“Eu sempre consegui pegar alguém”.
_Beckett. O inominável.
Tudo bem se essa garota que acabou de
entrar no bar dispara esse olhar sem vergonha na sua direção. Então ocorre que
você que já passou dos 25 anos e continua sem ninguém – e provavelmente continuará
assim por mais dez anos, mas jamais sozinho plenamente- entende como isso tudo
funciona. Porque as noites de calor para sujeitos comuns como você são
generosas se souber fazer de conta que merece mais do que vale. Ainda não é
deprimente, pode piorar.
Então ela vai até o banheiro, lá nos
fundos, e retorna com a maquiagem retocada e se não fosse aquele olhar com o
canto dos olhos e o sorriso com o canto dos lábios, tudo seria algo de
indiferente. Outra cerveja chega na sua mesa – e seu colega magrelo enche os
copos – e outra cerveja chega na mesa dela com suas amigas rindo sonoramente
para demonstrar uma diversão natural. Natural?
Chega sua vez de andar pelo bar com sua
botina descolada e todos reparam – quando disse descolada é descolada mesmo,
não é que é uma botina “bacana”, é que precisa de um sapateiro! – e aquela
garota te acompanha com a cabeça e sacode as mechas sob os olhos.
Note que você pensa em outras, outras
garotas que não souberam lhe dar esse pouco que merece e você poderia obter
isso sem tanto esforço e encrencas descartáveis. Se não perceber que foi um boboca
até o momento, talvez essa seja a ocasião.
Em um segundo pode lhe cair a ficha que
faltava: tudo que vivi me trouxe até aqui? Foi para isso que trilhei ruas
escuras em noites vazias ouvindo papo furado de imbecis? E você vai saber que
não está morto! Bem vivo, rapaz.
Quantas garotas podem lhe comparar com
outros caras que lhe trataram muito bem, mas não foi o suficiente? Todas? E
aquelas histórias todas que desperdiçou seus ouvidos para entender apenas que é
dispensável? E aí você repara que foi sempre um burro, sempre tratado como um
resto. Sabe muito bem que alguém lhe dirá:_ Não, não é isso, você não está me
entendendo...
Ria.
Não esqueça de rir. O romantismo ficou
lá para os alemães antes da segunda grande guerra. Você leu um pouco e sabe
como essa história toda termina. Fique esperto, garotão. Tudo é mais simples do
que imagina.
Você termina sua ronda no bar e lá está
ela acendendo um cigarro. Daí você se aproxima e puxa assunto, falando de um
velho clássico do Rock. Ela finge prestar atenção porque no fundo todos fingem
do mesmo jeito quando as intenções são evidentes.
Sua vida está acabando, pense nisso.
É hora de acordar para a realidade. As
coisas são bem menos bonitas e bem menos fantásticas do que você queria. E embora
estejam todos de olho em uma bela história é a poeira negra e os fluídos
medíocres que sobram.
O sexo é fácil e as declarações de amor
impertinentes. Percebeu que depois de um longo período tentando mudar foi
apenas seu excesso de imaginação que alimentou?
Agora sabe o que para mim tanto faz?
Ocorre que você jamais será como eles. Não nasceu para isso. Felizmente – como naquele
poema - : Nascemos apartados.
Amém.
r.A.
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