quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Segunda Versão

Foi pelo buraco feito por um prego na parede onde minha mãe havia pendurado um quadro meu que a solidão entrou. A solidão e o cansaço. Eu aprendi por necessidade a amarrar os cadarços dos tênis e cruzar a porta e pisar na rua... Chovia. Eu visitava as pessoas e às vezes elas me deixavam dormir em um canto do quarto. Sorria menos do que agora. Sentado na cama lá do quarto das pessoas as observava e até que me contentava com um olhar de canto de olho... Será que fui feliz quando tudo acabou? O eu de hoje não pode responder, o eu de antes não se fez essa pergunta; estava ocupado demais com as ataduras e os remendos. Um dia alguém me disse:_ Mas me diga, eu vou lembrar! E eu disse:_ esquece... nunca ninguém lembrou... Eu disse. Esse alguém esqueceu. Foi a primeira vez que me aventurei para além daquele buraco na parede e não me sinto decepcionado. O quadro, o prego e a parede não existem mais enquanto o buraco caiu no buraco. Sobre a solidão e o cansaço não posso dizer o mesmo.



r.A.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Precisa-se de 01 moça para trabalhar em pet shop sem experiência!

Todas as noites, quase sufocado por tudo que há no mundo, eu saio de meu corpo e vago em espírito por sobre uma cidade tão medíocre como todas as cidades da terra. Problema da cidade? Uma cidade fantasma seria mais interessante do que esta! Problema são as marcas e os cheiros dos pensamentos das pessoas ecoando em cada fragmento do que me cerca. Um pedaço de minha alma se enrosca na torre do edifício mais alto e mais antigo e meus olhos, como se fossem microscópios focam cada molécula que se movimenta nas ruas. É um mar de carnes inúteis e em putrefação. As moscas e os vermes fazem festa e por um momento gostaria de faturar em cima do pior... Mas sou apenas alma e almas não são vistas nem tocáveis. Ser um espírito é uma grande maldição. É uma pena não poder colar um revólver no céu da boca e apertar o gatilho. Reza a lenda que a primeira arma a ser inventada não foi para a guerra, foi para o suicídio, mas o suicida inventor logo percebeu que como poderia se matar poderia levar mais alguns consigo... Ponderou... Com medo de acabar por encontrar todas essas desgraçadas pessoas no inferno, guardou a arma em uma gaveta e com uma pena e um pergaminho iniciou uma nova seita. A seita de um homem só onde seu destino e sua morte condizia apenas a ele... Se obteve sucesso, não se sabe, mas as armas são um invento interessante para os suicidas até hoje. Rimbaud sabia disso e embora muitas pessoas no mundo admirasse sua poesia, o que é mais maravilhoso em sua vida é o comercio de armas. A poesia foi seu passa tempo, coisa que se tinha naquela época remota para os jovens já que o videogame ainda não existia. Oficio para a vida mesmo, aquilo pelo qual ofereceu seus esforços mais desesperadamente sentindo-se vivo foi o tráfico de armas. Todos sabem disso, mas preferem a poesia que ele rejeitou. É que o mundo é dos bananas mesmo! Um dia o homem vai sumir da face da terra e a banana e as baratas vão perdurar! Alguma coisa me toca e meu espírito volta para o corpo. Finjo que durmo por precaução. Eu gostaria muito, muito mesmo de ter uma arma... Pena que Rimbaud não pode mais atender as encomendas...
r.A.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Fragmento de carta a um amigo...

Há alguns anos, e cada vez de forma mais rápida, sinto a necessidade de abandonar as conversas que não levam a nada, justamente pelo respeito que tenho para com o potencial humano. Como poderia aceitar que nós, com um intelecto de tamanha potência, nos dobremos em si e atravessemos madrugadas discutindo assuntos tão corriqueiros (para não dizer merda)? Se assim aceitasse, discutir crises, revolver os discursos mais fracassados da história, desrespeitar as bebidas e os cigarros que serviram os melhores de nós, se aceitasse isso (como já disse), nunca teria aberto a porta da poesia, da arte, literatura, música e filosofia. Teria eu optado por ler um jornal matinal ou um tratado de geografia e até mesmo história, mas não. Preferi exigir mais de mim, em nome das madrugadas insones que deixei cair timidamente às bóias que me faziam flutuar nas correntezas do pensar e sentir. Agora, eu submergi sem a esperança de voltar, aliás... esperança? Esse sentimento cristão não me seduz mais! Exigir de si, disciplinar-se antes que outros te disciplinem não é para qualquer um. Pois bem, meus nervos não mais me permitem morrer na fila do açougue sem um berro ou sem uma morte escolhida por mim. É isto que aconselho. Ora, dane-se os ditados populares a sobre conselhos!- são meros jargões! Já estas lendo por conta própria o que bem queres e isso é ótimo. Mas saiba sempre o que realmente procura, ou gastará dinheiro, tempo e saco a toa. Não pises em um bar para afogar as mágoas, isso é coisa de derrotado. Coisa de cristão. Se assim fores, tanto faz segurar um copo, abrir uma bíblia, como engatilhar uma arma. Acredito que isso não é para você, mas como lhe disse: ninguém escolhe por você, isso é com você!
Atualmente tenho passado pela maior carga do pessimismo em todo pensamento humano: A falta de sentido para tudo que fazemos. A saída não é simples, “ já chegou a época de criarmos o que fazer!”. Sabemos que é diferente de procurar o que fazer. É preciso criar um mundo para viver e depois viver neste mundo já que o mundo que foi criado para nós não nos serve nem para remendo de um novo mundo. Entenda como quiseres, mas acho que é por ai. A mentalidade da sociedade que herdamos sem querer é positivista (cada qual ocupa seu lugar como se fosse uma peça de fábrica). Nossos mestres serviram as mais miseráveis instituições, não sabemos mais se estamos dentro ou fora desse jogo, já que tudo é dobrado (parafraseando Guilles Deleuze). Poucos rasgaram o horizonte das fábricas das fábricas para ver um sol que nem estava mais tão aceso assim como as fábulas nos mentiram. Sendo impossível o primeiro exercício, nada adiantaria dizer para as pessoas desligarem as tevês ou anunciar que nossos dias não tiveram valor ou ainda mais, “a minha vida será um sonho agora que não preciso de você!”. A única forma de atingir a maturidade intelectual e sensível é não precisar de ninguém. É a saída para não mais precisarmos dos outros como bengalas e assim ver os outros não como extensão de nós (como propunha Sartre), mas sim ver os outros e saber que eles são enquanto possibilidade de existir.
A nossa história particular, essa que se mescla a narrativa do mundo, é doente... É a esperança ou o carregar em si mesmo uma importância que não estava lá. E quando nos projetamos para o futuro, já estamos todos doentes, já arrastamos fardos pestilentos, defuntos que nada fizeram e nunca farão,quando aceitamos o presente, quando mexemos nossas bocas para isso proclamar, saem sintomas, remorsos, utopias e manufatura de ideais arcaicos, palavras onde por trás existe uma estrutura da impossibilidade, da negação, ALGO PIOR DO QUE A MORTE ANTES DA VIDA CONSUMIDA POR NÓS MESMOS. Por fim, tudo que fizemos por aqui não foi mais do que mero passa tempo, dançamos na sobra do chicote como macacos de circo e exaustos, caímos... rolamos... apagamos...
Então amigo que ainda me atrevo a chamar de amigo, provocarei você mais uma vez. Diga-me, se sua mente não estivesse tão ocupada com futilidades, o que estaria pensando?

"Ajude a si mesmo e todos te ajudaram..."
(... ou mais ou menos isso...)
_Nietzsche
Do seu
r.A.