sábado, 27 de fevereiro de 2010

Consciência de banheiro...

===>Neste momento onde milhares de pessoas estão em milhares de lugares distintos, um amante deitando por dinheiro com uma quarentona num motel, dois garotos torrando o dinheiro de um assalto a uma loja de sapatos, uma menina penteando sua boneca favorita e um pescador puxando sua rede no mar com uma vontade imensa de chorar pela escassez de peixes, estou sentado em um banheiro de um bar assistindo meu sangue se misturando com água do chão. Minha garota vai finalmente saber o porquê não podia me dar ao luxo de confiar nela, porquê de minhas saídas noturnas e meus arranhões sem explicação. Notas amassadas de dinheiro graúdo no bolso das calças, buracos de bala na porta de meu opala azul, pesadelos angustiantes madrugadas e tardes a fio... Depois de décadas de vitória minha, para o azar fatal de outros, me pegaram!
===>Não há muito de trágico quando se busca uma coisa por tanto tempo, afinal, um dia você há de encontrar às razões de seu desregramento. Todos os fragmentos perdidos no vento se montam no ar e retornam para você e a questão é estar preparado para isso! Eu estou preparado, pensei... Provável que exista uma harmonia em meio a todo um caos, dizem por ai que precisamos ganhar nosso sustento na terra, quando se quer um pouco de dinheiro para saciar algumas necessidades isso não implica a um sentido geral para sua vida – quando você precisa, ora, vem à calhar!- mas não é tudo. Eu disse sentido harmônico em meio ao caos? Sim, o dinheiro é uma moeda de troca para coisas mais objectuais, mas agora, olhando para as lajotas brancas encardidas e inalando o mau cheiro me vem à mente, mesclado com a intensidade do medo de morrer, a desculpa de que todos têm responsabilidade por suas opções... Muitos acreditam nisso, como acreditam em uma divina providência, mas porque raios não me convenceram disso quando o leque de opções era limitado? Na medida em que foi me apresentado tantos caminhos a seguir, eu só me convenci que o meu tinha algo de grandioso, de prático, obvio, nada sintomático, criativo, intenso, que vinha para colaborar para uma humanidade que se reproduzia desenfreadamente e vulgarmente.
===>Consigo ouvir um som de respiração do lado de fora, o pior é que a porta esta aberta. Observo pelo espelho da parede do banheiro voltado para a porta uma sombra que certamente sente tanto medo quando eu. Deve passar pela cabeça do dono da sombra a mesma coisa que passa pela minha neste momento, é engraçada a sincronia... Ele não pode dar as costas e sair... É ele ou eu. Prefiro que seja eu...
===>Substituo as cápsulas usadas no tambor de um trinta e oito taurus, afinal não podemos ficar nesse “baile” muito tempo mais. Restam aproximadamente um minuto até que um de nós caia e o outro corra até o carro e desapareça por um ano – um ano é um período seguro para se estar fora na maioria das ocasiões! Quem sabe até mais... Escoro-me na parede lentamente e forço meu corpo a ficar de pé. A respiração da sombra lá fora torna-se muito mais forte. É nosso momento baby, só nós dois agora! O sangue ensopou minha camiseta e parte de minhas calças. Escuto o “clic” do gatilho lá fora, respondo com um “clic” aqui dentro. “Basta uma disparo no ouvido de alguém que se põe a pensar”... Seguro minha perna que treme... Um salto... BAM-BAM-BAM-BAM-BAM... Neste momento milhares de pessoas estão em milhares de lugares distintos e eu não trocaria o meu por nenhum outro.

r.A.

Um comentário:

r.A. disse...

...Vendo esse conto ou troco por um jegue...