terça-feira, 4 de novembro de 2014

5 minutos assistindo televisão



        Por acaso ou por acidente trágico? – Não sei especificar. Eis o fato, assisti – depois de muitos anos – 5 minutos de televisão. Isso mesmo, “televisão aberta”, como dizem. Acho que fiquei dez anos mais burro!
     É óbvio que pretendo nunca mais em minha vida passar por uma experiência dessas. Foi tão angustiante que tremo até agora, enquanto escrevo.
 Primeira coisa que percebi é que a programação é tão apelativa que é difícil você não olhar para a tela. Todo mundo grita, luzes piscam, bundas aparecem*. Bem, para alguém que fazia muito tempo que não via – de maneira que praticamente ignorava a existência dessa coisa – foi uma espécie de susto.
Depois do susto, simplesmente congelei diante da tela. Nos primeiros segundos eu vi tanta coisa idiota ao mesmo tempo que quase uma baba escorreu pelo canto de minha boca paralisada. Lembrei que uma vez eu acreditava em algum tipo de autonomia cognitiva do sujeito diante dos aparelhos – que nada, pego assim, de surpresa, seu cérebro traumatiza instantaneamente.
Depois dos minutos vendo gente sorrindo para mim – mais felizes do que alguém que acabara de transar direitinho -, imagens, sons e informações quase “psicodélicas” (tai o “caos” que vocês queriam) -, como dizia, depois dos minutos e um intervalo comercial, consegui beliscar meu braço e escapar da paralisia mental.
Desliguei a desgraça. Interessante que eu ainda lembrava que havia um botão para desligar a coisa – se não fosse isso eu a teria atirado longe.  
         Fiquei pensando: É isso aí que o povo (em geral) assiste por horas? É daí que retiram seu vocabulário, suas noções de vida, suas “cosmovisões” (risos), seus padrões ideais para todas as coisas – beleza, sucesso, justiça, amor -, é daí? E eu que criticava os jornais e as revistas – a internet, principalmente...-, rapaz, tem coisa pior no mundo e eu não lembrava!
         “Cultura e entretenimento para toda família”. Pensar que eu me assustava quando lia o livro Apocalipse – na bíblia. Televisão é muito pior! Pelo menos na bíblia, por mais tosca que seja – sim, eu acho a bíblia um livro escrito com muito pouca criatividade -, o inferno é sério. Tem fogo, tem dor, tem punição, coisas interessantes – mais interessante do que músicas de heavy metal, com certeza – mas...mas... “cultura e entretenimento?”. Gente, “temo fudido!”
         Talvez você seja uma das pessoas que ao lerem até aqui concordem comigo e sussurrem: _Prefiro livros! Sinto desapontá-los. Eu não prefiro livros – a maioria dos livros são um pé no saco! Prefiro três anos de silêncio e cerveja gelada.
         O que leva alguém a assistir televisão invés de ir pentear um macaco? Ir ao bar? Trair o namorado (a)? Arrumar uma briga com o porteiro do condomínio? Programa de família... Prefiro a zona! Pegue sífilis, mas não assista televisão!
         “Eu não assisto televisão, eu frequento o Sesc para assistir a programação cultural” – RARARA!, puta merda, é melhor pular esse parágrafo.
         “Entretenimento, mas com cultura”, me dizem uns por aí. A galera curte, cara. Estão salvando alguma coisa. “O importante é fazer a sua parte”. São essas coisas que me fazem rir.
_Então r.A., já que não reconhece a contribuição das mídias para a formação da sociedade democrática, apresente alguma sugestão!
         E eu sou lá sujeito que dá sugestões? Eu nem se quer vendo sugestões! – que eruditos e estilistas e jornalistas façam fortuna com isso. Ex. Luiz Felipe Pondé, Juremir Machado – dois dos maiores mercenários das sugestões!
_Então você é dos que fazem a crítica pela crítica? – Dessa vez deve ter sido um intelectulóide que perguntou.
         Que crítica? Vai criticar o que num monte de merda? Moscas que voam em círculos? Nem é o caso de falar de alienação – essa palavrinha que todo metido a politizado de bodegão gosta de cuspir nos coleguinhas -, ninguém é ingênuo aqui por essas bandas. Ou você acha que sua mãe nunca fez um boquete?
[“r.A., você está falando muito palavrão hoje!” – “tá bom mãe, mais dois e eu juro que paro!”]
         Eu não sei se você notou – eu notei – que nas últimas eleições todos os jingles de campanha respeitaram a métrica televisiva. (Eu me dei conta disso em 5 minutos). A métrica, a trilha sonora e toda apelação “estética”. Isso, para mim, revela o que todos os pretendentes ao governo do país pensam do “povo”. Eu sei que essas coisas custam alguns milhões. Pagaram milhões para dizer para o povo que acham eles/você/eu um bando de imbecis – em cadeia nacional. E depois esse mesmo povo, tratado como retardado, foi feliz exercer sua autonomia (obrigatória)**. E se sentiu cidadão, com orgulho, - um orgulho de idiota, mas convenhamos, ainda era um orgulho.
_Pelo menos eu elegi o menos pior!
         O menos pior? Então faça uma bandeira aí com meu texto e saia desfilando pelas avenidas do mundo*** – quem sabe meu texto não seja o menos pior, ein? Aposto com você que eu meti bem menos no teu rabo e te chamei bem menos de imbecil do que a galera no horário eleitoral. Detalhes que aprendi com 5 minutos de televisão, não me leve a mal. – ai está meu padrão de excelência!
         Mas cá entre nós, eu não contaria o que eu penso disso para qualquer um, mas para você eu vou contar. Eu desconfio que essa existência é dolorosa e difícil demais para ser pensada, assim, encarada de frente, olho no olho. E a cultura – se cultura for um certo acúmulo de experiências e conhecimentos ao longo da história humana – não é sempre doce; aliás, penso que seja bastante amarga. A cultura é doce para o poeta que se goza lendo Leminski!
 Dado isso da existência e da cultura, eu entendo porque a televisão faz a cabeça do pessoal. É preciso um nível exacerbado de idiotice para viver em paz e ser feliz – na maior parte do tempo. Daí que a televisão é tipo nosso novo Deus. Desconfio que alguém que não ligue a televisão todo dia não saberá muito bem o que fazer, o que pensar, como se vestir, o que comer, como falar. E não é?
_Se apareceu na televisão deve ser Verdade!
         Andy Warhol (aquele bunda mole da Pop Art) dizia que no futuro todos terão seus 15 minutos de fama. É o tipo de ironia debochada que se torna uma utopia religiosa – o sonho ridículo de quem ainda não se sentiu estúpido, mas quase. Se você deixou seus 15 minutos passar não corte os pulsos. Uma vez que os historiadores estão em falta do que pesquisar nas universidades, logo logo você verá que no passado também é possível ter 15 minutos de fama. Nunca é tarde quando é tarde demais.
         Se você lembra ainda do primeiro parágrafo do texto, já sei especificar. Foi um acidente trágico. E se você sabe da peça Édipo Rei escrita por Sófocles, sabe também que se não for capaz de decifrar o enigma de uma esfinge será devorado. Dessa eu escapei ou...
                               

r.A.

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* “Bundas aparecem”. Não que eu seja contra as bundas, de forma alguma. Se houvesse uma marcha na Av. Paulista para que as bundas aparecessem eu estaria lá com meu cartaz de protesto – comprado junto com a camisa do Che, no shopping Center III; sim, foi promoção. Nesse tipo de coisa eu sou fervorosamente engajado – um militante convicto! Desde os 8 anos (quando vi a capa de um Lp da Xuxa) eu luto pela legalização das bundas, mas que existam lugares apropriados para seu consumo e contemplação. Eu tenho consciência do vício.

** “Autonomia obrigatória”. Você não é livre nem nos seus sonhos colega! Seus candidatos – representantes – não foram escolhidos por você e você não decidiu nem de longe sobre o plano de governo que estão socando na sua goela. Você só foi na urna e “botonou”. Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de achar que ser um “cidadão” é uma coisa boa.


*** “Faça uma bandeira com meu texto”. Não. Não faça. Eu estava brincando. Do jeito que as massas estão entusiasmadas com o “menos pior”, temo que o simples fato de ter feito essa ironia possa trazer graves consequências. Tá afim de fazer uma bandeira e sair pelas avenidas do mundo? Considere a possibilidade de que uma bandeira custa o mesmo preço de seis cervejas. Beba e pare de ser histérico (a).