segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"Não há vida correta na falsa" - Theodor W. Adorno



Alguns dias se passaram até que eu desisti da ideia de escrever alguma coisa sobre arte contemporânea para terminar aquele tal “Utopia de bêbado filósofo”. Passei dias de vazio, sem nenhuma inspiração, sem a mínima vontade de pronunciar palavra alguma. Pensei: Porra será que eu morri? Soube que fraudaram uma exposição em Chapecó, digo, inventaram um curador (que nem tem formação em curadoria) para fazer uma exposição em um desses lugares falidos que se dizem lugares de cultura da já citada cidade. Pensei: Ora, se nem os artistas plásticos dessa cidade se dão ao luxo de lutar por algo descente para eles... Não tenho motivo algum para escrever algo – além do mais, li livros que são obrigatórios para qualquer acadêmico de artes visuais e curador (Archer, Cauquelin), eles leram esses mesmos livros e nada fizeram de grandioso -, os artistas dessa cidade me decepcionam (salvo os que sabem que se salvam dessa crítica)! Então para não perder esse parágrafo vou resumir assim: É óbvio para mim que quem for nessa exposição só vai ver (palavra inapropriada para essa hora...). Não vou citar aqui o lugar, mas se quiserem saber me perguntem pessoalmente (ou por depoimento no Orkut da banda Sodoma H.) que eu respondo. E, por fim, algo ficou esclarecido para mim. Em Chapecó, as pessoas deveriam tomar muitas lições de ética para talvez, um dia, desenvolverem aquilo que a linguagem mais popular denomina: Vergonha na cara.
Depois desse não “disso”, concentrei minhas energias para fazer a melhor apresentação possível para amigos muito caros a mim no café brasiliano. No começo nos enrolamos um pouco (André e eu- Sodoma H.), difícil nos acostumarmos com o ambiente (montamos nossas máquinas de fazer poesia em um lugar que dava eco) e com pessoas sentadas. Mas cada sorriso, cada olhar, cada aplauso, nos deu energia para executarmos nossos novos poemas – E outros antigos-, a propósito, só para constar: NOSSOS! Enquanto isso, em outros pontos da cidade, a velha máfia da “música” estava fincando aquela velha vitrola riscada na mente das pessoas. Há um motivo? Sim: Há quem goste! Eu sinto muito por isso, pois, há um grande número de jovens montando novas bandas para mostrar novas músicas, para renovar essa cultura empoeirada (empoleirada?) , no entanto, os que se dizem músicos e os que se dizem artistas, na sua maioria, se encontra no mata-mata (regrinha básica do capitalismo interiorizado na subjetividade de alguns...)! Como é que isso entrou na cabeça dessas figuras? Quando foi que invés de lutar por espaços começou-se lutar contra os que querem um espaço para propor algo? Esses músicos (cabeça) de cove (r), não escutam nem se quer as músicas que fazem cover? Não me recordo do Led Zeppelin, Black Sabath, Hendrix , The doors terem dito: Fechem as portas! Ganhem dinheiro nos plagiando! Interrompam a história do rock! Vocês acreditariam se eu lhes dissesse que há quem gosta de ser “banana”? Atendi o telefone no sábado de madrugada:
_Alô?
_Oi, você não vai vir aqui no “x” ver o pessoal tocar um rock?
_Sério que estão tocando aí? Que banda é?
_Não sei... Mas estão tocando Hendrix igualzinho!
_É o Jimi Hendrix?
_Claro que não né tchó!
_... Quando o Hendrix aparecer, me chame... Sinto muito, mas estou cansado, sabe, fiz música ontem, toquei minhas próprias músicas, sabe, isso requer um pouco mais do que ficar me exibindo e violando o cadáver do Hendrix...
_...
No domingo abro meus e-mails e me convidam para uma exposição. Porra, mas eu conheço esses trabalhos, são os mesmos de dois, três, quatro anos anteriores... Será que essa gente não tem vergonha de ficar de torrando o saco fazendo sempre a mesma coisa e expondo sempre a mesma coisa e ainda assim carregando crachás de artistas no lombo? Uma amiga, dia desses, disse que eu não sei conviver com a diferença. Como? É justamente a diferença que eu estou reivindicando há algum tempo!
O mesmo refrão idiota um mês, um ano, dois anos, três anos, quatro anos, na rádio mais versátil e descolada da cidade. Pensei: Porra será que eu morri e estou em um poço do inferno, aonde os que chegam, devido ao excesso de contingentes são lançados? Tudo bem, eu posso com minha banda (ou dupla, ou o que quer que seja isso...) fazer a diferença. Mas eu quero ver também outras coisas, quero assistir bandas propondo coisas, não chorando que nem uns bebês no palco ( “ai... ela não me ama... ai... vou trair ela com a nona dela... ai... eu sou um sertanejo/roqueiro/punk/cristão/filho/filha/puta/puto/etc... infeliz...”). Quando alguém me diz que estamos vivendo um caos nessa cidade eu pergunto: Diga-me uma coisa, que exposições estão acontecendo nos centros de arte dessa cidade? O que o povo anda vendo nos jornais? O que esta tocando na rádio? O que aconteceu na Efapi na última quarta-feira? Que canções esse povo anda cantando mentalmente por aí? Depois de me responderem (e se responderem) isso, se tiverem coragem mesmo para dizer que estamos em um caos, que os jovens não têm mais nenhum tipo de limite (ético, não imposto por leis e normas) eu retruco: Vai te mexer cabra! Não fica alugando minhas orelhas dizendo que estamos ferrados! Faça alguma coisa. Deve ser por isso que ninguém mais reclama – ninguém tem coragem de fazer algo. Somos reféns dos bandidos, me disse o cara do jornal às 12:15 hrs. Eu respondi ele, na mesa, para o espanto de mim mesmo: TEU CU! SOMOS REFÉNS E DE NOSSOS TRASEIROS PREGUIÇOSOS E ESTÚPIDOS! A cada dia que ficamos fuçando em sites na internet, aplaudindo toda essa montanha de lixo, toda essa pose de nada (nádegas), estamos tornando essa cidade, esses bairros, essas casas/apartamentos, nosso corpo, nossa mente, nossa alma, uma extensão do aterro sanitário. (Há um diferencial) Pelo menos lá, se enterra a merda, não se expõe para essa multidão aplaudir, para esses jornalistas explorar a ruína.
Portanto hoje, meus amigos (parece discurso político né? E no fundo, é), invés de vocês comentarem: Bom texto, parabéns, é verdade, eu penso o mesmo... Vão fazer algo a respeito disso tudo, e se serve de ponto base, saibam que eu fiz três vezes mais do que podia esse fim de semana.

r.A. – ele tá revoltadinho? Tá sim, e daí?

Nota: Leia esse como o último texto das utopias de bêbado filósofo. De agora em diante, os versos serão mais pesados.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma canção vagabunda

Às vezes a gente afunda na merda e vai sair do outro lado: No inferno. Quando estou no inferno é como se eu jogasse na minha mesa de sinuca favorita. Como se eu ligasse o rádio e lá estivesse começando uma de minhas canções. Como se eu estivesse procurando um babaca para xingar e do nada o babaca entra no bar com um sorriso no rosto, um rosto redondo, uma babaquice estampada no fundo dos olhos, com as mãos em posição de reza, implorando uma frase retirada da bota do capeta, daquelas que eu me destaco no momento em que tudo esta alinhado. Mas absolutamente nada disso esta acontecendo. Quem me conhece sabe que não sei jogar sinuca (felizmente para os jogadores de sinuca...) e minhas canções não tocam na rádio (não tenho nenhum talento, que droga, que lástima, que vergonha que tenho na cara). Que prefiro abaixar a cabeça para os babacas. Guardar os murros no bolso e transmutá-los em escrita não é necessariamente desperdiçá-los. Quem me conhece sabe que estas coisas estão acontecendo comigo e isso é quase o céu. Estar no céu para mim é estar cortado ao meio. Falando em escrita, quem me conhece sabe que se eu não escrevesse estaria na penitenciária. Quem certamente conseguiria me conhecer já esta lá. Se não fisicamente, pelo menos, em espírito.
Eu poderia continuar com essa retórica até amanhecer. Fingindo que sou maligno e violento. Enganaria uma boa parte desse mundo. Se não, pelo menos toda essa cidade de Faustões. Mas não me sinto muito integro comigo mesmo fazendo isso. Sei que depois da janela tem uma multidão que não escreve, no entanto, se babam de tanta retórica impregnada nas suas vidas. Como é que sei disso? Leio o jornal de vez em “quase-nunca”. Me sinto mijado nas calças, cagado nas cuecas, quando leio um jornal. Moscas me rodeiam rindo até doer suas barriguinhas verdes de moscas. O engraçado é que fiz isso hoje. Depois tive a decência de tomar quatro banhos. Acho que peguei gripe do jornal. Tossi sangue bem na foto de um colunista. Eu olhei aquelas mentes débil, aquelas frases ensaiadas no espelho do banheiro. Era como uma adolescente que compra uma saia curta para ir a um baile de interior e tragicamente descobre que esta gorda demais, branca demais, chora, a mãe aparece no quarto e diz: Filha deixa de ser criança! Vista esta saia que seus amigos estão te esperando... e ela vai. Agora já estou limpo. Paramos por aqui. Um último lance... Na universidade, no curso de filosofia, um professor me disse: Na escrita filosófica tem de se ter uma preposição, uma proposta para sair da condição que denunciamos. Eu sou um bom aluno. Sério! Então lá vai: Não se matem pessoas dos jornais, apenas queimem a mão na brasa. Aí sim estão aptos para escrever. É claro que não podemos generalizar. Sei que alguns queimaram as mãos na brasa – outros queimaram as mãos dos outros, mas isso é outra história-, mas a desgraça é a regra.
Voltando a falar de inferno e céu, se somos pesados todos os dias para que no fim das contas, no dia do juízo final, Deus nos diga: vai subir...(ou)... vai descer! Se no céu temos de deixar toda nossa maldade para trás – a menor porção que for-, no inferno, pelo menos, podemos levar tudo. Até nossa porção de bondade – por menor porção que for. Ouvi falar, da boca de um espiritista (que já foi prá lá e já voltou e agora pretende ir para lá novamente), que no inferno toca, ininterruptamente, a dança da manivela. Sito: “Tá frio tá quente, tá frio, muito quente”. Que lá rola uma festa. Porém só vai para o inferno veados (e políticos, que é a mesma coisa que veado – só que falam mais e apertam a mão dos outros- de terno), evangélico e pessoas que escrevem de forma análoga a mim. Disse-me o sujeito do predicado, que no céu é parecido. Toca a dança da manivela em versão gospel. Sito: “Tá frio e bom, aleluia, tá frio e tá muito bom”. A diferença gritante é que no céu tem mulheres. Todas velhas, mas tem.
Para concluir – tenho que parar, estou com muita tosse-, antes que alguém se preocupe comigo, furei os tímpanos do meu espírito com um cigarro. E aproveito esse texto para mandar um abraço para o Holing Wolf e o Albert King, no mais, é tudo retórica: “Menos eu, que sou rei e como carne de galinha”.

r.A.- O único culpado do desmatamento na floresta negra.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Em direção ao exterior do bairro, graças a Deus.

Alguns dias atrás eu estava em uma pequena locadora escolhendo alguns filmes quando alguém anunciou um assalto. Porém, o assaltante em exercício, atrapalhou-se com a porta da locadora (que estava entreaberta, prestes a fechar) e presumi eu, na vergonha de falhar como um assaltante, com medo dos possíveis risos das pessoas (embora ele tivesse um revólver na mão), ele fugiu. Continuei lendo a sinopse de um filme ridículo sobre nômades e guerras – não que eu seja um cara fodão que não tem medo de nada, na verdade tive um momento de consciência óbvia: não tinha nenhum dinheiro e apesar da arma, o assaltante, tinha a metade da minha altura e um terço da minha massa corporal- enquanto o dono da locadora, um sujeito baixinho e orelhudo, ligava para a polícia. As pessoas tremiam enquanto um garoto magro , imaginei que não passava dos 7 anos, disse para o seu pai gordinho: Pai, o senhor não teve medo? O pai, que jurei que estava com as calças molhadas (e não tinha chovido naquela noite) olhou profundamente nos olhos do filho e disse: Meu filho! Nós nunca devemos mostrar medo ao perigo. Aprenda essa lição do seu pai! Nunca demonstre medo! Pensei cá no meu canto: Não demonstre, se mije, mas não demonstre o mijo. E as outras pessoas na locadora tiveram um momento comovente – fora eu, que pensava: que raios passaram pela cabeça de um diretor e um grupo de atores para fazer um filme daqueles...-, a primeira que se pôs a falar foi uma evangélica quarentona e enrugada: Ele sentiu é o poder de Deus, por isso fugiu! Que glória! Eu ri no meu canto e pensei (sim, eu penso demais nessas horas inoportunas): Dá próxima vez, pede para Deus evitar que você vire os olhos e ameace desmaiar. No telefone, o dono da locadora passou a descrição do assaltante para a polícia: Ele estava de capacete... Não consegui ver o rosto dele, mas é um cara conhecido... Me pareceu familiar, provavelmente frequenta a locadora... Roupa? Ele usava um casaco preto... De couro... isso, de motoqueiro. Sozinho? Não lembro... (O senhor que dava sua aula para o filho gritou: Dois! Estavam em dois!)... Dois ... Estavam em dois. Que direção tomaram? ( A evangélica disse: para o interior do bairro, graças a Deus)... Tomaram a direção do interior do bairro, graças a Deus...Estavam de moto... DE MOTO... Que moto era? (Essa o cara da locadora sabia responder. Haviam folders de um encontro de moto sob o balcão ao lado do computador...) olha, pelo ronco era uma titã... 96 eu acho... Azul ou preta... (?) Vocês vão vir logo?... EI, VOCÊS VÃO... As pessoas olhavam para o dono da locadora que estava com o telefone na mão. Desligou, ele disse. O dono correu até a porta e trancou-a. Correu de volta para trás do balcão. Sua mulher e assistente estava calma. Parecia mais uma garota que casou muito nova. Baixa e bochechuda. Conferia as unhas que pintara cedo, e agora, roía a tinta. A evangélica rezava. O garoto olhava para o pai com admiração. Eu peguei outro filme e comecei a ler a sinopse. O pai conferia as calças com as mãos. As outras pessoas cochichavam. Alguém bateu na porta. As pessoas se olharam e começaram a tremer mais uma vez. Mas que palhaçada eu achei de um filme sobre cobras mutantes!... Dá próxima vez, peça a seu Deus para que as pessoas parem de fazer filmes burros, pensei enquanto olhava para a evangélica que rezava. O dono da locadora disse: ..q...quem é? – sua voz quase não saiu...- QUEM É? Do outro lado da porta ouvi: Sou eu! – uma voz grossa- Pensei: As pessoas têm certa dificuldade de comunicação...
_é o JOÃO!
_Da empresa de segurança?- o dono da locadora colocou a mão em baixo do balcão, (achei que ele tinha uma arma, mais tarde ele disse que pensava em jogar um pouco de dinheiro no chão e chutar para debaixo do balcão).
Se fosse eu, diria: Não, eu sou assaltante! Voltei para saber do que é que vocês estão rindo cambada! Me dêem mais uma chance que vou mostrar para vocês quem é que vai rir agora! Mas não era eu...
_Sim. O João da empresa de segurança.
Vi o pai gordinho escondido atrás de uma prateleira de filmes de faroeste. Quem diria Clint Eastwood! Ele notou meu olhar. Limpou a garganta: arrum-rum! Com o punho fechado na frente da boca. Ajeitou o terno azul. Mexeu na gravata. Olhou sério para mim com um: A vá! Que que tá olhando para minha demonstração de medo? O filho olhou para o pai. Deve ter pensado: Belo truque pai! É isso mesmo meu herói. Agora esta confundindo todo mundo para dar o bote! Esse é meu pai. Uma jibóia. Rápido como o ataque de uma aranha. Eu pensei: Astuto como uma... galinha? Galinha. Não, estou mentindo. Não pensei dessa vez.
O João entrou em ação. Foi profissional. Assim que destrancada a porta entrou com sua roupa preta e um sorriso de canto de boca. Um cara grande. Um Alemão parecido com um soldado nazista.
_tem café aí?
Enquanto tomava o café olhou todos os cantos da locadora quadrada que não tinha nem um lugar para se esconder... Mas vai saber... E se tivesse um fantasma em um canto? Encarei o Bruce Willis. Ele tinha uma pistola na mão. Um sorriso de desdém. É esse mesmo! Sorri para a morte. Certamente saberia o que fazer numa hora dessas... Saberia até, presumi pelo sorriso, o que pensar numa hora dessas. Peguei o bicho.
_Paga na volta ou agora?
Sorri como o Bruce Willis – quer dizer, eu acho que sorri como ele.
_Na volta!
João prosseguiu com o profissionalismo: Não se preocupe, ele não vai voltar. Se voltar, ligue para esse número. Aconselho você a fechar a locadora! – Que profissional! E eu achando que era o cara porque leio Sartre...- Já ligou para a polícia?
Ah se fosse eu...
_Não! Com uma quarentona que tem contato direto com Deus, um pai mijado, um filósofo que lê Sartre e uma esposa bochechuda... Não preciso de polícia! Disparei o alarme só para te chamar para tomar um café comigo! Olhar os cantos... Ali, veja! Acho que o demônio do filme O exorcista esta sentando tomando café! Sente ali com ele, tome um café, tem café para todo mundo! Aliás, ô papai mijão, ô patroa de Deus, ô leitor de Sartre – como é que alguém se chama Sartre?- sentem ali, sim, eu vou sentar também, vamos tomar café, rezar, ler Sartre, não precisamos de polícia... eu tenho certeza que o assaltante vai voltar e quando ele voltar vamos rir dele, dizer para ele que o ser-para-si não é o mesmo que o ser-em-si, que ele não é onde diz ser, ou seja, o passado, que ele é onde não é, ou seja, o futuro... será uma noitada daquelas!
O dono da locadora desligou as luzes. As pessoas foram saindo. O pai gordinho, de mão dada com o filho tropeçou no tapete da porta. Olhou para mim novamente. Sorri como o Bruce Willis. Desta vez pensei: Astuto como uma galinha! A uma quadra de casa passei pelo carro da polícia. Ainda bem que não foi o Conan que saiu de um filme e começou a decepar cabeças na locadora! Pena que não aluguei O exorcista, eu conseguiria rir disso essa noite. Cheguei em casa. Em direção ao exterior do bairro, graças a Deus.


r.A.