sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Breve reflexão ao longo de uma caneca de café e oito cigarros




         O mundo de um adulto, solteiro, morando sozinho em São Paulo, poderia ser o sonho de independência para um adolescente caipira; mas oculta suas armadilhas. O que chamam de responsabilidade no fundo é pagar as contas em dia: nada mais. E o que já foi um sonho, agora, é algo pantanoso.
         Você acredita que eu tento colorir esse pântano?
         Os livros são mais interessantes do que 99,9% das pessoas (desde que se saiba escolher entre aqueles que foram escritos pelos motivos certos). Mas os livros não acariciam seu rosto em tardes tristes e não riem de suas piadas malvadas. Depois de reduzir a vida a pequenos caprichos, ganhar as ruas é bastante sedutor.
         Nunca fui do tipo que encara os olhos das pessoas enquanto conversa, porém, fui obrigado a aceitar que esse era o único jeito de sobreviver em uma megalópole. Existe um canto na córnea que brilha assustadoramente quando alguém quer te enganar e um músculo na boca que treme quando alguém quer ser sincero com você. Aprendi, depois de cair em vários truques, uma desconfiança que é um estado constante de alerta: só que isso cansa.
 Hoje estou cansado das pessoas.
         Todo cansaço, quando demasiado, te isola – isso me lembra a poética do cemitério de elefantes. E durante meus dias, meses e anos de puro isolamento, me ensinaram a peneirar minha “humanidade”. Solitário, caído dentro de mim, encontrei a imagem pela qual fui avaliado a maior parte de minha existência: imagem criada por amigos, inimigos, namoradas e familiares. E o que foi que eu fiz? Acertei-lhe uma boa marretada e assisti, com um sorriso no canto dos lábios, um ideal virar pedaços. Por um momento você se sente livre, sabia? Por um momento...
         Agora pouco conversava com um velho amigo sobre essas coisas. Disse-lhe que continuo tão caótico quanto era aos quinze anos e ele me devolveu: Você está muito diferente e foram só os seus problemas que se tornaram mais complexos.
_Acho que você está certo, cara.
 (e não estou sendo irônico – como de costume).
O sentimento que trago comigo é de não ter um lugar e nem alguém para quem voltar. Tornei-me um cigano armado sem bando e um palhaço que caiu do caminhão do circo numa cidade estranha e hostil. Não pense que lamento por isso. Quando consigo rir, minha risada penetra até nos meus ossos trincados.
No decorrer dos últimos anos eu fui um cafajeste, um charlatão e só me sentia vivo dentro de confusões absurdas que sentia prazer em provocar. Atirava com uma precisão quase invejável. Por que fiz isso? Porque me pareceu que esse mundo não era para garotos tímidos buscando a verdade sobre si mesmos, mas para desgraçados sem uma gota de caráter. Pensei: “vencerei nas regras que me negavam acesso ao jogo”. Cá entre nós, foi uma derrota incrível! Confesso que fiz a alegria de meu demônio. Mas veja só.
Uma manhã eu acordei com a pessoa errada na cama. Era eu. Percebi como era fácil ser cretino e difícil ser um homem. Optei, finalmente, pelo difícil. Todas as merdas que deixei para trás, por não achar que deveria resolver, me perseguiram por becos escuros e bares asquerosos. Minhas merdinhas cantavam uma sinfonia mais ou menos assim: “Desista! Não pode mais mudar o que você foi”.
_Eu fui. Admito. Mas agora posso ser outra coisa.
         Um adolescente caipira que sonha com independência é como uma raposa que culpa a galinha e não seu apetite depravado. Você não ouviu falar de uma raposa vegetariana, imagino, mas eu sinto muito pela ingenuidade que perdi. Sinto muito, mas dou o próximo passo e avanço no degrau obscuro.
 Aqui estamos em um deserto mascarado onde todos querem ser vítimas. Ainda somos crianças enfeitando armadilhas. Todas as orações cuspidas em direção ao céu são arrastadas pelo vento e viram chuva ácida. Como foi que um cara como eu mudou tanto ao ponto de não escrever uma linha sem assinar um contrato com a sinceridade? (Sei como foi, mas não vou contar aqui). Talvez seja o medo que se ofendeu comigo e agora pediu um tempo para resolvermos a relação.
         Pelo que fui perdi o direito de mendigar carícias no rosto em tardes tristes e minhas piadas só ofendem. Pelo que sou, embora não possa dizer exatamente o que sou nesse momento, lambo as feridas na esperança que cicatrizem mais rápido. Para esse Rodrigo falar de esperança é porque cavalgou o desespero nos campos do Nada. É claro que escrevo molhando a ponta da pena em um ferimento exposto.
Assim que parar de escrever, tenho que limpar o banheiro, passar pano na cozinha e na sala – o quarto ficará para amanhã. Abrirei um livro depois do banho e espero ter escolhido o certo.


“Na solidão do seu abismo, se for um cara esperto, aprenderá o segredo da nova chance. O lobo finalmente tomará o lugar do velho cão.
E tudo que era desculpa
Agora será chamas.”


r.A.



Observação muito importante:

Não estou deprimido por causa das coisas que estão no texto, de forma alguma. É o banheiro. Ninguém merece limpar o banheiro na sexta-feira.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O mundo de coisas perdidas de uma garota

Você pode fazer muitas coisas divertidas quando o amor se aproxima e a melhor delas envolve tiro na têmpora. Nessas horas lamento por ter feito discursos sobre o desarmamento. Agora sou eu me assistindo sofrer com uma coisa que deveria me fazer sorrir (e faz, estou sorrindo).
         Você se esconde em um apartamento barato sem mobílias e tão decadente quanto seu espírito. Mas uma garota pode bater na sua porta e trazer uma punhalada de presente. Sempre tem dessas espertinhas na espreita. Cravam os dentes nos seus lábios e injetam um veneno destruidor. A faca, a mordida e o veneno, ela fez com que me encontrassem.
         Você pode sobreviver se tiver uma garrafa de vinho para o inverno e um engradado de cervejas para o verão. Pode desbravar os cantos mais escuros da sua solidão enquanto acende um cigarro atrás de outro. E as coisas funcionam desse jeito. Sem nenhum tipo de jogo, sem nenhum mistério, sem nenhum propósito além de esperar o dia terminar. Ninguém lhe perguntará os motivos de levar uma vida assim – e isso evitará que você minta.
         O problema é conhecer alguém capaz de te arrancar da solidão, capaz de fazê-lo confessar em gestos e palavras, tudo que sente. De repente você descobre que se importa, de repetente começa achar que não pode viver sem uma determinada pessoa. Seu esconderijo desmorona e seu coração perdido passa a bater fora do corpo. E a campanha do desarmamento passa a te fazer mudar de ideia.
         Você consegue, se quiser, ir até o mundo das coisas perdidas de uma garota e retornar. Depois que sua máscara cair e seus velhos truques forem milimetricamente calculados, há sempre a possibilidade de você não conseguir voltar desse mundo das coisas perdidas. Foi o pior lugar que eu conheci nessa vida – e olha que já estive em bailes sertanejos.
         Você pode fazer muitas coisas divertidas quando o amor se aproxima. E se não tiver uma pistola, às vezes é melhor encarar o amor nos olhos. Ele jamais será gentil, te arrastará no chão e baterá na sua cara com todas as baboseiras que você disse. Se você cresceu ouvindo Nirvana e subitamente uma canção do Guns n’Roses passar a fazer sentido para você... entenda que se fodeu.
         Ontem, depois de pedir para uma pessoa não voltar mais para minha vida, perdi as forças nas pernas e sentei na beirada de uma avenida para chorar. Você não acredita que perto dos trinta anos ainda é capaz de chorar desesperadamente por alguém – até que aconteça. E no mundo das coisas perdidas de uma garota, com palhetas de violão, amores antigos, um pai morto, você começa a considerar que ter ido para o inferno poderia ser muito melhor que isso.  
_Moço... você está bem? – me pergunta uma senhora com suas sacolas de compras. _Moço, por que está chorando desse jeito? Foi assaltado?
Começo a rir. Tiro os óculos e enxugo os olhos na manga da camisa. Na camisa está escrito que o Amor nos apartará.
_Fui assaltado. E me levaram tudo nessa madrugada. – Respondo com um sorriso no canto dos lábios.
_Moço, vamos chamar a polícia. – Diz a senhora, dando tapinhas no meu ombro.
“Não existe polícia para esse tipo de crime”. Rosno como um cão. Levanto e ando com passos rápidos na direção do meu esconderijo desmoronado. Sentindo vergonha de mim.
Peço desculpas. Mas desculpas não são suficientes – se existe uma coisa ridícula nessa vida é pedir desculpas, pode anotar. Não quero ficar nesse mundo de coisas perdidas! Mas é o território que conquistei por ser idiota demais, por ter existido como achei que era apropriado para mim. Me deparei com um velho adolescente que vendeu a alma para salvar a intensidade. E foi justamente a intensidade que se transformou em desculpas e proporcionou a matéria prima para construir minha casinha nesse mundo das coisas perdidas.
Você pode fazer valer a pena o amor que se aproxima, ser homem pelo menos uma vez, assumir -sem titubear- seus sentimentos. Se entregar, se der. E amigos e família de alguém, quem sabe, sejam simpáticos com sua existência de palhaçadas. Otimismo? Porque o que importa é não recuar quando as coisas valem a pena. Agora eu posso dizer isso, a gente só dá conselhos que não funcionaram, porque era tarde demais.
Você pode ser alguma coisa parecida comigo, e se for, deve ter se metido em cada encrenca sem sentido que não há mais nada que se possa fazer. Quando o amor se aproximar, se esse for seu caso, fará alguma coisa para estragá-lo antes do sol nascer. E se arrependerá, cara. Se arrependerá pela simples razão de que você poderia ter sido feliz e bem resolvido. Exceto por ter sido autêntico sem fé na autenticidade.
Francamente (e fracamente), eu não quero estar onde estou e sentindo o que sinto – me responsabilizando pelas coisas que estraguei pra valer. Só que agora é tudo que me restou e eu escrevo sobre isso.
Você pode fazer muitas coisas divertidas quando o amor se aproximar, ao menos que você seja eu.

r.A.