Nota: Este texto não tem nada a ver com a COPA, tá?
......Tenho uma casa. Trabalho duro para mantê-la em pé. O pessoal vai dar uma festa aqui em casa, mas eu não posso comparecer! Quer dizer, eu até poderia, se pagasse para entrar na minha casa. Como assim? Vou explicar.
......Essa festa que o pessoal vai dar aqui em casa, 50% dos gastos eu estou pagando! Ocorre que o pessoal que vai dar esta festança aqui, vai construir uma mesa de sinuca na minha sala. Dizem por aí que fiz um bom negócio, já que quando a festa terminar, o pessoal vai levar as bolas e os tacos, mas vai deixar a mesa. A mesa que vai ficar, graças ao meu grande empreendimento, poderei usar para jogar sinuca – basta comprar as bolas e os tacos depois, e fazer os reparos necessários na bendita mesa. O detalhe é que eu não jogo sinuca! Mas tudo bem.
......Nesta festa que vão dar aqui em casa e que eu estou bancando metade da festa e que se eu quiser entrar tenho que pagar, dizem que vai rolar uma grana preta. E que essa grana preta que vai rolar, TALVEZ, será investida no que eu quiser – mas primeiro terá que passar por toda uma burocracia e tudo mais: pois eu não sou muito bom em administrar minhas coisas; preciso de gente de bom coração para mexer com o meu dinheiro e decifrar os meus desejos... ou seria cifrar os meus desejos?
......Agora a diária para mim conseguir frequentar a festa que vai ser na minha casa é de 300 mangos! E meu salário (que sempre sofre reajuste) não dará para pagar por todos os dias de festa! Se eu quiser frequentar a festa na minha própria casa – que já estou pagando 50% para que as pessoas que ‘vem de fora’ se divirtam a vontade – terei que fazer um empréstimo e parcelar o pagamento ao longo do ano. Como pagarei o empréstimo? Trabalhando para o pessoal que vai dar a festa na minha casa, ora! Não é demais? O engraçado é que eu não queria a tal festa e não conheço essas pessoas todas – E todas elas juram que estão fazendo isso para o meu bem!
......Como tudo tem seu lado bom, veja só que bacana, se eu reclamar da festa... se a festa passar dos limites, quero dizer, prometeram que vão me dar uma surra! Quem sabe não me matem? Vai saber... E quem vai me surrar são os seguranças que eu contratei para garantir que a festa transcorra tranquilamente.
......Eu já fiz bons negócios – como por exemplo pagar para trabalhar, pagar para estudar, pagar para que tratem a água que não pedi que sujassem e definitivamente não sujei, etc. Mas negócio bom como esse, uma festança dessas, eu nunca tinha feito!
ME SINTO MUITO ORGULHOSO DE BATER NO PEITO E DIZER PARA TODO MUNDO QUE A FESTA VAI SER AQUI EM CASA – mesmo que eu não participe e mesmo que eu pague metade da festa! Todas as pessoas que eu conheço, ou seja, todos os meus amigos (alguns deles de infância), minha família, todos estes, não vão ir à festa. Mas alguém me prometeu que vão transmitir a festa ao vivo – pela televisão. Só que eu não assisto televisão...
......Eu sou muito inteligente, você não acha? Você não se sentiria INTELIGENTE no meu lugar? Sei que sim.
r.A.
sábado, 22 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Pague este e ganhe 25% no outro!
...... "A única coisa que eu odeio mais do que
gente é bicho que parece gente" - refleti com um sorriso. E na minha
frente gingava um babuíno albino que mostrava os dentes ameaçadores. O primeiro
soco que o sujeito me deu na barriga foi suficiente para eu sacudir a mão no ar
e pedir penico. Se estivesse sóbrio, daria uma lição no filho da puta – mas não
era o caso. Assim que ele veio na minha direção percebi que estava disposto a
me chutar o rabo daqui até o cemitério – até o hospital se eu tivesse sorte.
Achei que ele não ia topar a ideia, achei que ia se acadelar... e fui eu quem
se acadelou! Metade da multidão aglomerada em torno de nós riu. A outra metade
me vaiou. Isso podia significar que as apostas estavam meio a meio. A cena era
aquela: um sujeito magro e barbudo em pose de boxe e outro sujeito alto, negro
e gorducho, com os dedos de uma mão sacudindo e a outra mão na pança. “Adriano,
pague o cara!” – disse o dono do bar. As vaias seguiam. Meti a mão no bolso
traseiro da calça jeans e catei meus últimos cem reais e entreguei ao barbudo.
“Agora caia fora” – gritou o dono do bar apontando para a rua. E foi o que fiz.
Na derrota todos os teus amigos se tornam desertores da tropa que é a amizade.
......Roberval falou alguma coisa que não gostei. Foi
aí que apostei uma grana que poderia partir o seu focinho de porco. Granschi
aceitou ser o juiz – o dono do bar. E como eu era mais alto e mais pesado, metade
do mundo apostou em mim. Até Gilberto, que me detestava, apostou em mim. Tirou
a grana do bolsinho da frente de sua camisa de botão encardida e jogou sobre o
balcão. Sorriu com sua cara de sapo pálido e resmungou:_ vê se não vacila seu
veado! O dono do bar tomou uma sábia providência me enxotando. Se tentasse
voltar para o bar seria esquartejado pelos outros bêbados. Até uma velha que
limpava o bar de vez em quando, estava com um canivete de pressão brandindo na
minha direção quando cai fora. O raio que os parta!, pensei.
......Na geladeira ainda tinha seis cervejas e meia
garrafa de vodca. Fiz uma prece para que fosse o suficiente. Completei com o sinal da
cruz e abri a primeira lata. Vi o sol nascer vermelho no horizonte e fui
deitar.
...
......O telefone me acordou. Era Agatha. “Tá na merda
ainda, Adriano?” – Perguntou com sua voz rouca. “Um pouco pior. Tomei uma surra
na madrugada... seis contra um é uma covardia!”.
_Deve ser mentira – respondeu -, assim como as merdas
que você escreve. Mas não é disso que quero falar com você... passei seu número
para uma agência de pesquisa. É para dar sua opinião sobre um comercial.
Felizmente para você, é um dos poucos babacas que conheço que sabe fingir que é
inteligente. Vão te fazer umas perguntas e você finge que é um sujeito normal.
Depois vão te passar um endereço para você ir numa entrevista, assistir um
comercial e dar sua opinião. No final te pagam cento e cinquenta reais. Ok?
_Ok. – resmunguei.
......Agatha era uma morena de estatura média. Não tão
bonita, com belos olhos castanhos e lábios carnudos que viviam pintados de
vermelho. Trabalhava numa agência que indicava pessoas para outras agências. Às
vezes me passava essas marmeladas para ganhar uma grana. Óbvio que ela ganhava
em cima das indicações. Graças a ela eu ganhava uma grana escrevendo resenhas
sobre livros que nunca li e nem leria, sinopses para filmes que nunca vi e nem
perderia meu tempo vendo.
......Assim que cheguei no banheiro para conferir
minha cara de morto-vivo, o telefone voltou a tocar.
_Senhor Adriano Maranello Jr., certo? – disse uma voz
macia e jovial, toda cheia de carisma, aquele tipo de voz de mulher que engana
a gente.
_Certo... – respondi.
_Gostaríamos que o senhor participasse de uma pesquisa
sobre um produto que estaremos lançando. Apenas preciso que confirme alguns
dados que nos passaram. Ok?
_ok...
_O senhor é um escritor bem sucedido? – perguntou,
ainda entusiasmada.
......Que diabo de gente está entusiasmado às três da
tarde de uma sexta-feira? E que diabos significa ser bem sucedido? Quem é que
vai me suceder nessa vida de merda? Achei melhor responder tudo com um “sim”.
_Sim.
_O senhor é comunicativo e expressa suas ideias com
facilidade?- continuou a mulher a perguntar.
_sim.
_O senhor gosta de trabalhar em grupo? “SIM”. O senhor
tem carro e assiste televisão com frequência? “SIM”. O senhor lê jornais?
“SIM”. O senhor tem animais de estimação? “SIM”. De que tipo? “SIM”. O senhor
tem um cachorro? Isso? “SIM”. O senhor tem gato também? “SIM”. E pássaros?
“SIM”. O senhor gosta de música? “SIM”. Novela? “SIM”. Pratica atividades
físicas? “SIM”. Regularmente? “SIM”.
......Deixei o telefone fora do gancho e fui até a
geladeira pegar a última cerveja. Cheguei perto do telefone com a boca e disse
“SIM”. Abri a cerveja e tomei uma boa golada. Olhei pela janela e tinham dois
garotinhos brigando na rua. Voltei. Peguei o telefone e disse “SIM – SIM- SIM-
SIM- SIM”.
_Então está tudo certo. Amanhã o senhor estará
presente no endereço que vou lhe passar.
_SIM.
_...traga um documento de identificação...
_SIM.
_Com foto...
_SIM.
......Ela passou o endereço toda entusiasmada, como se
fosse um tipo de festa e quisessem minha presença lá. Anotei num papel que
estava em cima da mesa.
_Alguma dúvida?
_SIM.
_Qual seria?
_Qual seria o quê?
_A dúvida...
_Ah, não. Não há dúvidas.
_Então, desculpe incomodá-lo e tenha uma ótima
tarde...
_SIM.
......Terminei a cerveja. Tirei a roupa e fui tomar
banho. Meu primeiro pensamento foi: Mais essa agora!... Meu segundo pensamento
foi: Por que a cerveja acaba?
...
......Como comigo sempre foi o seguinte: ou chego
muito cedo ou chego muito tarde em um compromisso; saí duas horas antes do
horário combinado para ir até a bem dita agência. Não tenho meio termo na minha
vida. Ou estou ferrado ou estou salvo. Uma em dez vezes, estou salvo. Saí com o
endereço na mão sem fazer ideia alguma de onde estava indo. Peguei três metrôs
antes de me perder mais um pouco. Quando alguém me disse onde era o lugar,
ainda tive que caminhar mais um quilômetro. Sorte que haviam bares nas
redondezas. Em uma hora fiz um revezamento de três bares. Logo cheguei a uma
larga avenida de oito pistas e avistei o lugar combinado. Um prédio feio e
marrom com dois seguranças feios na portaria. Como eu também sou feio, ficou
tudo parelho! Como quase todo mundo e todos os lugares são feios, a beleza é
sempre apreciada. É fácil para mim identificar a beleza. Belo é tudo aquilo que
não posso fazer ou possuir ou tocar ou pensar.
......Joguei meu cigarro fora e subi um pequeno lance
de escadas até a portaria do prédio marrom. Um segurança negro e com óculos
escuros deu um passo e bloqueou a porta de entrada.
_Quê você quer? – Falou numa voz fofa, meio abalofada,
como se estivesse com a boca cheia de criancinhas.
_...vim para uma entrevista... uma consultoria... –
retruquei olhando para cima... e olha que eu tenho um metro e oitenta!
_Você? – devolveu ele.
......Olhei ao redor. Levantei o pé direito e olhei na
sola do meu tênis. Levantei o pé esquerdo e olhei na sola do tênis novamente. O
outro segurança, um gordo branquelo segurou o riso.
_Sim. Eu. – respondi.
......O segurança negro mexeu a cabeça para o lado e
estralou o pescoço. Para mostrar que eu também era um sujeito durão meti o dedo
no nariz e tirei um tatu. Joguei no chão e pisei em cima. Pensei em estralar o
tatu, mas lembrei que meleca de nariz não estrala. Nunca entendi porque negro
trata outro negro tão mal... Deve ser para fazer o contra ponto aos branquelos
que se tratam feito fadinhas bailarinas.
_vá até a recepção e retire seu crachá. – resmungou
sem me olhar.
_na sua bunda...- resmunguei de volta.
_COMO É?
_...ai atrás de você, quero dizer...- apontei para a
recepção que ficava atrás do segurança.
......Ele resmungou feito um cachorro e saiu da minha
frente. Ainda bem, porque já estava começando a pensar que ou a gente saia no
soco ou assumia de vez um relacionamento.
Retirei a porcaria do crachá, mostrei minha carteira de identidade para
um diabo num balcão e este me fez subir pelo elevador até o terceiro andar.
......Quando a porta do elevador abriu, notei que
estava diante de outro balcão com uma secretária semi-morta. Nos filmes eu via
que secretárias de escritórios de publicidade eram jovens gostosas, geralmente
sorridentes e se masturbando por baixo da mesa - essa última parte eu inventei.
Mas nesse caso era uma senhora de cabelos brancos e seu buço parecia um bigode
de adolescente rapper. Os filmes mentem! Saí do elevador e caminhei até a
secretária. Parei por um segundo na sua frente. Tentei ouvir se ela ainda
respirava. Parecia que não. Pensei: agora sim. Vou ser a única testemunha da
morte dessa coisa aí! Alguém vai chamar a polícia e ninguém vai acreditar que
não fui eu quem matou ela. "JOVEM ESCRITOR É SUSPEITO DE ASSASSINAR
SECRETÁRIA BIGOGUDA EM AGÊNCIA DE PUBLICIDADE" - Matéria de capa na Folha
de São Paulo. "Já tava morta quando eu cheguei nessa porra!", alegou
o suspeito.
_Pois não? - Resmungou ela e abriu os olhos.
_Eu vim para... - comecei a falar.
_Eu sei. Assine aqui nessa folha. Posso conferir seu
R.G.?
......Alcancei meu R.G. Assinei a folha. Sou o único
cara que conheço que está rindo para a foto do R.G. Nem li o que assinei. Não
podia ser um contrato que passava meus bens para o nome dela, eu não tinha
bens. Tinha uma garrafa de vodca - da boa! - e umas cervejas na geladeira de um
apartamento com o aluguel atrasado. Só. E se ela fosse o Diabo e eu tivesse
assinado a entrega da minha alma? Era bem possível, imaginei. O Diabo estaria no
prejuízo, certamente!
_Você pode se sentar ali em uma daquelas poltronas e
esperar. Logo vão te chamar, QUERIDO. - Resmungou a velha secretária e apontou
para uma segunda parte da sala em que eu já me encontrava. E lá estavam umas
poltronas de couro. Uma mesa de centro, toda de vidro. Algumas revistas idiotas
para você folhear.
......Querido? Isso deve ser uma enganação das brabas,
pensei. Só putas e vigaristas chamam a gente de querido. Deve ser parte do
treinamento. Deve ser procedimento padrão. Deve ser um texto decorado. Deve
ser... por que estou pensando nisso? - que merda!
......Andei até as poltronas. Olhei em volta. Havia
aquela frescura de teto de gesso e umas luzes que apontavam para o teto e
deixavam a sala num tom amarelado. Também havia rente à parede um retrato
moldurado num vidro. Uma luz atrás do retrato - que deixava o tal retrato meio
fantasmagórico. Fitei o retrato. Deve ser o dono dessa bosta toda, concluí. Os
publicitários adoram essas porcarias. Se você entrar numa igreja vai ver um
altar, se entrar numa agência... deixa pra lá. Só sei que adoraria dar uma
pedrada naquilo e ouvir o vidro se partir!
......Olhei para uma poltrona que estava mais no canto
da sala. Como um cachorro, senti que aquele ali era um canto bom para ficar
parado. Quando fui me afundar na poltrona ela fez um ruído chato. A sala estava
tão silenciosa que o ruído acordou da morte a secretária. Ela olhou na minha
direção com olhos que lembravam um bicho preguiça. Continuou assim, me olhando.
Quanto a mim, fui afundando vagarosamente na poltrona e cada vez que soltava um
pouco do meu peso, a poltrona voltava a ranger. Como era impossível evitar o
ruído lancei todo o restante do peso e a poltrona fez um som parecido com um
peido. Um peido molhado. A secretária resmungou alguma coisa - pela leitura dos
lábios dela, entendi "esses gordos". Busquei pelo chão alguma coisa
que pudesse atirar nela, mas não havia nada. Imaginei que logo logo seria o seu
velório e isso me satisfez. Sorri para ela e a secretária virou o rosto em
direção ao elevador que voltava a se abrir.
......Uma loira enorme entrou na sala. Tinha um corpo
realmente grande, seios enormes. Usava um vestido curto, preto e botas com
salto, tudo preto. Os seios chegaram uns 30 segundos na frente do resto do
corpo. Todo o procedimento que ocorreu comigo, ocorreu com a tal loira. De
longe parecia atraente, mas quando foi se aproximando percebi que ela era meio
idiota. Quero dizer, ela sorria com uns olhos meio enlouquecidos, falava com a
boca demasiadamente aberta e sacudia os cabelos de um lado para o outro numa
tentativa de ser graciosa, mas parecia mais é maluca mesmo. Sentou numa
poltrona do outro lado da sala - onde eu estava - e sua poltrona não rangeu!
Virou o pescoço lançando os cabelos para o lado e contemplou o retrato no
vidro.
_Isso é magnífico! - Resmungou na minha direção. Sua
voz era tão chata que quando falou comigo foi como se ela tossisse em mim!
_É... - falei, já que parecia que deveria fazer um
comentário.
_Quem será que é esse? - Continuou ela. Suas feições
eram de uma garotinha de nove anos.
_Esse aí é o retrato do Capeta! - Respondi.
_UAU! Que dark meu! - Disse ela.
_É... - resmunguei. Notei que meu "É",
pareceu um coaxar de sapo boi. Achei estranho aquilo. Meditei um pouco em
silêncio sobre o meu "é".
......A loira continuou olhando para o retrato no
vidro e a porta do elevador voltou a se abrir. Desta vez entraram duas garotas
e um cara. A primeira garota que saiu do elevador estava com uma camiseta verde
e uma calça preta, bem justa. Devia se sentir ótima com aquele corpão todo.
Seus cabelos eram negros e cortados um pouco acima dos ombros. A segunda garota
que andava no seu encalço estava toda encolhida, bastante tímida. Era bem magra
e tinha os cabelos cacheados. Estava num vestido branco e usava óculos. Agora o
cara que saltou do elevador, deixe-me te contar sobre ele! Estava de toca de
lã, preta - e fazia um calor do inferno! Era bem magro e andava um pouco
arqueado para trás, como se fosse cair a qualquer momento. Usava uma camiseta preta
muito folgada e com uma estampa de algum grupo de rappers. As calças pareciam
estar prestes a cair e os fundos quase alcançavam os calcanhares. Quando ele se
movia aparecia a sua cueca - vermelha. E tinha um bigodinho que lembrava o buço
da secretária. Caminhava no gingado de uma mola maluca. Não consegui desviar os
olhos dele. Pensava: esse cara, mais cedo ou mais tarde, vai cair e rastejar
feito uma minhoca! Para minha surpresa o cara não caia.
......Apresentaram-se para a secretária. Tânia, a
primeira; Isabel, a segunda; Eduardo, o mola maluca - mas podiam chamá-lo de Dudu
hip-hop'S, anunciou. Depois riu.
......As duas garotas que acabaram de entrar se
conheciam. Segundo o que conversavam, faziam arquitetura na mesma universidade
- mas não na mesma turma. Sentaram uma ao lado da outra, nas poltronas - e nada
rangeu. Já o Dudu hip- hop'S, sentou em outra poltrona no mesmo lado que o meu,
na sala, mas deixou uma poltrona de distância. Continuava rindo. Parecia que o
Diabo estava dando-lhe conselhos numa conversa particular. Ele concordava com a
cabeça e ria. Agora a velha secretária olhava só para ele. Pelo menos não está
olhando para mim, pensei. Pelo menos se a secretária morresse, eu teria em quem
por a culpa - concluí. Olhei para ele e ri, ele concordou com a cabeça e riu mais
ainda.
...
......Finalmente estávamos em outra sala. O
coordenador da consultoria publicitária havia chegado um pouco atrasado.
Tratava-se de um sujeito magro e com uns pelinhos brancos na cara - mas os
cabelos loiros e desgrenhados. Estava vestido com uma camisa flanela laranja e
as mangas dobradas até os cotovelos. Falava com um sotaque gaúcho de Porto
Alegre. E era de Porto Alegre! Calçava tênis converse. Gesticulava bastante
antes de falar. Não deixei de notar que estava com olheiras marrons embaixo dos
olhos azuis. E parecia quase tão bêbado e desleixado quanto eu. Mas eu nunca
usaria camisa flanela - ao menos que estivesse morto e não pudesse resistir!
......Apresentou-nos a sua equipe. Gabriela, uma loira
que estava sentada com um notebook no colo. Gabriela era magra e muito alta,
parecia uma modelo. Usava também uma camisa flanela, óculos grandes - parecia
que tinha roubado da sua vovó -, e calça legging preta. Gabriela parecia uma
gata no cio se lambendo. Sorria maldosamente para todos os homens na sala.
Tinha muito tesão em viver, pelo visto. Ou tinha tomado ácido, sei lá. Um de
seus pés estavam sobre a cadeira - o que aumentava o seu charme, ou sua
safadeza. Bruna, uma mulher um pouco mais velha - lá pelos trinta e cinco, acho
-, mas vestida como se tivesse 13. Estava com o notebook sobre uma grande mesa,
onde nós, os consultores estávamos todos colocados no lado oposto. E havia um
sujeitinho muito estranho que se chamava Tiago. Muito magro, com cabelos
encaixados e desgrenhados, também com uma camisa flanela dobrada até os
cotovelos e aparentava 14 anos exceto por um bigode de velho de 74 anos. Esse
tal Tiago estalou os olhos quando me viu entrar naquela sala! Tentei desviar o
olhar dele, mas seu olhar pesava sobre mim. Era como se dissesse:_ Deus, por
que o Diabo em pessoa acabou de entrar nessa sala? Graças a esse olhar conferi a mim mesmo num
reflexo numa janela. Estava todo de preto - como de costume - mas nada de
camisetas de banda de rock - como de costume. Tinha a barba de 15 dias por
fazer e olhos um pouco vermelhos. Parecia mesmo um desgraçado saído do inferno!
Pisquei para Tiago, já que ele não parava de olhar para mim com a boca aberta.
Isso pareceu piorar as coisas para o pobre garoto. Esse negão vai me estuprar!
- Imaginei que ele pensou.
_A propósito, me chamo Carlos! - Disse, gesticulando,
o líder da porra toda.
_hahahahahahaha - riu o hip-hop'S.
......Um projetor foi armado para que assistíssemos um
comercial numa parede branca. Segundo o que nos falou Carlos, deveríamos
assistir o comercial e falar nossa opinião. O que disséssemos seria anotado
pela equipe com os notebooks. E ao final, se contribuíssemos certinho,
receberíamos uma grana dentro de envelopes. O tema era CRIATIVIDADE e o
comercial era sobre uma linha de canetinhas, lápis de cor e tintas. A ideia dos
publicitários era unir uma coisa a outra, embalada por uma música. E, segundo
foi revelado pelo tal Carlos, fomos selecionados por causa de nossas diferentes
perspectivas de criação - e nossa capacidade de interagir em grupo. Lembrei que
eu estava bêbado... ia ser difícil para mim falar muita coisa, pensei... pensei
no dinheiro - claro!
......O tal comercial começou. Obviamente tinha
criancinhas - todo publicitário dá um jeito de meter uma criancinha num
comercial! Não entendo o por quê fazem isso, mas fazem. Tinham criancinhas que
podiam ser identificadas por pertencerem a diferentes etnias. Outra coisa que
todo publicitário faz. Que droga! As criancinhas estavam felizes - nenhum
publicitário coloca uma criancinha triste num comercial, já reparou? Uma
criancinha ouvindo Joy Division e lendo Schopenhauer. E as criancinhas estavam
felizes porque tinham um monte de lápis para rabiscar nuns papéis - que apesar
de estarem numa calçada próxima a um bosque, estavam todos os papéis de um
branco impecável e sem nenhum amassado! O que as criancinhas rabiscavam no
papel se tornava a paisagem - e por isso a paisagem que era bonita, se tornou
um monte de rabiscos sem sentido algum. A paisagem passou a ser de um colorido
artificial e lembrava uma obra de Picasso com traços de Van Gogh -
descaradamente plagiado! Aí as criancinhas desatavam a correr - como um estouro
de boiada. Corriam rindo com a boca aberta, como se correr com os lápis na mão
fosse a melhor coisa a ser feita na ocasião. Ninguém caiu e enfiou um lápis
pontiagudo no olho! Nenhuma criança sentou o braço no coleguinha para roubar o
lápis mágico para si. E no fundo tocava uma música insuportável que não fazia
nenhum sentido com as crianças, nem com Picasso - que preferia fumar um
charuto, bem bêbado num bar sujo -, nem fazia sentido com Van Gogh - que
preferia um punhado de putas e uns tragos num minúsculo quarto de manicômio. No
final as crianças, que haviam desatado a correr enlouquecidas com lápis na mão,
paravam e cantavam um trecho da música com uma letra complexa - que obviamente
não entendiam. Nesse momento as criancinhas paravam - como se sua correria
tivesse sido meio idiota e sem sentido algum - e lançavam beijos para a câmera
(no caso para nós) e uma delas, bem no centro, dizia o nome da marca dos lápis,
difícil de mais para uma criança de 3 anos soletrar. Enquanto a tela escurecia
ouvia-se um sussurro:_ Compre!
......Assim que a coisa toda terminou o grupo do qual
eu fazia parte aplaudiu emocionado. Até eu aplaudi, encorajado pelos colegas.
Dudu hip-hop'S batia palma e ria enlouquecidamente. Dizia:_ que viajeeee
caraaaaa!
......Carlos e sua equipe estavam satisfeitos. Todos
estavam emocionados e eu pensando como é que iria tirar aquela merda da minha
cabeça. Existem certas coisas que entram na sua cabeça e ficam ricocheteando
ali dentro. É um jogo entre a loucura e o pesadelo. Depois daquilo eu não tinha
mais forças para ser eu mesmo. Aquilo havia me infectado, era uma doença louca,
um tipo de refrão da morte, um ácido que corroía seu cérebro. Fechava os olhos
e vinham imagens do comercial. Pensei em abrir a janela daquela sala e me
atirar do terceiro andar de cabeça na avenida lá fora.
_Essa ainda não é a versão final, galera! - Disse
sorrindo, Carlos. Ainda estamos abertos para leves alterações.
......Olhei para o restante da equipe de
publicitários. Gabriela estava esfregando a bunda na cadeira. Pelo jeito que
ela me olhava, aquela cadeira estava ótima!
Bruna sorria com satisfação, a sensação de um trabalho bem feito e Tiago
olhava para a tela do seu notebook - petrificado. Parecia o único a refletir:
"que merda que eu fiz na minha vida para estar aqui?". Senti vontade
de pedir para repetir o comercial e agarrá-lo pelos cabelos e obrigá-lo a ver
aquela merda até o fim.
_É bem criativo! - disse a tal loirona.
_Dá uma paz e uma tranquilidade... - Resmungou uma das
arquitetas. A outra repetiu.
_Muito louco, cara, altas viagem! - Resmungou o tal
Dudu.
......Todos os olhos se voltaram para mim. Não falei
nada. Tremia.
_Posso ir tomar água? - Perguntei, ainda um pouco tonto.
_Pegue um copo de água para ele - disse Carlos e
apontou para Tiago. Este se levantou, como se hipnotizado e saiu correndo pelo
corredor. Carlos virou-se para mim:_ e o que acha? É importante que tenhamos
uma unanimidade aqui, cara! - Disse.
_Isso vai para a t.v.? - Perguntei, coçando a cabeça.
_Vai! - Respondeu Carlos sorrindo. - não é ótimo?
_Acho que esse comercial me deixou louco... -
resmunguei.
_É isso aí, cara! - Comentou Carlos fechando os punhos
numa expressão de "YES!".
......A água veio. Tiago tremia com o copo na mão.
Arranquei-lhe o copo e bebi de uma só vez. Ele ficou parado, me olhando.
Descobri de onde vem à merda do mundo, refleti. As pessoas assistem esse lixo o
tempo todo. Isso é provavelmente o fim da humanidade. É pior que a bomba
atômica. Daí saem os psicopatas, os esquizofrênicos, os psicóticos. Depois que
vi isso senti vontade de matar todo mundo nessa sala - e morder a bunda de
Gabriela que tentava, agora, lamber o cotovelo.
......Os envelopes foram colocados diante de nós. A
grana, enfim. Cada um pegou o envelope com o seu nome. Depois por ordem de
entrada, cada um apertou a mão do Carlos e saiu. Eu era o último, claro. Antes
de sair, passei por Tiago e fui até Gabriela.
_O que é que tem nessa cadeira? - Perguntei apontando
para a cadeira e olhando no fundo dos olhos dela.
_Aqui está o número do meu telefone cara. Jesus, eu
estou morrendo aqui... Nossa! - Disse ela mordendo os lábios e me entregou um
papelzinho.
......Carlos pigarreou na porta aberta e olhou bravo para mim. Passei
por ele e não apertei sua mão. O corredor era longo e apertado, andei atrás do
tal Dudu hip-hop'S. O cara parecia que tinha um espeto atravessado do rabo até
as tripas. Pensei em empurrá-lo com o pé nas costas para que ele saísse da
minha frente. Acabei desistindo. Você sabe como é, o que importa na humanidade
é o ponto de vista de onde se observa uma aberração! Por exemplo, pensei na Mãe
dessa mola maluca, que desfilava na minha frente com o fundo das calças
arrastando no chão: ou ela dizia “meu filho é uma gracinha” ou já teria se
enforcado de desgosto. Não pude deixar de rir, sabe? Nessas horas você entende
as coisas mais absurdas do mundo. Por que um país entra em guerra com outro,
por exemplo. Para se livrar da juventude idiota – parece um bom motivo. “Vamos
deixar esses diabos liquidar uns aos outros” – resmungou algum presidente. Vai
saber... A paz arruinou o mundo e agora estávamos condenados a assistir
comerciais na frente da t.v. até o cérebro derreter e escorrer pelo nariz.
...
......Eu poderia estar
correndo na praia ou levantando pesos numa academia de ginástica. Mas onde moro
não tem praia, não gosto de correr – prefiro parar o pé e encarar! - e acho
academias de ginástica um parque de diversões para retardados. Nesse caso me
restava sentar na sala do apartamento e bebericar uma cerveja. Eu sei que as
pessoas pensam: Esse cara só fala em beber, odiar a humanidade e se meter em
encrencas! Mas querem que eu fale do quê? Da economia global, aventuras nas
montanhas e romances bem sucedidos? – Mais respeito pelo escritor gente... Eu
também sofro, ha ha ha. Já imaginou se eu tivesse escrito O senhor dos anéis? “A
história de um monte de seres esquisitos que bebiam muito e encontravam um anel
e lá pelas tantas iam num bar e tentavam trocar um anel de poder por seis
garrafas de vodca boa”. E se eu tivesse escrito a série Harry Potter? “A
história de um menino bruxo que tem problemas com o alcoolismo e perde a mina
mais gostosa do colégio para seu colega que é militante no partido dos
trabalhadores – para se vingar ele funda um partido de extrema direita e tenta
reestruturar o nazismo”. Nem pense o que seria se eu tivesse escrito a bíblia: “A
narrativa de um Deus psicopata que era chegado numas cervejas mexicanas e em uma
certa tarde de domingo decidia inventar a humanidade para fazê-la se foder em
tempo integral e depois queimar no inferno cantando em coro ALELUIA”. Paramos
por aí.
......Abri o envelope e lá
estava a grana. Não dava para pagar o aluguel, não dava para levar uma garota
para jantar, não dava para comprar um tênis novo e nem para comprar uma calça
de marca. Dava para comprar um brinquedo para meu filho – mas não tinha filho
-, dava para comprar um presente simples para uma namorada simples, porém “as
mulheres ainda cospem quando eu passo”. Era apenas a restituição do dinheiro
que deixei para trás após escapar de uma surra. Dois maços de cigarro. Meia
pizza. Uma caixa de cerveja. Dois pacotes de folhas A4 para encher de contos
que ninguém publicaria ao menos que não regulasse bem da cachola. “Poderia usar
as folhas para preencher currículos e encontrar um emprego descente” – uma voz
interior falou. A consciência? Nunca. Só podia ser um espírito maligno e como
espíritos malignos não existem, sacudi a cabeça e me livrei dessa voz perversa
e corruptora. Fiz o sinal da cruz.
O telefone tocou. Esperei o
terceiro toque antes de atender.
_Adriano? – dessa vez foi
uma voz de homem sério, grave.
_Talvez... – tentei imitar a
voz de um gângster.
_O escritor? – Prosseguiu a
voz séria.
_Talvez... – Segui.
_Para com essa veadagem! É
você sim. Tenho uma proposta para você... um trabalho...
_Você se enganou, cara.
Sinto muito. Não tem ninguém com esse nome aqui... Boa noite e boa sorte! –
falei cordialmente.
_Li algumas coisas que você
escreve... gostaria que escrevesse um conto longo para nossa editora,
mandaremos um dinheiro como adiantamento.
_Ok. Adriano acabou de
chegar, deixa eu passar o telefone para ele... – falei.
_Vou entrar em contato logo.
Mas só mais uma coisa. Por favor. Você é razoável no que faz... então vê se
cria um personagem, pare de falar de você mesmo. Vamos gostar de publicar o seu
material. Boa noite.
......Estava preparado para
rebater a crítica. Havia embasado muito bem minha poética literária e meus
conceitos. Tinha várias frases interessantes para falar. Muitas delas
envolvendo “cala a boca seu merda” e “o que que você sabe, seu filho da puta!”;
mas o sujeito deligou.
......Fiquei ali, ardendo em
ódio no silêncio. Mas como os donos de apartamentos nunca esquecem o maldito
dia 5 de cada mês – os desgraçados devem viver para isso! – e as cervejas
continuam acabando mais rápido do que a minha existência pode suportar, decidi
que esta era, de qualquer jeito, uma chance. Peguei uma folha e uma caneta e
imediatamente me pus a trabalhar enquanto ainda havia tempo.
Rabisquei a ideia geral de
um conto. As palavras brotaram como se fossem mágicas.
“Numa folha qualquer eu
desenho um sol amarelo. E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo com
putas dançando e uma geladeira cheia de cerveja. Corro o lápis em torno da mão e
me dou uma garrafa de vodca. E se faço chover, com dois riscos me dou um
guarda-chuva. Se um pingo de vinho caí no azul do papel, num instante imagino
uma linda gaivota cagando no céu”.
Isso aí há de me trazer fama
e fortuna, pensei. Aí está o caminho da imortalidade, concluí e acendi um
cigarro.
r.A.
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