Ao som de Misfits – T.v. Casualty
Ontem estava sentado em uma lanchonete
esperando vir uma porção de batatas fritas enquanto conversava com um colega
escritor sobre precisar tomar uma decisão muito importante na minha vida. Ele
me ouvia mexendo nos óculos que embaçavam no seu rosto magro e pálido.
Esqueci do que estava falando quando subitamente
o dono do estabelecimento aumentou o volume da televisão que noticiava o
mandado de busca e apreensão na casa do presidente da Câmara. A cena era do fulano abrindo a porta de sua casa
pela manhã com um sorriso cafajeste.
_Você
abriria a porta para a polícia federal se já não esperasse que eles viriam
revistar sua casa?- perguntou meu colega.
_Claro!
Porque adoro receber visitas. – respondi.
Algumas
pessoas nas mesas próximas a nós riram de nossas ironias.
Nos últimos dias só ouço nas ruas as
pessoas falando da situação política do país e talvez poderíamos concluir que o
povo está se tornando implicado nesta maravilhosa democracia com belíssimas
curvas de tensão. É como se estivessem comentando futebol ou um capítulo de
novela.
“A
presidenta cai ou não cai?”
Também tem aqueles que reclamam que eu nunca
escrevo nada sobre política e deveria aproveitar essa onda dos escritores
colunistas que apostam todas suas fichas na mobilização de opiniões em blogs,
sites, jornais, etc. – isso vende!
Mas só sei escrever sobre os porres que
tomo, as mulheres que me odeiam e os paradoxos existenciais que me arrastam
para o caixão na velocidade de um raio. Resumindo, só falo de mim porque é onde
minhas mentiras se destacam.
Uma frase de Nietzsche, para você
perceber que sou intelectual pra caralho: “Raramente temos coragem para o que
sabemos”. É claro que poderia ser pior! Poderia falar da coluna do Gregório ou
do Pondé.
_A
única diferença ideológica que acho nítida entre os partidos nesse país é nas
cores escolhidas pelas agências publicitárias. – resmungo.
Cruzo o olhar com meu colega e ele
desvia em tempo de observar a bunda de uma garota de vestido branco. Quanto a
mim não são as bundas que me atraem, não que seja feminista...
_Gosto
do azul e branco... – diz meu amigo, pensativo, coçando o queixo.
_Preto
é minha cor favorita. Estou sempre de luto. – peço uma cerveja.
Terminamos
as batatinhas, a cerveja, pagamos e saímos andando pelas ruas com as mãos nos
bolsos, em silêncio. Em uma esquina um mendigo me pede um cigarro e quando ele
tira uma tragada prazerosa sinto certa inveja daquele cara.
_Eu
poderia viver na rua, desse jeito. – diz ele, ainda ajeitando os óculos.
Olho para o céu e percebo que logo irá
chover. Minha inveja passa imediatamente.
_Ali
morreu um cara ontem. – meu amigo aponta para uma esquina suja e escura.
_Motivo?
– pergunto, mas não há tanto interesse assim na minha pergunta. É óbvio.
Estamos atravessando uma das baixadas mais barra pesada de São Paulo.
_E
alguém tem motivos para morrer? – ele ri. – já vi tanta gente morrendo por
esses lados que... sei lá.
Nos despedimos e atravesso uma longa
ponte sob um rio que é mais um esgoto a céu aberto. No horizonte vejo um
hospital, um viaduto e uma enorme igreja.
Em algum lugar estão decidindo os rumos
do país, mas de forma alguma estão fazendo qualquer coisa que se aproxime do
conceito de política. Ditos intelectuais e vigaristas de todas as cores entopem
jornais, livros, programas de t.v., militância de partidos, com sua verborragia
em estado de torpor. A maneira como se entusiasmam já me fez questionar as
razões de eu não me encontrar nesse gigantesco formigueiro.
Eu estou preocupado com o aluguel, com
cortar meu cabelo e se eu “caio ou não caio”. Quando chego no meu apartamento emprestado,
sem mobílias – é assim que gosto -, e cruzo a sala escura indo direto para o
banheiro tomar banho, começo a me lembrar os motivos pelos quais escrevo.
_É
que amanhã as coisas não vão melhorar, mas se risco no mundo com força, pelo
menos funciono melhor.
Parece
uma desculpa razoável para um cara nem um pouco razoável.
E
boa noite para quem conseguir dormir.
r.A.