domingo, 26 de janeiro de 2014

A odisseia do trago, do cigarro e do minúsculo quarto escuro

(William Adolphe Bouguereau, -Dante e Virgilio all'Inferno, 1850 - Olio su tela, 281 x 225, Musée d'Orsay, Parigi)



(Ao som de Stay Away – Nirvana)

......Quando olho para uma cidade não deixo de notar a fantástica ilusão que a mantém em pé. Uma sociedade, para mim, é um consenso de linguagem. Uma cultura é uma fábula necessária. Que alguém se dedique a coletar os detalhes disso tudo - me parece - um delírio de respostas. Quero dizer: não há respostas. Isso tudo é uma espécie de jogo! No mais o ser humano é um incrível processo de adestramento e adaptação. Tudo isso é revestido com o açúcar colorido – Moral. Penso que sabia disso tudo aos 13, os anos seguintes foram apenas um “processo de confirmação” [Cioran].
......É evidente que para melhor nos suportarmos desenvolvemos o incentivo hipócrita aos que tudo querem preservar – e a censura aos que tudo querem destruir! Banimos os ‘maus’, aplaudimos os dóceis. Desconfiamos de tudo que ofusca nosso minúsculo brilho. A humanidade é feroz na sua ingenuidade e a ignorância é quase uma conveniência. Aí que essa humanidade se tornou “um inferno de salvadores” – dizia Cioran.
......Sufocando as expectativas deixei de encher o saco falando de Futuro. Desconfiado dos “biógrafos pagos”, já não busco “identidades” no passado. Falar de Caos para mim é uma brincadeira. Falar de utopia, uma choradeira! Veja que somos reféns de duas imprevisibilidades, a saber, nossa humanidade e a misteriosa Natureza.
......Tínhamos a arte! Agora temos alguns resquícios... a burocracia e as medalhas prestaram para o exercício de desnutrição – as contas pagas são uma exigência primeira. “Quem é você para criticar?" – gritou um ofendido na multidão. A pergunta é interessante! E a resposta continua sendo a mesma: Quem sou eu? Sei lá! (risos).
......O problema não é que Deus – fundamento metafísico- está morto (como me confidenciaram alguns Filósofos), é que ninguém quer deixar seu cadáver apodrecer! Me parece que tudo tem a ver com “se dar bem na vida”. O último capítulo da bíblia e a última lição da biologia (que provavelmente é a primeira lição da Filosofia) continuam carentes de leitores. Mas convenhamos, é dureza para um animal pensar nessas coisas!
......Racionalmente tudo isso é reversível! Não contaram que estamos embriagados de razão... Exceto quando um individuo se dá conta de sua ruína, imagino que psicologicamente tudo vai “bem”. Felizmente ninguém mais é obrigado a pensar sobre todas essas coisas – este é o truque mais interessante e que está intimamente ligado a ilusão da cidade! Cá entre nós, enquanto alguns sujeitos estiverem remoendo em suas odisseias do trago, do cigarro e do quarto escuro e seguirem evitando divulgar suas funestas observações sobre esse mundo: teremos mais uma chance!
......No fundo eu exagero! Pela manhã o jornal terá boas novas. A política vai bem – a saúde e a educação serão consequências! Você sabe como é: pratique atividades físicas regularmente, alimente-se com uma boa variedade de frutas e use o protetor solar. Na dúvida faça um balanço financeiro para o ano e visite as terapias de grupo no clube que achar mais interessante! Se não puder acreditar nessas coisas colega... se não puder fingir que acredita... ah! Sinto muito... Por nós.



r.A.


Escultura bovina & outras maravilhas




(Ao som de Shout out louds – There’s nothing)

......Não tenho muita certeza sobre isso, mas desconfio que existem pelo menos duas maneiras de escrever algo que preste – caso você não seja lá uma pessoa muito sensível. Uma delas é esperar 50 anos. Não é uma questão de maturidade, mas de amargar no mundo. Gente que não amargou ainda, só escreve besteira. Imagino que 50 anos é o necessário para você ficar de saco cheio das pessoas e assistir de camarote todas suas ilusões morrerem desnutridas. Sou da opinião de que gente que ainda tem fé não está apta para escrever – ponto. Obs: Escrever é uma coisa, dar testemunho é outra.
......A segunda maneira de escrever algo que preste é imaginar a sua lápide. Talvez dois anos imaginando a sua lápide seja o suficiente para brotar na sua alma a vergonha de ser lembrado por besteiras que você costuma dizer por aí – ou escrever.
......Fora essas duas maneiras, não consigo imaginar nada no momento.
......Sei que a maioria de nós – humanos, esse macaco que deu muito errado! – engole muito lixo acreditando ser literatura. Basta uma madame viver uma incrível história de amor (uma trepadinha dramática), um jornalista ser incentivado pelos coleguinhas, alguém que se acha um gênio frequentar uma oficina literária – dada por um charlatão -, para aparecer um livro. Veja o meu caso, bastou ter uma série de ideias ásperas que nunca passariam pela “censura” editorial para montar um blog! É um absurdo! Se eu tivesse vergonha na cara me dedicaria ao exercício do silêncio.
......No fundo, todo mundo sabe que a vida humana não tem sentido algum. É por causa desta falta de sentido que admiramos qualquer um que escreva um elogio bem dengoso sobre a humanidade – todo político sabe disso. Provável que a marca registrada de nosso contexto – sem contar com a mentalidade infantil, no mal sentido – é a necessidade da crença de que somos importantes: Mesmo sabendo que a salvação do planeta Terra seria obviamente a extinção humana. Daí os fanáticos da salada e do “lixo no lixo”. Já disse isso em algum texto por aí, mas vale a pena repetir – se mais alguém tentar salvar a humanidade, lutar por um mundo melhor, etc., creio que o planeta não irá suportar.
......Um sujeito chamado Xenófones, disse (uns cinco séculos antes de Cristo) que se os bovinos pudessem fazer esculturas de seus deuses, provavelmente as esculturas teriam cabeças de boi. Eu aposto uma garrafa de whisky que você ainda faz planos para o futuro! (risos). Cá entre nós, eu desconfio que 99% da literatura não passa de uma escultura humana – e a humanidade não é uma historinha de ficção?
......Mas não “pire” com isso tudo que escrevi aqui nesse breve texto, as ciências humanas – em especial a história, a sociologia e a psicologia – tem uma ótima desculpa, praticamente um laxante, para toda essa tragédia. “Tudo é cultural”. Amém.



r.A.