quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Se eu quisesse falar de política

Ao som de Misfits – T.v. Casualty

        
         Ontem estava sentado em uma lanchonete esperando vir uma porção de batatas fritas enquanto conversava com um colega escritor sobre precisar tomar uma decisão muito importante na minha vida. Ele me ouvia mexendo nos óculos que embaçavam no seu rosto magro e pálido.
Esqueci do que estava falando quando subitamente o dono do estabelecimento aumentou o volume da televisão que noticiava o mandado de busca e apreensão na casa do presidente da Câmara.  A cena era do fulano abrindo a porta de sua casa pela manhã com um sorriso cafajeste.
_Você abriria a porta para a polícia federal se já não esperasse que eles viriam revistar sua casa?- perguntou meu colega.
_Claro! Porque adoro receber visitas. – respondi.
Algumas pessoas nas mesas próximas a nós riram de nossas ironias.
         Nos últimos dias só ouço nas ruas as pessoas falando da situação política do país e talvez poderíamos concluir que o povo está se tornando implicado nesta maravilhosa democracia com belíssimas curvas de tensão. É como se estivessem comentando futebol ou um capítulo de novela.
“A presidenta cai ou não cai?”
          Também tem aqueles que reclamam que eu nunca escrevo nada sobre política e deveria aproveitar essa onda dos escritores colunistas que apostam todas suas fichas na mobilização de opiniões em blogs, sites, jornais, etc. – isso vende!
         Mas só sei escrever sobre os porres que tomo, as mulheres que me odeiam e os paradoxos existenciais que me arrastam para o caixão na velocidade de um raio. Resumindo, só falo de mim porque é onde minhas mentiras se destacam.
         Uma frase de Nietzsche, para você perceber que sou intelectual pra caralho: “Raramente temos coragem para o que sabemos”. É claro que poderia ser pior! Poderia falar da coluna do Gregório ou do Pondé.
_A única diferença ideológica que acho nítida entre os partidos nesse país é nas cores escolhidas pelas agências publicitárias. – resmungo.
         Cruzo o olhar com meu colega e ele desvia em tempo de observar a bunda de uma garota de vestido branco. Quanto a mim não são as bundas que me atraem, não que seja feminista...
_Gosto do azul e branco... – diz meu amigo, pensativo, coçando o queixo.
_Preto é minha cor favorita. Estou sempre de luto. – peço uma cerveja.
          Terminamos as batatinhas, a cerveja, pagamos e saímos andando pelas ruas com as mãos nos bolsos, em silêncio. Em uma esquina um mendigo me pede um cigarro e quando ele tira uma tragada prazerosa sinto certa inveja daquele cara.
_Eu poderia viver na rua, desse jeito. – diz ele, ainda ajeitando os óculos.
         Olho para o céu e percebo que logo irá chover. Minha inveja passa imediatamente.
_Ali morreu um cara ontem. – meu amigo aponta para uma esquina suja e escura.
_Motivo? – pergunto, mas não há tanto interesse assim na minha pergunta. É óbvio. Estamos atravessando uma das baixadas mais barra pesada de São Paulo.
_E alguém tem motivos para morrer? – ele ri. – já vi tanta gente morrendo por esses lados que... sei lá.
         Nos despedimos e atravesso uma longa ponte sob um rio que é mais um esgoto a céu aberto. No horizonte vejo um hospital, um viaduto e uma enorme igreja.
         Em algum lugar estão decidindo os rumos do país, mas de forma alguma estão fazendo qualquer coisa que se aproxime do conceito de política. Ditos intelectuais e vigaristas de todas as cores entopem jornais, livros, programas de t.v., militância de partidos, com sua verborragia em estado de torpor. A maneira como se entusiasmam já me fez questionar as razões de eu não me encontrar nesse gigantesco formigueiro.
         Eu estou preocupado com o aluguel, com cortar meu cabelo e se eu “caio ou não caio”.  Quando chego no meu apartamento emprestado, sem mobílias – é assim que gosto -, e cruzo a sala escura indo direto para o banheiro tomar banho, começo a me lembrar os motivos pelos quais escrevo.
_É que amanhã as coisas não vão melhorar, mas se risco no mundo com força, pelo menos funciono melhor.

Parece uma desculpa razoável para um cara nem um pouco razoável.

E boa noite para quem conseguir dormir.




r.A. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O mais solitário e enlouquecido dos cães




Para a fogo de palha dos pés pequenos...


         Se Rimbaud disse que “a gente nunca parte, apenas retoma o caminho” – qualquer coisa nesse sentido, meu francês não é lá muito bom -, eu diria que não há início de caminho, há retomada do caminho de nobres patifes. Pelo menos comigo foi assim.
         Frequentei os mais loucos e diabólicos espíritos – na filosofia, literatura, música, jardinagem, etc. – porque desconfiei que era ali que poderia encontrar alguma coisa de verdade. O resto era uma enganação insuportável.
         Foram anos tentando entender o que as noites em silêncio na companhia de todo tipo de desgraçado poderia me revelar. As pessoas raramente me disseram algo de relevante. Jamais me arrependi dos fantasmas pelos quais senti empatia! Colecionei cemitérios com risos debochados até me encontrar.
_Se isso é minha história? E eu tenho tempo para história?
         Ande em silêncio por três noites seguidas e pensará muitas vezes (até a vertigem) antes de proferir qualquer palavra. Tente, por anos, riscar com uma caneta preta seus sentimentos em uma folha e terá convulsões quando for obrigado a escrever seu nome. Ame quatro ou cinco mulheres até enlouquecer e saberá do que se trata essa vida. A única coisa que muda é o preço da cerveja e os caminhos do fracasso. Pois é.
         Na periferia da espécie vagam os tipos marginais – não é? Perguntem para Cioran e Nietzsche. Mas os confirmados mesmo são os do exílio voluntário! Aqueles que foram expulsos antes da escolha só entendem de vingança. Claro que rendem umas risadas, mas rir não é o melhor remédio.
         O que vou dizer é que quando menos esperei estava no caminho dos nobres patifes. Sabe aqueles que riem da sua cara sem motivo aparente? Essas coisas não se ensinam e, paradoxalmente, se aprende com muita perseverança. Nobres patifes estão anos luz da pedagogia, porém deixam rastros. Fui – quem sabe ainda seja - o mais solitário e enlouquecido dos cães, nem preciso dizer que farejei as pegadas. Agora estou aqui.
         Você tem que entender – pela última vez – que até encontrar o rastro o que apaga são as possibilidades de retroceder. Nesses casos você só acerta se passar por sua cabeça que escrevi essa frase para mim mesmo! O chão apodreceu embaixo de meus calcanhares e o próximo passo é sempre sob a sombra de meu ego – a luz do sol ficou lá atrás.
         A metáfora do “caminho” é uma das mais antigas no imaginário da humanidade. Imagem imbatível para os que temem estar perdidos, ou seja, todo mundo. (Daí que sei esse segredinho que escapou para Rimbaud). Depois de seguir o rastro dos nobres patifes eu soube me perder completamente! Agora aqui estou.
         Já aprendi a esquecer tudo que deixei para trás. Estúpido em minha inteligência, criativo na crueldade, mais arrogante que um bom argentino, mostro os dentes por qualquer coisa e sou o novo patife inventando minha nobreza.
         Há tipos que não vencem, mas sua derrota é maior que qualquer vitória.
_Confie em mim garota, segure minha mão essa noite!
         Tudo explode porque tudo tem seu estopim. Que não reste nada exceto o rastro – já que este é inevitável. Agora aqui estou, sinceramente, foda-se quem cair nesta armadilha.
         É inútil me perguntar se isso tudo valeu a pena e quem tentar conhecerá minha gargalhada mais oculta. Pelo menos cruzei a linha e já conheço os dois lados (como se existisse dicotomia). Eu realmente acho ridículo quem nunca farejou essa pista.
         O resto? Apenas dispenso!

r.A.


p.s. Se não entendeu do que estou falando, considere a possibilidade de fazer uma torta de bolacha e ser feliz. (risos).