segunda-feira, 31 de maio de 2010

Utopia de Bêbado Filósofo Part.1


===>(Ganhei de presente esse título de um leitor do blog e resolvi não desperdiçar... Até porque, é sempre um prazer saudar nobres ideias e fantásticas observações!)

.......Percebi que o escrito “Dias de Fausto em Chapecó” algum movimento causou, onde, é claro, alguns depoimentos me senti na obrigação de apagar dado que este é um blog sério - HAHAHAHA-, um lugar de proposições que levem a “quase nada”, algo que se não fosse o “quase” nos conduziria a um passo análogo aos grandiosos projetos dos “quase” intelectuais que teimam em mascarar uma necessidade de fazer algo pela cultura em Chapecó com a auto-promoção de si mesmos.
.......Ora, e por que não nos auto-promover se essa é a regra do mercado na contemporaneidade (se pensarmos bem, sempre foi na auto-promoção de si mesmos que alguns nobres humanos contribuíram para essa nossa linda história de guerras e paradoxos! Abominável “Clio” já dizia um tradutor de E.M.Cioran!)? Mas vejam bem meus queridos leitores, este blog - e não nego isso- é baseado na auto-promoção, no entanto, esta auto-promoção é, sem dúvidas- a auto-promoção da “utopia de um bêbado filósofo” (embora eu não escreva embriagado pelo álcool, mas sim por pensamentos- Até por que, quando estou embriagado, prefiro dar tiros de revolver de espoleta nos vizinhos do que escrever - e escrevo nesses intervalos). Mas fica a dica para melhor compreender as proposições: Diferenciar ironia de palavras de um bêbado é mais uma questão de faro do que de instrução! Ex: Se eu digo - bebam com moderação no bar!- Imagino que alguém terá a capacidade hermenêutica para compreender que é o mesmo que dizer- façam o sinal da cruz invertido, na missa, quando o padre estiver olhando! Ex2: Se eu disser - não percam a oportunidade de beliscar a bunda do prefeito, pois, talvez não surja essa oportunidade novamente (salvo o caso de um de vocês trabalhem de secretária-loira-peituda na prefeitura)- não é a mesma coisa que eu dizer- joguem sal em uma lesma e chamem isso de “big-arte-conemporânea-com-elementos-do-dinheiro-sujo-de-um-bosta-metido-a-ricaço-marido-de-uma-madame-retardada”. Agora que já estamos todos previamente iniciados na “utopia de bêbado filósofo”, como dizem as pedagogas (só as boas, ok?):_já temos toda uma bagagem de paradigmas para prosseguirmos! (HÔHÔHÔHÔHÔ- risada do Karl Marx empanturrado de batatas).
.......Último esclarecimento: Porquê utopia? A palavra utopia tem muitas compreensões, cabe a nós definir alguma. Eu vou nessa aqui, meus amigos: “A utopia (de ou-topia, lugar inexistente ou, sengundo outra leitura, eu-topia, lugar feliz), criar um espaço para o possível; contra qualquer aquiescência passiva ao estado presente”. Na “verdade”, estou me acostumando com isso. A princípio desconfio da utopia e é justamente por desconfiar dela que a estou usando ultimamente - não me daria ao luxo de usar algo que não desconfiasse. E é claro, enquanto direção dissertativa, a utopia é ótima para tirar sarro justamente por ser ambígua e por vezes, contraditória. Porquê filósofo? AH, ME POUPEM!
.......Sabemos que há um abismo sem fim que separa cada palavra, cada signo agrupado, cada vírgula de um texto de nossa obsessiva busca por algo perdido. Imagino que um pouco de humor ácido se retorcendo em deboche (sim, podemos nos permitir ser debochados em alguns casos) alivia um pouco as dores de estômago e as náuseas da contemplação desse abismo. É certo que há alguns receosos que preferem esconder-se atrás de sombras “das sobras” enquanto ameaçam com um graveto acabar com nossa festinha dionisíaca. Não propõem nada e enchem a boca para falar em Caos, Delírio, Poesia, Selvageria, Intensidade, Obscuridade, enfim, é motivado pelas dores de estômago e náuseas que me pus há escrever um pouco. O “problema” (que é coisa de matemático para quem tem olhos apenas para a lógica) é quando uma cidade inteira acredita em uma palhaçada amadora. Bobagem pouca é besteira! “Não tem ninguém que não é bobo”. Passou da hora do faz de conta, do engolir lixo, do se vender por trocados. E o que vamos fazer agora? Vocês, bem, eu não sei, mas eu vou escrever escrever escrever escrever escrever escrever escrever escrever escrever escrever escrever Escrever Escrever ESCrever ESCRever ESCREver ESCREVEr ESCREVER Até que o diabo saiba que estou descontente! Até o céu lembrar que faço buracos nele! E se vocês tiverem coragem para espiar junto comigo o limite - vamos lá! Do contrário, vendo lancheira da turma da Mônica! - Pois conforme orientação do SESC Chapecó - você tem que entrar em um grupo MEOW! O que não muda muita coisa, já que os grupos se repetem e a besteira segue. E então, vamos brincar de ser xarope?
.......Em suma, passei alguns anos sem ligar a t.v. e muito menos ler os jornais escritos de forma péssima nessa cidade, tal como, freqüentar raramente algum espetáculo daquilo que descrevem como sendo “rock” - o que poderíamos chamar também de velório do rock, pois os repertórios são guiados por uma coletânea de postulados (isso e somente isso)- e outra coisa é certa, posso garantir para vocês sem erro quem serão os próximos artistas a expor nas galerias (três?) dessa cidade (as mesmas quinquilharias de outrora). Nem vou estragar esse texto falando das duas famosas casas de (lix)show que trazem o melhor do fedor decadente vindo direto do RS falido- Justamente aquilo que faliu na cidade vizinha é cultuado por choradeiras da cidade seguinte. Agora que sai de meu covil, quase não consigo acreditar na porcaria de dimensões gigantescas que isso tudo tomou! E vamos fazer o que em relação a isso? Fazer de conta que mais importante que isso é minha relação mal resolvida com uma puta, lançar um disco chorando, pintar um quadro com uma santa nua - para chocar né? A play boy não choca mais os inseguros sexualmente - tirar fotos balançando a câmera e escrever: isso não é coisa de gente tonta, se internar na universidade, ir para igreja pagar o dízimo, velar Jesus e o Ozzy na mesma camiseta, ir numa palestra de um ridículo comentador de jornal medíocre, rir dos índios, “Ver Menos”, sim, rir dos índios parece ser bastante razoável - não se incomodem, não, não, não é por aí meu coração, nós temos que ser unidos... TOUCH ME, IM SICK!
.......A auto-promoção da utopia de bêbado filósofo já me parece uma boa causa. Tomo agora o rumo de meu barco para que vocês tomem o rumo dos seus... Prometo-lhes que logo estará disponível a “Utopia de filósofo bêbado Part. 2” onde analisaremos as formas de “se dar bem” em Chapecó, isso, é claro, no circuito intelectual. Já lhes aviso, vão praticando o espanhol para adiantarmos a lição!
=

r.A.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Quem Disse que Resisti 30 Anos?



Um dia depois do outro é mais do que uma indecência. É
um Monte Fuji (pela neve e claridade também indecentes). Dois
galões antes do salto: e, na interposição entre um dia e outro, mais
ou menos dez anos sobre mim. Um dia depois do outro é uma
tripudiação. Quem disse que amanhã vai ser diferente?
Amanhã, por exemplo. Amanhã vou dar um fim nos pés de
mamona. Amanhã mesmo vou comprar uma televisão e um forno
de microondas (a minha ambição são as pipocas amanteigadas).
Vou contratar uma empregadinha. Amanhã mesmo vou atear fogo
nesta minha bela casa de praia com vista para o mar. Amanhã é o
meu dia de ser feliz. Amanhã não vai ser diferente.
Resistir não é Resistir.
É sobretudo não ter ninguém. Mijar na pia. Dormir sobressaltado
e ter pesadelos mesquinhos. Resistir é um dia inteiro de
esquecimento. Um cachorro. Um cachorro, não. Resistir não é ser
impetuoso e não é ser covarde. Resistir não é resistir. É saber que
de noite alguma coisa vai se perder. Os cogumelos crescem nestas
noites em que as coisas se perdem (esta noite um cogumelo brotou
dos meus tímpanos). Assim é resistir onde tem poeira. Às quartas-
feiras costumo ligar para os meus orientadores. E eles querem
saber do movimento das marés – o que também faz parte da resistência.

Mas quem são eles?
Em contrapartida meu vizinho paralítico dá piruetas em sua
cadeira de rodas. Tive trinta anos para fazer amizade com ele. Eu
lamento, ao longo destes trinta anos, não ter conseguido. Com a
surfistada nem pensar, eu considero uma aproximação irrealizável.
Eu gosto de imaginá-lo girando sobre os eixos (imaginários, todavia),
ele na cadeira de rodas e eu na mesma cena, apoiado meio
que distraído no parapeito – do ponto de vista de quem olha do
meu terraço uso uma camisa salmão de mangas compridas – dando
as costas para o mar e facilitando as coisas para ele, evidentemente.
Pôr-do-Sol / Eu jogo com as pretas.
Agora é a vez dele. Admito ter sacrificado uma torre em vão
(depois de trinta anos).
De modo que resisto.
Não se trata especialmente do meu interesse por aleijados.
Talvez alguma afinidade em papel celofane com o dia seguinte, eu
não falo exatamente (do meu Fellini em “sonho de valsa”...), tratase
menos de uma cena estilizada e mais do aleijado estilizado que
afinal ele é – daí que num arroubo canalha e sobre-humano ele
movimenta o bispo (como se ele pudesse levantar daquela maldita
cadeira de rodas) para ameaçar meu Rei!
Não é um jogo de sombras. Não é pôr-do-sol.
Deixa pra lá. Ou resistir não é resistir.
Os mortos mexem as unhas (é por isso que elas crescem),
elas, as unhas, crescem de felicidade. Quem está vivo não sabe o
que é a felicidade das unhas. Eu não sei do próximo instante. Mas
sei da minha retórica.
Ou estarei chafurdando no inconsciente? Outra vez?
Pois acabo de me transformar num tubarão adolescente e,
dentro de poucos anos, minhas barbatanas estarão valendo um
bom dinheiro no mercado negro. Chang, o chinês da auto-elétrica,
disse que sim. Creio que daqui pra frente vou ficar mais carní
voro. Uma prova: eu havia prometido para mim mesmo, à moda
dos índios charruas, que jamais escreveria a palavra “fluidez”. Aí
está: fluidez, cooptação, fluidez e cooptação. É porque eu sou um
tubarão. Eu acho que sim. Chang me garantiu.
Em se resistindo...
Aqui vão algumas anotações: ter band-aid em casa é importante
por motivos sentimentais. Sabonete eu gasto um por semana.
Desodorante sem álcool. Óleo para lubrificar minhas barbatanas.
Uma lista de livros não lidos. Nabokov também cansa. Mil
vezes os autores americanos aos brasileiros (com as exceções de
Márcia Denser e Raduan Nassar, é claro). Um cachorro. Um cachorro,
não.
O que mais? Vejamos.
Um plano de fuga. De sumir daqui. Amanhã mesmo, antes
de completar trinta e um anos, antes de o fogo consumir esta minha
bela casa de praia com vista para o mar.
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Marcelo Mirizola
(Trexo do livro: Fátima Fez os Pés Para Mostrar na Choperia)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dias de Fausto em Chapecó


........ Com tanto por fazer nessa nossa existência sem sentido (dado exteriormente), de que forma conseguimos sentar uns sobre as cabeças dos outros, forçando o olhar, e dizer que não há nada mais a fazer “a não ser” ouvir os velhos discos de trinta anos atrás, tal como ler condenados ao peso do saber humano, os poemas daqueles que cuspiam palavras (reproduzir é como juntar o cuspe das páginas para escarrar novamente) - dizendo que aqueles caras sim sabiam viver- bebericar em bares detalhando o relatório de nosso cotidiano? Se essa questão é pertinente ou não fica a critério de cada um, mas dou-lhes a dica de olhar para “a galera” nos bares de Chapecó (... sim, eu sei que quase nem vale o esforço...) e reconsiderar a questão. É o caso de uma sociedade em decadência ou de homens e mulheres como medo de SER?
........ Para cada grupo que urra a plenos pulmões- e chamam isso de riso- é possível sentir o cheiro de uma impotência latente que eles adotam como uma estimação intrínseca!
........ Poderiam ser essas apenas reflexões de um aborrecido (mas um aborrecido digno de viver em uma ilha cercada por ostras) - e eu aceito isso, não me sinto de forma alguma ofendido com uma acusação dessas- mas e como não se aborrecer ao observar as pessoas nos bares ao mesmo tempo em que se teme manchar a roupa com a baba que escorre das bocas dessas pessoas de lábios molengas- tremendo- análogos a pudins?
........ É óbvio que não temos mais jovens bêbados como antigamente. Os jovens bêbados de antigamente tinham um pouco de “feras” contidos em si para gastar! Os de hoje bebem e florescem como rosas murchas e tímidas (isso quando não se mijam e choram por um amor que perderam...). Seria o problema da bebida que não faz mais efeitos devastadores? Ora meus queridos, é preciso ter um certo “talento construído e talhado na rocha” antes de se meter com a nobre cerveja (e o mesmo vale para o vinho, para a vodka e o whisky)! Uma cadela que bebe tende vir a ser uma cadela bêbada, um pistoleiro que bebe - após o oitavo copo- tem lá seu charme.
....... Um artista lá dos anos 60/70 dizia que no futuro todos terão seus sagrados 15 min de fama. Eu concordo (com esse cuspe), mas reformulo a frase: Em Chapecó, hoje em dia, todos tem seus dias de Faustão! Sim, aquele cara insuportável com trocadilhos infelizes que ri forçadamente até de uma banana. Às vezes tenho até a impressão que estou vendo uma cidade onde todos são Faustão. Uns com camisetas de bandas dedilhando guitarras, outros com skates fincados no sovaco, outros comentando os discos do Ozzy, uns falando de política e outros ainda simplesmente lá... Faustões introspectivos. Em silêncio, meditando sobre a próxima atração... Inclusive, dia desses, um cara em uma saveiro com sertanejo a todo volume passou por mim e disse: Ô LOCO MEU!- ostentei meu dedo do meio para ele e ele disse: ORRA...hihihihi...O CARA ME MANDOU TOMAR NO CAÇULINHA!
....... Fica então essa questão: O que fazer sobre isso? Tenho uma resposta para os que estão interessados em sabotar o modelo imposto aí. Primeiro temos a responsabilidade social (digamos) de educar nossos jovens pré- Bar (Rimbaud e Baudelaire são indispensáveis em qualquer ementa - Aos mais avançados indica-se Bukowski). A antropologia foi amplamente estudada, como sabemos, mas não se deteve em um ponto fundamental: As culturas indígenas educavam seus jovens para se entorpecer em uma continuidade mística! Em outras palavras, digamos que a educação ou instrução pré-Bar que data de milênios na história da humanidade foi perdida mesmo com todos os avanços tecnológicos e industriais. Sim, esse é o caso de uma retomada do projeto. Podem ter certeza, depois disso (e disso somos capazes, vejam como avançamos no projeto educacional anti- analfabetismo... Ainda temos advogados, bancários e psicólogos, mas não podemos fazer tantos milagres assim) o bar será um lugar mais feliz, mais atrativo, e melhor ainda: o bar vai voltar a ser um templo da criatividade feroz! Se isso não é suficiente, lembrem-se que no bar começou o blues, o rock, o jazz, a filosofia (a que não é inútil), a arte e a literatura que não dá sono - historiadores sérios, mediante pesquisas intensas, registram que o Emo não começou no bar e sim no salão de beleza unissex, portanto não há lado ruim do bar. Este é um pequeno passo, mas é possível fazermos isso imediatamente. Outra medida possível a ser tomada é aposentar o Ozzy... Mas isso requer outro longo texto. Podemos também preparar um longo relatório escrito a mão sobre nosso dia antes de ir para o bar. Entregamos no balcão do bar, devidamente nomeado. Aí, se alguém estiver interessado em saber como foi nosso dia, é só retirar no balcão o relatório. Chega ser fantástica essa ideia (certamente irei patentear e já digo porque...). Uma vez adotado esse método, esse método será superior a psicanálise, já que o sujeito além de melhorar a escrita (e sabemos também que quem bem escreve, bem se expressa) pode fazer uma análise sobre seu próprio cotidiano na leitura. O outro interessado pode, além de praticar a leitura fazendo, inclusive, correções, pode também acrescentar comentários, críticas, indicações de leitura, filmes discos -sabendo que o Ozzy está aposentado- e o melhor de tudo: Podemos deixar a conversa no bar muito mais proveitosa e construtiva já que a catarse do trivial já foi devidamente eliminada. Programas de incentivo podem ser adotados, por exemplo: “O mais fodido da semana”, ou “O mais interessante”, prêmios atribuídos mediante demanda (um crédito de trinta reais no bar), enfim, isso são coisas a serem pensadas ainda. Mas tomemos consciência que isso tudo tem de funcionar antes ou após o sagrado momento da mesa do bar. Assim estaremos assegurados contra o tédio.
....... Uma vez posta em prática à proposta veremos a erradicação gradual dos dias de Fausto em Chapecó. Saudaremos o inicio de bêbados mais humanos e sérios, todos implicados com uma causa nobre - a renovação juvenil e cultural na dita cidade-, logo se desmanchara a massa disforme e alienada de si dando lugar a intelectuais propositivos, críticos e que não deixam suas singularidades resvalarem pelos dedos. Não mais será pertinente a questão que coloquei no inicio do texto e que acredito que muitos, no atravessar de noites frias, se fazem.

r.A.

sábado, 8 de maio de 2010

Uma senhora cansada atravessa a rua em direção a uma igreja. Todos na sua família se foram. Ela se sente entediada com sua durabilidade e com o frio vento cortante. Não há histórico de doença no estender-se de minha vida, disse ela para si, nem o risco de vida me quis, concluiu. A direção foi tudo que lhe restou. Pessoas não me causam fastio, esse não é meu problema, o problema poderia ser o fastio que causo nas pessoas, mas não foi. Minha fala é monótona, minha voz trincada, minha intensidade salubre, minha carne enrugada. Setenta verões, invernos, outonos e primaveras. Milhões de rostos e palavras. Uma que outra lembrança, todas em preto e branco. Não houve falta de amor, nem depressão. Poucos problemas e conforto acima da medida. Talvez se tivesse sofrido... Se tivessem me partido o coração, me imposto um desafio que eu perdesse, uma frase que me escapasse a compreensão, dado um conselho inválido, comido uma carne dura em um restaurante barato, tivesse vômito ou azia, reclamasse da juventude nos outros pós o fim da minha, a morte de meu esposo - nem uma lágrima além das necessárias-, o fim do pai e da mãe, a mãe primeiro e prematura, uma fila de banco, uma burocracia qualquer que me esquentasse a cabeça, um pensamento que me lograsse o sentido de aqui estar, um livro desgostoso, a ausência de papel higiênico no banheiro, a visão da primeira ruga, o trombadinha que me arrancou a bolsa e correu sentindo o calor de um pequeno crime, se tivesse sentido raiva... A favelinha que a senhora observava pela janela de seu apartamento úmido era compreensível, as novelas, os jornais, o vendedor suado de algodão doce, a padaria, o caso do padeiro com a mulher do pedreiro Antônio, o menino que lhe ajudava com as compras, o último bombom na caixa ao lado do sofá, as festas e as guerras, os latidos do cachorro da casa ao pé do edifício, a vida e a morte, a razão dos poemas, o sotaque das línguas, a letra W em seu nome, a mão na arma do guarda, o cheiro de peixe na feira, a menstruação da vizinha de quinze do trezentos e oito, o dente torto, o inconsciente, o 2+2, um tetraplégico, o olho do boi, os tomates, arte contemporânea, a conta de luz, o sorriso sombrio do impotente, o alcoolismo, a personalidade impossível, a lua nova e a bituca de cigarro que acabara de pisar em cima, tudo compreensível, até a incompreensibilidade. A senhora cruza a porta da igreja, o pastor cita: “Vinde a mim os fracos e oprimidos que eu os aliviarei!”
_Amém!

r.A.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Moveremos infernos?


==>Com que peça toscamente encenada, com que sentenças matemáticas me martirizei ao me defrontar comigo mesmo, desnudo na rua escura, sentindo o acúmulo do calor de uma tarde de domingo no asfalto, sozinho embaixo de um céu sem deus. Tinha comigo, como Zaratustra, meus animais - a saber, uma carteira de cigarros e minha serpente que asfixia qualquer coisa desse mundo. É claro que eu estava embriagado (oito xícaras de café gelado) e procurando confusão comigo mesmo. Dei-me um murro no bolso e saquei algumas moedas, mais barulhentas que sinos de igreja, aliás, mais barulhentas que uma igreja de três pisos sem ar condicionado. Olhei por cima do ombro esquerdo, o ombro que dói às lágrimas de sete mendigos, a cidade que abandonei sem nem mesmo me dar o luxo de pular o muro dela. A cidade que nunca fui capaz de pronunciar o nome, pois a minha boca subia a ânsia, o vômito me sufocava... Com que fastio acenei tantas vezes com a cabeça para tantas pessoas - digo pessoas por cortesia-, tantas vezes que no meu pescoço se formou um calo, formou-se e fez doutorado na Alemanha. Oh querido calo que sambou nas portas de Frankfurt em chamas! Os amigos todos mortos, em fila na porta do inferno, Caronte saiu de férias, dizem que esta surfando em algum mar essas horas... Cérbero abandonou seu posto arcaico para deitar-se no divã do Dr. Freud, soube que sofre de transtorno tri-polar, pobre bicho! As moedas eu ofereci de porta em porta. Compra-se um deus! Talvez uma sombrinha, na falta de sombrinha um guarda-chuva, um boné talvez...:_ Nada disso minha senhora, nada de boina de seu falecido esposo que foi coronel. Andei até minhas pernas se gastarem... Até o esqueleto se gastar... Até as coxas sangrarem... Atirei uma pérola para um porco ali, outro acolá e infelizmente não peguei no sono.
==>Então era eu e o Schopenhauer rindo até a barriga doer de câimbras, passando trancas em velhinhas no shopping. Lá pelas tantas me cansei dele e passei uma tranca nele também. Ele gritou do chão:_ ESSE É O PIOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS! E eu joguei um pífaro e um véu das lojas maia para o velho e disse:_ Se vire com isso aí carinha! Melhor que isso só vídeo game e para seu desgosto não tenho um aqui agora! Na verdade era mentira. Eu tinha o tal do vídeo game, mais tarde esse vídeo game eu doaria para crianças no Haiti - porque as crianças daqui não sabem jogar o jogo. Neste mesmo shopping eu ganhei uma camiseta do Che Guevara em uma promoção. Comprei o capital do Marx em uma livraria anarco-cristã. Eu precisava de alguma coisa para escorar a porta. Qualquer coisa servia, por isso tratei de pegar algo bem inútil e que tivesse a durabilidade de séculos. Cogitei entre uma estátua de Jesus de gesso e outra de um preto velho de terreiro de macumba. Mas ambas estavam na moda lá por aquelas bandas, eram demasiadas contemporâneas. Fashion Shits, fashion style. Minhas moedas continuavam a cantarolar e por isso tive que despistar um padre e uma cigana... Não foi fácil. A cigana, enquanto me seguia, acabou sendo presa pela polícia: porte ilegal de crenças. Já o padre, foi dar aula de história em uma universidade - depois se lançou a governador- como troquei minha televisão por bolitas, nunca mais ouvi falar do dito cujo. MAS E A CHINA? Todos me perguntam da China e ninguém se importa comigo; pois bem, para a China eu enviei por Sedex aquela camiseta lá do Che Guevara. Desconfio que eles gostam. Gostam disso e de abater cães. “Matar ou entreter gente como se fossem animais e tratar animais melhor do que gente vem se tornando o paradigma e o paradoxo no momento” é o que tenho visto, porém, teremos de deixar essa questão na fila, pois os epistemólogos, cientistas e outras tolices “racionais” estão ocupados agora com a teoria da complexidade e o suor da bunda dos macacos, is the evoluction babe!
==>No fim das contas, registrando fisiologicamente os acontecidos, colei um cartaz na porta de meu quarto com os dizeres: “Trocasse moedas por qualquer coisa que não conduza a qualquer coisa!”. As moedas continuam aqui...

r.A.