olhos do filho e disse: Meu filho! Nós nunca devemos mostrar medo ao perigo. Aprenda essa lição do seu pai! Nunca demonstre medo! Pensei cá no meu canto: Não demonstre, se mije, mas não demonstre o mijo. E as outras pessoas na locadora tiveram um momento comovente – fora eu, que pensava: que raios passaram pela cabeça de um diretor e um grupo de atores para fazer um filme daqueles...-, a primeira que se pôs a falar foi uma evangélica quarentona e enrugada: Ele sentiu é o poder de Deus, por isso fugiu! Que glória! Eu ri no meu canto e pensei (sim, eu penso demais nessas horas inoportunas): Dá próxima vez, pede para Deus evitar que você vire os olhos e ameace desmaiar. No telefone, o dono da locadora passou a descrição do assaltante para a polícia: Ele estava de capacete... Não consegui ver o rosto dele, mas é um cara conhecido... Me pareceu familiar, provavelmente frequenta a locadora... Roupa? Ele usava um casaco preto... De couro... isso, de motoqueiro. Sozinho? Não lembro... (O senhor que dava sua aula para o filho gritou: Dois! Estavam em dois!)... Dois ... Estavam em dois. Que direção tomaram? ( A evangélica disse: para o interior do bairro, graças a Deus)... Tomaram a direção do interior do bairro, graças a Deus...Estavam de moto... DE MOTO... Que moto era? (Essa o cara da locadora sabia responder. Haviam folders de um encontro de moto sob o balcão ao lado do computador...) olha, pelo ronco era uma titã... 96 eu acho... Azul ou preta... (?) Vocês vão vir logo?... EI, VOCÊS VÃO... As pessoas olhavam para o dono da locadora que estava com o telefone na mão. Desligou, ele disse. O dono correu até a porta e trancou-a. Correu de volta para trás do balcão. Sua mulher e assistente estava calma. Parecia mais uma garota que casou muito nova. Baixa e bochechuda. Conferia as unhas que pintara cedo, e agora, roía a tinta. A evangélica rezava. O garoto olhava para o pai com admiração. Eu peguei outro filme e comecei a ler a sinopse. O pai conferia as calças com as mãos. As outras pessoas cochichavam. Alguém bateu na porta. As pessoas se olharam e começaram a tremer mais uma vez. Mas que palhaçada eu achei de um filme sobre cobras mutantes!... Dá próxima vez, peça a seu Deus para que as pessoas parem de fazer filmes burros, pensei enquanto olhava para a evangélica que rezava. O dono da locadora disse: ..q...quem é? – sua voz quase não saiu...- QUEM É? Do outro lado da porta ouvi: Sou eu! – uma voz grossa- Pensei: As pessoas têm certa dificuldade de comunicação...
_é o JOÃO!
_Da empresa de segurança?- o dono da locadora colocou a mão em baixo do balcão, (achei que ele tinha uma arma, mais tarde ele disse que pensava em jogar um pouco de dinheiro no chão e chutar para debaixo do balcão).
Se fosse eu, diria: Não, eu sou assaltante! Voltei para saber do que é que vocês estão rindo cambada! Me dêem mais uma chance que vou mostrar para vocês quem é que vai rir agora! Mas não era eu...
_Sim. O João da empresa de segurança.
Vi o pai gordinho escondido atrás de uma prateleira de filmes de faroeste. Quem diria Clint Eastwood! Ele notou meu olhar. Limpou a garganta: arrum-rum! Com o punho fechado na frente da boca. Ajeitou o terno azul. Mexeu na gravata. Olhou sério para mim com um: A vá! Que que tá olhando para minha demonstração de medo? O filho olhou para o pai. Deve ter pensado: Belo truque pai! É isso mesmo meu herói. Agora esta confundindo todo mundo para dar o bote! Esse é meu pai. Uma jibóia. Rápido como o ataque de uma aranha. Eu pensei: Astuto como uma... galinha? Galinha. Não, estou mentindo. Não pensei dessa vez.
O João entrou em ação. Foi profissional. Assim que destrancada a porta entrou com sua roupa preta e um sorriso de canto de boca. Um cara grande. Um Alemão parecido com um soldado nazista.
_tem café aí?
Enquanto tomava o café olhou todos os cantos da locadora quadrada que não tinha nem um lugar para se esconder... Mas vai saber... E se tivesse um fantasma em um canto? Encarei o Bruce Willis. Ele tinha uma pistola na mão. Um sorriso de desdém. É esse mesmo! Sorri para a morte. Certamente saberia o que fazer numa hora dessas... Saberia até, presumi pelo sorriso, o que pensar numa hora dessas. Peguei o bicho.
_Paga na volta ou agora?
Sorri como o Bruce Willis – quer dizer, eu acho que sorri como ele.
_Na volta!
João prosseguiu com o profissionalismo: Não se preocupe, ele não vai voltar. Se voltar, ligue para esse número. Aconselho você a fechar a locadora! – Que profissional! E eu achando que era o cara porque leio Sartre...- Já ligou para a polícia?
Ah se fosse eu...
_Não! Com uma quarentona que tem contato direto com Deus, um pai mijado, um filósofo que lê Sartre e uma esposa bochechuda... Não preciso de polícia! Disparei o alarme só para te chamar para tomar um café comigo! Olhar os cantos... Ali, veja! Acho que o demônio do filme O exorcista esta sentando tomando café! Sente ali com ele, tome um café, tem café para todo mundo! Aliás, ô papai mijão, ô patroa de Deus, ô leitor de Sartre – como é que alguém se chama Sartre?- sentem ali, sim, eu vou sentar também, vamos tomar café, rezar, ler Sartre, não precisamos de polícia... eu tenho certeza que o assaltante vai voltar e quando ele voltar vamos rir dele, dizer para ele que o ser-para-si não é o mesmo que o ser-em-si, que ele não é onde diz ser, ou seja, o passado, que ele é onde não é, ou seja, o futuro... será uma noitada daquelas!
O dono da locadora desligou as luzes. As pessoas foram saindo. O pai gordinho, de mão dada com o filho tropeçou no tapete da porta. Olhou para mim novamente. Sorri como o Bruce Willis. Desta vez pensei: Astuto como uma galinha! A uma quadra de casa passei pelo carro da polícia. Ainda bem que não foi o Conan que saiu de um filme e começou a decepar cabeças na locadora! Pena que não aluguei O exorcista, eu conseguiria rir disso essa noite. Cheguei em casa. Em direção ao exterior do bairro, graças a Deus.


r.A.

Um comentário:

Ivandro disse...

Tem certeza que não tava chovendo?