Você pode fazer muitas coisas divertidas
quando o amor se aproxima e a melhor delas envolve tiro na têmpora. Nessas
horas lamento por ter feito discursos sobre o desarmamento. Agora sou eu me
assistindo sofrer com uma coisa que deveria me fazer sorrir (e faz, estou
sorrindo).
Você se esconde em um apartamento
barato sem mobílias e tão decadente quanto seu espírito. Mas uma garota pode
bater na sua porta e trazer uma punhalada de presente. Sempre tem dessas
espertinhas na espreita. Cravam os dentes nos seus lábios e injetam um veneno
destruidor. A faca, a mordida e o veneno, ela fez com que me encontrassem.
Você pode sobreviver se tiver uma garrafa
de vinho para o inverno e um engradado de cervejas para o verão. Pode desbravar
os cantos mais escuros da sua solidão enquanto acende um cigarro atrás de outro.
E as coisas funcionam desse jeito. Sem nenhum tipo de jogo, sem nenhum
mistério, sem nenhum propósito além de esperar o dia terminar. Ninguém lhe
perguntará os motivos de levar uma vida assim – e isso evitará que você minta.
O problema é conhecer alguém capaz de
te arrancar da solidão, capaz de fazê-lo confessar em gestos e palavras, tudo
que sente. De repente você descobre que se importa, de repetente começa achar
que não pode viver sem uma determinada pessoa. Seu esconderijo desmorona e seu
coração perdido passa a bater fora do corpo. E a campanha do desarmamento passa
a te fazer mudar de ideia.
Você consegue, se quiser, ir até o
mundo das coisas perdidas de uma garota e retornar. Depois que sua máscara cair
e seus velhos truques forem milimetricamente calculados, há sempre a
possibilidade de você não conseguir voltar desse mundo das coisas perdidas. Foi
o pior lugar que eu conheci nessa vida – e olha que já estive em bailes
sertanejos.
Você pode fazer muitas coisas
divertidas quando o amor se aproxima. E se não tiver uma pistola, às vezes é
melhor encarar o amor nos olhos. Ele jamais será gentil, te arrastará no chão e
baterá na sua cara com todas as baboseiras que você disse. Se você cresceu
ouvindo Nirvana e subitamente uma canção do Guns n’Roses passar a fazer sentido
para você... entenda que se fodeu.
Ontem, depois de pedir para uma pessoa
não voltar mais para minha vida, perdi as forças nas pernas e sentei na beirada
de uma avenida para chorar. Você não acredita que perto dos trinta anos ainda é
capaz de chorar desesperadamente por alguém – até que aconteça. E no mundo das
coisas perdidas de uma garota, com palhetas de violão, amores antigos, um pai
morto, você começa a considerar que ter ido para o inferno poderia ser muito
melhor que isso.
_Moço...
você está bem? – me pergunta uma senhora com suas sacolas de compras. _Moço,
por que está chorando desse jeito? Foi assaltado?
Começo
a rir. Tiro os óculos e enxugo os olhos na manga da camisa. Na camisa está
escrito que o Amor nos apartará.
_Fui
assaltado. E me levaram tudo nessa madrugada. – Respondo com um sorriso no
canto dos lábios.
_Moço,
vamos chamar a polícia. – Diz a senhora, dando tapinhas no meu ombro.
“Não existe polícia para esse tipo de
crime”. Rosno como um cão. Levanto e ando com passos rápidos na direção do meu
esconderijo desmoronado. Sentindo vergonha de mim.
Peço desculpas. Mas desculpas não são suficientes
– se existe uma coisa ridícula nessa vida é pedir desculpas, pode anotar. Não
quero ficar nesse mundo de coisas perdidas! Mas é o território que conquistei
por ser idiota demais, por ter existido como achei que era apropriado para mim.
Me deparei com um velho adolescente que vendeu a alma para salvar a intensidade.
E foi justamente a intensidade que se transformou em desculpas e proporcionou a
matéria prima para construir minha casinha nesse mundo das coisas perdidas.
Você pode fazer valer a pena o amor que
se aproxima, ser homem pelo menos uma vez, assumir -sem titubear- seus
sentimentos. Se entregar, se der. E amigos e família de alguém, quem sabe, sejam
simpáticos com sua existência de palhaçadas. Otimismo? Porque o que importa é
não recuar quando as coisas valem a pena. Agora eu posso dizer isso, a gente só
dá conselhos que não funcionaram, porque era tarde demais.
Você pode ser alguma coisa parecida
comigo, e se for, deve ter se metido em cada encrenca sem sentido que não há
mais nada que se possa fazer. Quando o amor se aproximar, se esse for seu caso,
fará alguma coisa para estragá-lo antes do sol nascer. E se arrependerá, cara. Se
arrependerá pela simples razão de que você poderia ter sido feliz e bem
resolvido. Exceto por ter sido autêntico sem fé na autenticidade.
Francamente (e fracamente), eu não quero
estar onde estou e sentindo o que sinto – me responsabilizando pelas coisas que
estraguei pra valer. Só que agora é tudo que me restou e eu escrevo sobre isso.
Você pode fazer muitas coisas divertidas
quando o amor se aproximar, ao menos que você seja eu.
r.A.
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